Por uma política de reflorestamento dos desertos de notícias
Carta Capital - 11/3/2024 - [gif]
Autor: Jéssica Botelho
Assunto: Jornalismo
Cerca de 26,7 milhões de brasileiros vivem em desertos de notícias (municípios que não possuem nenhuma iniciativa jornalística reportando assuntos de interesse público). Apesar da redução de 8,6% na quantidade de desertos, apontada pelo último censo do Atlas da Notícia, o jornalismo local encara desafios que demandam políticas públicas para garantir o direito à informação.
Deserto é um bioma de vegetação e clima árido, local geralmente representado pela escassez. No caso dos desertos de notícias mapeados pelo Atlas da Notícia, trata-se da aridez de informações de qualidade e da escassez de veículos de comunicação. Ou seja, são brasileiros em aridez de informações sobre o lugar onde vivem. Mesmo um município classificado como deserto integra um ecossistema midiático, já que pode acessar mídias sociais via celular, o conteúdo de grandes redes via televisão – como a Rede Globo –, entre outras formas de circulação de informação.
Um ecossistema midiático abarca redes de meios de comunicação e canais de informação que influenciam a percepção e compreensão do mundo, portanto a diversidade é essencial para uma visão complexa da realidade. O acesso a notícias de grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo é importante, mas insuficiente. Capitais (onde a mídia se concentra) e cidades de médio porte com influência econômica e política são igualmente cruciais na cobertura.
Uma infraestrutura urbana básica engloba uma série de elementos essenciais para garantir o funcionamento eficiente e a qualidade de vida em uma cidade. Isso inclui, por exemplo, saneamento básico, sistemas de transporte, unidades de saúde e educação. Para isso, políticas públicas são fundamentais para possibilitar a conectividade e o funcionamento dos serviços urbanos. Um planejamento eficiente desses elementos básicos é fundamental para o desenvolvimento ordenado e a melhoria da qualidade de vida nas cidades.
Um bom exemplo é a história da Amazônia, que tem sido atravessada por infraestruturas justificadas pela escassez e por uma busca interminável pelo desenvolvimento da região, de modo que as políticas públicas elaboradas apartadas da população tornaram-se vetores de desigualdade e violência. É necessário olhar para os desertos de notícias não como territórios isolados e incomunicáveis, mas como territórios que concentram vulnerabilidades, incluindo informacionais, e a ineficácia das políticas públicas são palpáveis.
A região Norte enfrenta desafios de baixa conexão devido à infraestrutura limitada, mas observa um crescimento no acesso à Internet por meio de celulares, segundo o CETIC.br. Esses fatores contribuem para que a Internet seja a principal fonte de informação na região, dada a facilidade de produção e disseminação de notícias via tecnologias digitais. Além disso, a presença significativa das rádios, classificadas em segundo lugar no Censo 2023 do Atlas da Notícia, é atribuída à proliferação de rádios comunitárias, em parte graças à implementação da política do Serviço de Radiodifusão Comunitária.
O jornalismo, como o Estado, demanda operacionalização adaptada para cada territorialidade que ocupa e alcança, pois pode ser vetor de transformação social e fortalecimento da democracia por meio do empoderamento da informação. A proximidade com o poder local e os desafios financeiros tornam o jornalismo local mais vulnerável. Uma transformação no padrão de consumo e produção de notícias é imprescindível para reconhecer o jornalismo como um direito à comunicação – precedente para garantir outros direitos fundamentais – no cotidiano.
Assim como a desinformação é um problema estrutural que requer múltiplas frentes de combate, o jornalismo precisa de políticas públicas para reflorestar os desertos de notícias com informação de qualidade – como sugere o CPA. Caminhando para superar as vulnerabilidades informacionais e alcançar a integridade da informação, como a agenda do atual governo federal vem pautando.
Jéssica Botelho é doutoranda em Comunicação e Cultura na UFRJ, coordena o Atlas da Notícia na região Norte e o Centro Popular de Comunicação e Audiovisual (CPA)e colaboradora da Rede BrCidades.