Cobertura da imprensa sobre racismo ainda é superficial, dizem especialistas
Folha de S. Paulo - 16/10/2023 - [gif]
Autor: Marina Costa
Assunto: Desigualdade informacional
A identificação do racismo se concentra nos casos que ocorrem nas relações interpessoais, segundo a pesquisa Percepções sobre Racismo no Brasil, realizada pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) a pedido do Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e do Instituto de Referência Negra Peregum, organizações que se dedicam ao estudo da população negra.
Um dos dados levantados mostra, por exemplo, que 66% dos entrevistados consideram a violência verbal como principal forma de manifestação do racismo na sociedade brasileira e 39% mencionam a violência física. Apenas 8% consideram que a prática está na desigualdade de investimento em diferentes territórios de acordo com o grupo que vive no local.
Entre os dias 14 e 18 de abril de 2023, o estudo ouviu 2.000 pessoas com mais de 16 anos em 127 municípios de todas as regiões do país. Os resultados foram debatidos durante o seminário Comunicação Antirracista em Pauta, realizado pelo Projeto Seta e pelo Instituto Peregum na manhã da última terça-feira (10), no auditório da Folha.
A historiadora Ana Paula Brandão, cofundadora do Seta e diretora programática da ONG ActionAid, afirma que a percepção de racismo da população aparece também na cobertura do tema pela maior parte da imprensa, que ainda destaca ofensas e agressões físicas, por exemplo, e não aprofunda a discussão de questões étnico-raciais sob as perspectivas estrutural e institucional.
Para Márcio Black, coordenador de projetos executivos do Instituto Peregum, um dos caminhos para mudar o cenário e para fugir de estereótipos - como o de abordar questões raciais apenas no mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra- é ir além da grande mídia e repercutir os dados da pesquisa em veículos negros e periféricos.
Brandão e Black participaram da primeira mesa do evento, mediada por Naiara Evangelo, assessora de comunicação do Projeto Seta. Conduzido pela jornalista Midiã Noelle, consultora do projeto, o segundo painel discutiu estratégias de promoção da comunicação antirracista tanto em grandes veículos quanto em mídias menores.
Ao citar a criação do núcleo de Diversidade na Folha em 2019, a jornalista Flavia Lima, secretária-assistente de Redação, ressalta que, para ter sucesso, o setor não pode ser criado para concentrar todas as pautas da área.
"As outras editorias entendem que a diversidade é relevante. Política sabe, economia sabe, e a gente faz uma série de reportagens relacionadas a questões de raça, gênero, religião, entre outras. Isso significa um avanço, porque essas questões sempre estiveram concentradas em algumas editorias específicas, como cultura ou a seção policial."
Ao se voltar às questões raciais, um veículo pequeno precisa entender as estratégias utilizadas pela grande imprensa para se comunicar com uma parte expressiva da população - tanto para ter sustentabilidade financeira quanto para alcançar seu público, visto que pretos e pardos são 56% dos brasileiros, diz Maurício Pestana, CEO da Revista Raça.
Ronaldo Matos, cofundador e editor do Desenrola e Não Me Enrola, portal dedicado à cobertura nas periferias e à formação de jovens para disseminar notícias nessas regiões, questiona o acesso à informação com base nos dados da pesquisa TIC Domicílios, do Nic.br (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR). Segundo o estudo, 36 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, enquanto 92 milhões acessam a web apenas pelo celular.
"O jornalismo precisa atentar para o contexto de desigualdade informacional, de segregação digital e de falta de programas que fomentem a cidadania digital e a educação midiática antirracista. Sem essas ações e em um mundo extremamente polarizado, temos também uma população negra que se afasta do jornalismo e o desvaloriza, e isso é um mal para a democracia."
Segundo o último Mapa da Desigualdade divulgado pela Rede Nossa São Paulo, do ano passado, Pinheiros possuía 30,41 antenas de internet móvel a cada 10 mil habitantes em 2021; no Jardim Ângela, o número era 1,43.
"É um debate sobre infraestrutura. Esse é o tipo de jornalismo que a Alma Preta quer fazer. Queremos trazer esses dados e questionar o poder público", diz o cofundador da agência, Vinicius Martins. Para ir além do digital, uma das ações da agência Alma Preta foi o lançamento de um manual de Redação antirracista neste ano.
Já no portal Mídia Indígena, as redes sociais ainda são o principal canal de difusão de informações. Além da barreira do idioma, devido à variação entre as diferentes etnias, um dos fatores que dificulta a difusão de informações nos territórios é a falta de comunicadores indígenas, diz a coordenadora Priscila Tapajowara.
Para reverter o cenário, a iniciativa investe na formação de jovens nessas regiões. Durante as fases mais agudas da pandemia, o movimento foi fundamental para denunciar o avanço do garimpo ilegal, a presença de madeireiros e o aumento das queimadas, exemplifica Tapajowara.