Regulamentação de lan houses e cibercafés vem pintando por aí, mas não adianta exagerar na mão senão piora
O Globo - 22/06/2009 - [ gif ]
Autor: Carlos Alberto Teixeira
Assunto: Regulamentação
Nos últimos tempos, a proliferação de lan houses (LH) e cibercafés (CC) no país tem provocado uma discussão peculiar: será que essas casas estão sendo devidamente usadas? Há quem diga que não, porque seriam centros de difusão de cibercrimes, além de não estarem colaborando com a educação. Aifnal, estabelecimentos conectados à internet poderiam servir para elevar o grau de consciência e instrução da comunidade. Infelizmente esse recurso tem sido subutilizado, por mais que estejam colaborando, sim, com a inclusão digital.
Imagina uma lan house desse tamanho tendo que cadastrar cada um dos clientes / Foto: AFP Photo
Mas podemos botar cibercafés e lan houses no mesmo saco?
- Existe uma distinção entre CC e LH. Cibercafé é uma loja de comunicação, para atividades como email, trabalho, chat e outras, que atende a prestadores de serviço e pessoas com necessidades rápidas, como imprimir um arquivo, ler um CD ou gravar um pendrive. - esclarece Luiz Geraldo Santos, gerente-geral do Cyber Copa Café. - Já a lan house é uma loja, em geral com ambiente escuro, para jogar em rede.
Portanto, há diferenças. Mas, em vez de "e-learning" (por aqui chamado de ensino à distância), Wikipédia e atlas online, nos cibercafés o forte do uso é Orkut, MSN e acesso a pornografia. Nas lan houses, a tônica são jogos online chegando a níveis compulsivos e, em geral, com temáticas sanguinárias.
Diante desse quadro, a saída imediatista encontrada pelos governantes foi... legislar. E haja confusão.
Uma das iniciativas é a do deputado estadual Paulo Melo (PMDB-RJ), autor do projeto que altera a distância mínima entre lan houses e escolas de 1º e 2º graus.
- No texto original, essa distância é de 1km. Só que isso tornaria a lei inexequível. Afinal, no interior do Estado do Rio, a avenida principal de algumas cidades é menos longa do que isso. Assim, pela lei, não poderia haver nenhuma LH numa localidade assim. - explica Paulo Melo. - Mas precisamos mudar a situação atual. Uma LH oferece atrativos que concorrem com a sala de aula. Em Saquarema, por exemplo, há três LH bem ao lado de um colégio.
Segundo Melo, com a aprovação do novo texto, que deve ser votado antes do próximo recesso, não serão concedidos alvarás para abertura de novas LH que não respeitem a lei. Quanto às já existentes, não terão o alvará renovado.
Mas será que apenas impor uma distância mínima impedirá alunos de cabularem aula para jogar online?
Mário Brandão, criador da ABCID (Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital - abcid.com.br), acredita que o máximo que leis desse tipo conseguirão será fazer os alunos andarem um pouco mais para fugir das aulas para jogar.
- Impondo regras demais, as LH&CC acabam empurradas para a informalidade e para a ilegalidade. - comenta Brandão. - Ademais, segundo pesquisa de McAfee, 80% dos crimes por via digital são cometidos em computadores em residências, não em lan houses. E olha que o acesso residencial só representa 40% dos acessos totais à internet.
O crescimento mundial de estabelecimentos desse tipo é irrefreável, mas aqui no Brasil ainda se acredita que só usa lan house quem não tem computador.
- Isso é um mito. No Japão, por exemplo, 35% dos acessos à internet são feitos em locais de acesso público. - explica Brandão. - O usuário médio tem computador em casa e no trabalho, mas vai a uma LH&CC quando está em trânsito, para conexões rápidas, encontros online, paqueras etc.
No Brasil, outro caminho para tentar evitar o mau uso dessas casas é o cadastramento dos usuários. No Paraná, a Assembléia Legislativa aprovou um projeto que obriga LH&CC a cadastrarem seus clientes e a manter no ambiente câmeras que permitam identificar seus rostos. Se for sancionada a lei, as empresas terão que manter por dois anos esse cadastro, que conterá nome, identidade, endereço e telefone de cada usuário, além de data, hora, computador e endereço IP (Internet Protocol) de cada acesso.
O cadastro só poderá ser liberado para as autoridades mediante determinação da Justiça ou por autorização do próprio investigado. Quanto às câmeras, elas não enquadrarão as telas dos sites acessados pelos clientes, pois seria invasão de privacidade.
O projeto, no entanto, não prevê punição às LH&CC que não seguirem a lei; só após a regulamentação seria estipulada essa cláusula.
Em geral, não é difícil chegar ao computador em que se comete um crime digital, graças ao endereço IP. O problema é identificar o usuário. O cadastro e a câmera permitiriam tal identificação. Mas adotar essas medidas certamente será um problema para as lan houses em áreas mais pobres, devido ao custo para comprar esse equipamento adicional.
O cadastramento de usuários caminha para se tornar uma tendência de âmbito nacional. Desde 2008 tramita no Senado um projeto de lei do senador Gerson Camata (PMDB-ES) bem parecido com o paranaense. A diferença é que o período de guarda do cadastro é de três anos.
Fica em suspenso, assim, o destino das lan houses brasileiras - que, segundo o Comitê Gestor da Internet (CGI), são responsáveis por 48% dos acessos à grande rede no país.
No entanto, parece que falta um maestro regendo essa orquestra nacional de legisladores. Aqui no Rio, então, a maçaroca é especialmente confusa.
A Lei Municipal nº 4.996 (tinyurl.com/lei-lucinha) estipula uma distância de 300 metros entre uma LH e uma unidade do ensino público ou privado. Os mais chatos cismam que deveria ser especificado "distância mínima" em vez de apenas "distância", e também que "unidade de ensino" poderia ser uma academia de judô, uma escola de violão etc.
Mas o que realmente espanta no Estado do Rio é que, ao mesmo tempo em que se pensa em exigir cadastramento para usuários de LH&CC, existem as louváveis iniciativas já implementadas pelo governo estadual de prover acesso à internet em banda larga a céu aberto usando tecnologia Wi-Fi - os projetos Santa Marta Digital (Morro Santa Marta, em Botafogo), Orla Digital (praia de Copacabana e ruas próximas) e Cidade de Deus Digital, com previsão de expansão para os bairros de Ipanema e Leblon e, mais adiante, para Rocinha e Baixada Fluminense.
Pensemos, então. Se um malfeitor quiser cometer um crime por via digital, onde preferirá ele acessar a internet? Numa lan house que exige cadastramento? Ou incógnito à beira-mar na Avenida Atlântica usando um laptop com Wi-Fi?
Novo modelo de negócio
Para que lan houses e cibercafés promovam inclusão digital, elas precisam servir como ponte entre educação, cidadania e empreendedorismo, transformando-se em negócios sociais, ambientais e sustentáveis.Na quinta-feira, dia 25, será lançado no Rio o projeto CDI Lan, com um código de conduta para as casas que se afiliarem, prevendo assessoria na gestão desses espaços. Será às 10h30m, no Shopping Tijuca, 6° andar. tinyurl.com/Projeto-CDI-Lan .