Um país conectado
Portal Exame - 08/07/2010 - [ 1 ][ 2 ][ 3 ][ 4 ][ 5 ]
Autor: Henrique Martin
Assunto: Pesquisa TIC
Crescem as vendas de PCs e celulares e o acesso à rede - e, assim, ganha impulso a economia digital no Brasil
Já se vão quase 15 anos da privatização das telecomunicações no Brasil, e nesse tempo o país assistiu a uma transformação sem paralelo em sua competitividade. Considere, então, o seguinte dado: no último mês de maio, quase 3 milhões de novas linhas de celular foram habilitadas, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Hoje, existem 183,7 milhões de linhas em uso no país, ou 95,26 acessos para cada 100 habitantes. A sensação é que todas as pessoas que conhecemos já têm um celular - e não falta muito tempo para que os números confirmem essa impressão. E os acessos móveis não são mais usados simplesmente para telefonemas. Com o crescimento da cobertura da tecnologia de terceira geração, as redes 3G, uma linha móvel torna-se cada vez mais uma alternativa de acesso à internet. A psicóloga paulistana Marcela Vieira comprou um iPhone para substituir o pesado notebook que carregava entre o consultório, o hospital e a faculdade onde dá aulas. "Consigo resolver todos os problemas mais urgentes com um aparelho que cabe no bolso e está sempre conectado à internet", diz Marcela. A realização da promessa do acesso sem fio à internet, a queda no preço dos computadores e o aumento das conexões de banda larga estão finalmente promovendo a esperada inclusão digital no país.
É difícil subestimar a importância de uma população conectada. A inclusão de dez assinantes de banda larga para cada 100 habitantes é capaz de aumentar a riqueza per capita de um país em 1,21%, no caso das nações desenvolvidas, e em 1,38%, no caso de países em desenvolvimento, de acordo com um estudo do Banco Mundial. Esse é o principal motivo para o empenho do governo brasileiro em levar adiante seu Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Embora os detalhes ainda não estejam claros, especialmente no que diz respeito à participação da renascida Telebrás, a expectativa é que a conectividade seja encarada daqui para a frente como um serviço público de importância comparável à luz elétrica ou ao saneamento básico. E isso se traduz em uma movimentação econômica que promete transformar o setor de tecnologia da informação do país. "Estamos em um momento mágico: todos os fabricantes veem o Brasil como mercado estratégico", diz Ronaldo Miranda, diretor da divisão de TI da Samsung Brasil. "Mais de um instituto de pesquisas prevê que o país será, em breve, o terceiro maior mercado de PCs do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. Isso motiva as empresas e incentiva a entrada de novas companhias no país."
O principal foco de crescimento são os PCs. Cinco anos atrás, foram vendidos 6,7 milhões de unidades no país. Neste ano, a previsão é que as vendas sejam quase o dobro desse total: 12,8 milhões de computadores, de acordo com os cálculos de Luciano Crippa, coordenador de pesquisas da IDC Brasil, instituto de pesquisas que acompanha a indústria tecnológica. Graças às reduções tributárias promovidas pelo governo nos últimos anos, à valorização do real diante do dólar e ao enorme mercado potencial brasileiro - que estimula a competição entre as empresas nacionais e as gigantes estrangeiras, como Dell e HP -, as perspectivas são de crescimento sustentado por um bom tempo. "Os brasileiros são diferentes dos compradores de tecnologia de outros países emergentes", afirma Cassio Tietê, gerente de marketing da Intel Brasil. "Quem compra um computador pela primeira vez já teve experiência em alguma lan house, ou no trabalho, ou na casa de um amigo." A sofisticação dos consumidores daqui acompanha o movimento que se desenha no mercado internacional: uma preferência cada vez maior por computadores portáteis - notebooks e netbooks - em detrimento dos PCs de mesa. Para alguns analistas, isso deve aumentar a pressão sobre os fabricantes nacionais, que podem se tornar alvo do movimento mundial de consolidação da indústria. "Atualmente, temos 30 fabricantes locais, enquanto um mercado maduro tem 15", diz Crippa, da IDC. Uma das expectativas é a compra de grandes fabricantes nacionais pelas gigantes internacionais. Mas Helio Rotemberg, presidente da Positivo Informática, 165a colocada no ranking das 500 maiores empresas do país, diz que o conhecimento do mercado local é uma diferença fundamental em relação aos concorrentes estrangeiros. "Nós entendemos o consumidor e o varejo brasileiros", afirma Rotemberg. Segundo ele, a Positivo, objeto de rumores insistentes de uma venda para a chinesa Lenovo, "não está à venda".
Apesar do otimismo, a banda larga ainda não acompanha o ritmo do mercado de computadores, diz Alexandre Barbosa, gerente do Centro de Estudos sobre as Tecnologias de Informação e da Comunicação (Cetic.br), ligado ao Comitê Gestor da Internet. "As taxas de crescimento seguem abaixo do desejado", diz Barbosa. "Existem cerca de 5 milhões de PCs sem internet no país, e o custo do acesso é a maior barreira." A expectativa, diz Barbosa, é que o Plano Nacional de Banda Larga permita que mais compradores de PC de primeira viagem possam se conectar à rede.
Cada vez mais conectados
O acesso a telefones celulares e conexões de alta velocidade cresce rapidamente no Brasil:
Comércio eletrônico
Mesmo sem as definições sobre o PNBL, os negócios baseados na internet vêm apresentando taxas de crescimento formidáveis. O comércio eletrônico cresceu 30% no ano passado em relação a 2008. A maior empresa do setor, a B2W, dona das marcas Americanas.com e Submarino, entre outras, foi eleita a melhor empresa do varejo de 2009 nesta edição de MELHORES E MAIORES. A companhia, dona de um faturamento de 2,8 bilhões de dólares no ano passado, foi a que mais gerou riqueza por empregado e ficou entre as cinco mais rentáveis. No setor de indústria digital, o título de melhor de 2009 foi para o UOL, que nasceu como provedor de acesso e portal de conteúdo mas atualmente tem receitas importantes vendendo serviços como pagamentos e hospedagem para companhias de pequeno e médio porte. Em 2009, o UOL teve receitas de 501,8 milhões de dólares. Ambos os casos mostram que, apesar do caminho que o Brasil ainda tem a trilhar na universalização da internet, o mundo digital já representa um negócio de peso na economia do país. Isso é especialmente verdade quando se imagina o potencial da entrada das classes C e D no varejo eletrônico. "Os consumidores de baixa renda têm cada vez menos medo de comprar online, pois existe uma nova geração que é alfabetizada na internet e já cresceu conectada", diz Alessandro Gil, diretor de marketing da Ikeda, uma desenvolvedora de sistemas de comércio eletrônico. A UltraFarma, rede de farmácias populares e uma das clientes da Ikeda, tem uma sólida operação de vendas online - ou talvez o mais correto seja dizer um pouco online, um pouco offline. Como são muitos os clientes que não têm cartão de crédito, uma das formas de pagamento é prosaica: o motoboy recebe o cheque na hora da entrega. Aos poucos, e com jeitinho brasileiro, a inclusão digital se impõe.