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06 DEZ 1999

"Registro de domínio é feito rápido demais"






Arquivo do Clipping 1999

Veículo: O Globo On
Data: 06/12/1999
Assunto: registro de domínios

Por: Suzana Liskauskas

Como está a questão do conflito marcas e nomes de domínio no mundo?

LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA: Tenho muita informação sobre o que está acontecendo nos EUA. Diria que 98% das decisões judiciais lá têm sido no seguinte sentido: quando a empresa tem uma marca registrada e uma outra pessoa física ou jurídica pede o domínio, ele não é concedido por já existir o registro da marca. Isso tem acontecido também em países da Europa e de Terceiro Mundo, como Índia, Argentina e Brasil, onde há oito decisões judiciais a respeito. A única que determinou a suspensão do uso do domínio foi a da America Online. As demais terminaram em acordo ou estão em curso.

Que mecanismos são usados por registradores de domínio para evitar conflitos?

L.EDGARD: Lá fora é mais ou menos como aqui. Registra-se o domínio e depois se tenta cancelá-lo. Se não há acordo, só recorrendo à Justiça.

Na maioria dos países também registram-se domínios sem checar se há marcas com o mesmo nome?

L.EDGARD: Em muitos países não há a necessidade de apresentar um CGC local. No Brasil, o registro está limitado às empresas estabelecidas no país. O que acho inconstitucional, porque se estabelece uma diferenciação entre a corporação brasileira e a estrangeira. Além de deixar espaço para uma pessoa de má fé se apoderar do nome de uma empresa estrangeira e registrar o domínio.

Em outros países, quando a empresa prova que a marca é dela, o domínio é automaticamente cancelado?

L.EDGARD: Não é tão simples assim. A empresa registra o domínio e, se alguém estiver reclamando, terá que ir a juízo. A não ser que a empresa que registrou o domínio tenha a mesma marca, mas atue num outro ramo de atividade.

O que está sendo feito para diminuir essas brigas?

L.EDGARD: Esses movimentos estão acontecendo nos EUA e estão para ocorrer no Brasil. Foi organizado um comitê da ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual) com a Fapesp, responsável pelo registro de domínios no Brasil, para estudar mecanismos que evitem os conflitos. Lá fora estão querendo implementar uma fase administrativa para dar chances à reclamação, medida que conta com o poio da Ompi.

Nesse período, seria investigada a existência de uma marca registrada previamente com o nome do domínio?

L.EDGARD: Exatamente. Isto está sendo proposto mundialmente. Há países que já estão se mexendo nesta direção, como os EUA, que estão muito avançados. E outros não fizeram nada, como o Brasil. Mesmo que isso seja implementado, não vai acabar com o problema. Existe um brasileiro que está morando nos EUA chamado Benjamim Azevedo que registrou lá domínios ".com" para nomes como Xuxa, Pelé, Mesbla, Angélica e outras celebridades e marcas brasileiras. Alguns clientes do meu escritório que têm intenção de estabelecer um negócio nos EUA e que detêm marcas com o mesmo nome do domínio registrado pelo Benjamim Azevedo negociaram. Já cheguei num valor e não discutimos mais.

Quanto é?

L.EDGARD: US$ 500.

Conceder um prazo para reclamação não atrasaria a concessão do registro?

L.EDGARD: Sem dúvida. Acho que hoje o registro é rápido demais. Isso tem vantagens, mas dá margens a confusões, como o CGC falso. Aliás, este é um dos questionamentos da ABPI sobre os mecanismos de adotados pela Fapesp. Um dos pontos do documento encaminhado ao presidente Fernando Henrique Cardoso pela ABPI, em agosto, refere-se à exigência da Fapesp de a empresa apresentar um CGC, sem que haja um controle sobre o titular verdadeiro daquele número. Isso permite que o registro seja feito por empresas fantasmas. Nesse documento enviado a Fernando Henrique, a ABPI também cita a impossibilidade de empresas estrangeiras obterem o registro de domínio no Brasil. Isso, segundo a ABPI, não só prejudica a proteção dos direitos pertencentes aos estrangeiros como facilita a pirataria.

Que prazo seria razoável?

L.EDGARD: Acho que estaria bom se dessem, a partir do requerimento do domínio, 30 dias para reclamações. Os domínios que não fossem contestados nesse período estariam automaticamente convertidos em registro. Os que sofressem oposição ganhariam um status provisório ou ficariam em suspenso até que o conflito se resolvesse. A ABPI está discutindo propostas que serão levadas ao Comitê Gestor.

As pessoas estão mais cuidadosas depois de perceber que não se ganha tanto dinheiro com o registro de marcas famosas?

L.EDGARD: Acho que isso inibe um pouco. Mas antigamente, no Brasil, a pirataria de marcas era muito comum. Brasileiros registravam marcas famosas no nome deles para tentar negociar com os verdadeiros donos. Isso era comum até no Japão. A legislação japonesa era tão frouxa quanto a brasileira neste ponto.

Esta prática foi transportada para o ciberespaço?

L.EDGARD: Sim, porque requerer um registro de domínio é barato, rápido e não há muitas exigências. E muitas empresas grandes não estão preocupadas com isso.

Sócio do escritório de Montaury Pimenta Machado Lioce, especializado em propriedade industrial, o advogado Luiz Edgard Montaury Pimenta é o único conselheiro da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) no Brasil. Ele ganhou notoriedade depois da briga de domínio que envolve a America Online e um provedor de acesso de Curitiba. Nesta entrevista, feita em seu escritório, no centro do Rio, Pimenta contestou o sistema de registro de domínio adotado no país. A decoração sóbria do ambiente constrata com a visão avançada do advogado que, apesar de trabalhar com Internet, troca a navegação pela Web por leituras e muito esporte.