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12 MAR 2019

Saiba como foram os primeiros passos do Brasil na internet antes da era comercial


Diário do Nordeste - 12/03/2019 - [gif]


Autor: Daniel Praciano
Assunto: Evento

Entrevistamos Demi Getschko, considerado um dos pioneiros da internet no Brasil

Demi Getschko, cientista de computação brasileiro, é considerado um dos pioneiros da internet no Brasil. Ele foi responsável pela primeira conexão brasileira usando o protocolo TCP/IP, em 1991, entre a Fapesp e a Energy Sciences Network (ESNet) dos EUA, através do Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab). Atualmente é o diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Conseguimos com ele um importante relato do caminho que nos levou até o que temos hoje de internet comercial; dos primórdios da academia e as lutas que alguns visionários tiveram para nos preparar para o momento atual.



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Segundo Getschko, no final dos anos 70 e início dos anos 80, já havia um forte interesse de conectar computadores, fazer redes, mas isso ainda era bastante local e restrito. O cientista ainda estava na Universidade de São Paulo (USP) no começo do que viria ser a rede USP, rede de computadores e terminais ligados. “Algumas iniciativas mais amplas, como, por exemplo, o pessoal de Medicina que queria ter acesso à base de dados médicos dos EUA e o pessoal de bibliotecas daqui e que queria interligar com o pessoal de bibliotecas de lá e saber com cada uma o que existia. Era já necessidades presentes nisso aí”, afirma.

Por volta de 1985, Getschko foi para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e essa pressão pela conexão e troca de informações, principalmente na área acadêmica, foi cada vez mais importante. As pessoas na Fapesp precisavam de conexão com o estudiosos de fora. “Se nós não fizéssemos nada centralizadamente, cada universidade iria tentar por conta própria e com isso iríamos ter um gasto de recursos desnecessários e falta de coordenação. Então, a Fapesp, que é um órgão central no Estado de São Paulo, podia se voluntariar para conseguir uma conexão que atendesse às universidades estaduais como um todo mais os institutos de pesquisas IPT e os demais”, disse o cientista.

Com a missão definida, Getschko e os demais pesquisadores começaram a ver como fariam esta história e descobriram que uma das redes fáceis de usar lá fora, que todo mundo estava usando era a BitNet, uma rede boa para correio eletrônico. Correio eletrônico, frisa o cientista brasileiro, era uma ferramenta de extrema popularidade na época. “Era muito séria, pois o cara podia ser o maior figurão que acabava respondendo”, pontua.

O professor Oswaldo Sala, físico e presidente da Academia Brasileira de Ciências, tinha ótimo contatos em um laboratório chamado Fermilab, que fica perto de Chicago, em uma cidadezinha chamada Batavia. “Então, o Gomide (Alberto Courrege Gomide), que trabalhava na Fapesp, falecido no ano passado, foi até Batavia e conheceu o pessoal do Fermilab. Então eles disseram que se conseguíssemos uma linha até aqui, eles poderiam nos conectar a gente à BitNet. Então pedimos à Embratel na época e AT&T (não lembro a parte internacional) e conseguimos uma conexão até o Fermi para trazer a conexão da BitNet”.

Em 1987, Demi Getschko e equipe descobriram que outras iniciativas iam para o mesmo lado. O Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) estava tentando se conectar com a Universidade de Maryland e depois mais tarde a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também tentou a mesma coisa, entre outras. Então havia várias iniciativas tentando conectar os pesquisadores brasileiros a pesquisadores do exterior e montar redes acadêmicas para troca de dados e informações entre eles. “Em 1988 usamos a conexão; um mês depois que o LNCC conseguiu usar a deles. Eles foram anteriores a nós no uso da BitNet. E, como tínhamos na Fapesp uma máquina da Digital – um fabricante de computadores – nós também ganhamos acesso a outra rede chamada High Energy Physics Network (HEPnet) que era padrão para os físicos da época. Começamos com BitNet e HEPNet e isso ficou entre 1988 e 89″.

Protocolo TCP/IP

Demi Getschko um dos pioneiros da internet no Brasil. Foto: Divulgação/NIC.br

Em 1989 ficou claro que teríamos várias máquinas no Brasil e a estrutura que dá nome a essas máquinas seria muito melhor. Ao invés de uma estrutura linear seria uma estrutura hierárquica. “Então, a coisa óbvia, era o seguinte, que tal usar algo que tivesse diversos níveis de nome? E a internet e outras redes usavam coisas desse tipo (lineares). E fomos atrás de conseguir o br. Em 18 de abril de 1989. Nós conseguimos o “.br” e apontamos para nossas máquinas na Fapesp. Então, com isso, nós tínhamos um sobrenome para poder usar no nome das máquinas. Na época, quem cuidava disso era Jon Postel, que já faleceu (em 1998). Assim ficou fácil dar nome a máquinas”, afirma o cientista deixando claro quando entramos de vez na era da internet.

Também ficou claro, no final de 1989, para os pioneiros da internet no Brasil, que BitNet e HEPNet eram redes que seriam absorvidas, que iriam sumir, em benefício de uma rede que estava crescendo cada vez mais, não nova, porque já existia há algum tempo, que era a Internet. “O próprio Fermi, que era nosso ponto de conexão, avisou-nos que, com o tempo, o BitNet iria sumir e que iriam migrar para a internet, entrando em um backbone americano chamado Energy Sciences Network (ESnet), do Departamento de Energia dos EUA. Nós imploramos que eles nos levassem junto para esse pedaço da internet, pois tínhamos interesse e já tínhamos o br. Foi em janeiro de 1991 que os primeiros pacotinhos da internet trafegavam na mesma linha da Fapesp que já tinha BitNet e HEPnet. Fomos a primeira conexão brasileira à internet em janeiro de 1991 usando o protocolo TCP/IP que era o da internet. A BitNet usava um protocolo chamado RSS e a HEPNet usava um negócio chamado DeckNet”, disse Getschko.

O cientista ressalta que, em 1989, outro fator também marcou o ano, pensando no surgimento da pré-internet: o lançamento da Rede Nacional de Pesquisa (RNP). “Nós, de alguma forma, estávamos como centro de operação dessa Rede Nacional de Pesquisa e ela serviu como forma de aglutinar as iniciativas que atendiam às diversas universidades. Em vez de cada um tentar resolver seu problema, a RNP botou um backbone nacional que apontava onde cada instituição devia se conectar. E assim, a área acadêmica estava mais ou menos resolvida”, afirma o cientista.

Mas isso não seria o fim, apenas o começo. Na área não acadêmica, o que tínhamos na época, final dos anos 80 e início dos anos 90, eram os Bulletin Board System (BBS). Eram sistemas que você tinha uma máquina e podia usar telefonia para baixar um joguinho ou conversar com outros usuários. Eram sistemas restritos, não conectados entre si. Eram ilhas de acesso. Quando a internet ficou a opção mais clara, quem usava as BBS achou que seria interessante expandir a operação ligando-se à internet. “Então tivéssemos acesso de vários operadores de BBS, como o Canal Vip , do Alexander Mandic, e outros que perguntaram ‘se trouxessem uma linha até vocês permitem que a gente possa ligar nossa BBS a outras para fazer acesso a rede como um todo’? Obviamente era uma boa ideia, pois cada vez mais gente na rede melhor é para a rede e para todos. As BBS começaram a ser interligar-se”, explica Getschko.

Ele também ressalta que outro ponto marcante de 1989-91 foi o surgimento da Web. Afinal, a possibilidade dos sites e imagens trouxe um enorme atrativo para pessoas que não tinham interesse nas redes acadêmicas e isso impulsionou a internet. “Na fase anterior à web, na parte das listas de discussão, as pessoas se reuniam para discutir sobre qualquer assunto. Com a entrada da Web e demais ferramentas vieram as redes sociais. E isso está crescendo hoje”, encerra o cientista.