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05 JAN 2001

"Só precisamos de auto-estima"






Arquivo do Clipping 2001

Veículo: Dinheiro na Web
Data: 05/01/2001
Assunto: Internet

Um dos cinco integrantes do comitê gestor mundial da Internet, o ex-secretário de Política de Informática diz que o País está pronto para ser protagonista global na Nova Economia

Deise Leobet

Um brasileiro faz parte da cúpula mundial da Internet. Trata-se do mineiro de 57 anos Ivan Moura Campos, consultor e ex-secretário nacional de Política de Informática, um dos cinco eleitos entre candidatos do mundo todo para integrar o board da Icann (International Corporation for Assigned Names and Numbers). Criada há dois anos por Vinton Cerf, um dos criadores da rede mundial de computadores, a Icann é uma organização não-governamental que detém todos os poderes sobre os endereços, protocolos e nomes de domínio virtuais usados no mundo inteiro. A escolha de Campos para o cargo não foi à toa. Em suas passagens pelo governo federal nos últimos 10 anos, deixou várias marcas. Entre elas, o Programa de Software para Exportação (Softex), ainda em vigor, e a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), o primeiro esqueleto da Internet implantado no País. Desde janeiro ele preside a Akwan, uma das poucas empresas nacionais que produz ferramentas de classe mundial para a rede. Ao contrário de muitos de seus colegas, Campos acha que o Brasil é um dos mais fortes candidatos a ocupar um papel de protagonista da Nova Economia que surge no rastro da Internet. "Mas antes terá que resolver seu problema de auto-estima", disse. A seguir, trechos da entrevista:


DINHEIRO - Como será a Internet dos próximos anos?
IVAN MOURA CAMPOS - A primeira coisa que vai acontecer, com a disponibilidade de uma banda mais larga, é tornar tudo o que já fazemos na Internet muito, muito melhor mesmo. Teremos, por exemplo, conversas telefônicas com imagem via Internet de alta qualidade. O conteúdo virá de maneira uniforme: imagem, voz e e-mail. Isso vai viabilizar uma série de novas atividades como educação just in time, na hora e local onde se quiser, e o surgimento da telemedicina, que transmitirá diagnósticos pela rede sem precisar movimentar o paciente. E, por último, mas não menos importante, os avanços no comércio eletrônico serão surpreendentes.

DINHEIRO - E no Brasil?
CAMPOS - O Brasil já tem uma das maiores taxas de crescimento do mundo em número de computadores conectados e isso vai continuar acontecendo nos próximos anos. Já somos o 12º país do mundo em número de computadores conectados à Internet. Em janeiro de 1999, éramos o 17º colocado. Mas imagino que, até o fim de 2001, passaremos para a 9ª colocação.

DINHEIRO - Mas ainda existem muitos problemas...
CAMPOS - O problema maior é que a Internet no Brasil ainda é um fenômeno de classe média, o que tem a ver com razões estruturais. É reflexo da péssima distribuição de renda, do alto custo das linhas telefônicas - inacessíveis para classes de renda mais baixas - e do preço dos computadores, que ainda é muito alto.

DINHEIRO - Como tornar a Internet mais acessível?
CAMPOS - O primeiro passo, que já está pensado pelo governo, é fabricar um computador brasileiro, baratinho, de até R$ 500, e que poderia ser financiado ao consumidor final. Poderia se utilizar, também, o dinheiro do Fust (Fundo de Universalização do Sistema de Telecomunicações) para subsidiar o acesso à Internet, pagando um pedaço do custo das contas telefônicas. Depois, diminuir o ICMS sobre telecomunicações, que ainda é muito alto. No Rio de Janeiro, por exemplo, é de 40%. Há uma proposta das empresas para baixar esse imposto para 15%. Além disso, é preciso desenvolver conteúdo em português para o consumo de todos. A Internet não pode continuar sendo apenas um fenômeno em inglês.

DINHEIRO - Num País com tantos problemas sociais como o Brasil, o sr. acredita que as pessoas dariam prioridade à compra desse computador?
CAMPOS - Não tenho dúvida. Existe pesquisa do Ibope que mostra que logo atrás da tevê e da geladeira, o sonho de consumo das classes de renda baixa é um computador dentro de casa. Como nosso mercado interno é muito grande, é possível alavancar uma solução doméstica com facilidade. É possível atrair indústrias e desenvolver, no País, tecnologia própria e levar isso até para outros países em desenvolvimento. Há outros exemplos. A televisão vai ficar digital. No Brasil, em ano ruim são vendidos 6 milhões de televisores. Em ano bom, de 9 a 10 milhões. Ou seja, vem aí mais uma janela de oportunidades que é a digitalização da planta de tevê. A mesma coisa acontecerá no mercado de telefone celular.

DINHEIRO - É comum se dizer que o Brasil já perdeu, por falta de visão estratégica, vários bondes para o desenvolvimento. O exemplo mais citado é o da indústria de hardware, nos anos 80. Isso se repetirá com a Nova Economia?
CAMPOS - Na época pré-privatização os liberais mais aguerridos atacavam a reserva de mercado para a indústria de hardware. Mas ela teve seus méritos e eu não tenho nenhum receio de alardear isso. É só olhar a vizinha Argentina, que não teve reserva de mercado, mas também não tem nada. O Brasil tem, por sua vez, uma indústria que fatura US$ 80 bilhões por ano, no total. Dos quais US$ 50 bilhões em hardware. O que provocou o aparecimento dessa cultura no Brasil foi justamente a reserva de mercado.

DINHEIRO - Mas vários erros foram cometidos nesse processo.
CAMPOS - É verdade. Foi o caso de querer tratar a informática como assunto de segurança nacional. Quando os militares entraram, esse mercado foi para o brejo porque virou uma coisa estatal e perdeu a agilidade necessária.

DINHEIRO - Hoje a indústria nacional de software é considerada de ponta. O que fazer para expandir esse nicho já conquistado?
CAMPOS - Uma outra volta na espiral do Softex (o programa de estímulo à indústria de software). Naquela época, o desafio era fazer com que as indústrias brasileiras de software produzissem ferramentas em Windows. Agora, é fabricar produtos para a Web. Para isso, temos que aproveitar as janelas de oportunidade que a gente tem aqui no Brasil. Uma delas é a universalização de acesso.

DINHEIRO - Para isso é necessário disponibilizar novos financiamentos, não?
CAMPOS - Claro, e condições de produção que sejam vantajosas também. Mas não é só isso. É preciso que empresários reflitam um pouco e tenham uma mentalidade de correr mais riscos. Está faltando ousadia e também elevar a nossa auto-estima tecnológica. É só as pessoas irem lá fora para ver o que nós já fizemos em termos de tecnologia digital.

DINHEIRO - Por que o sr. diz que subestimamos o nosso potencial?
CAMPOS - Em termos de tecnologia de operação da planta de telefonia não devemos nada a ninguém. O mesmo acontece com a digitalização do sistema bancário nacional, que dá de 10 a zero na dos norte-americanos. Além disso, pouca gente sabe, nós temos até máquinas de busca brasileira que estão ganhando concorrências internacionais na Espanha, Portugal, Chile e logo estarão entrando até no mercado norte-americano.

DINHEIRO - Qual deve ser a estratégia para se estimular o crescimento tecnológico?
CAMPOS - Governo e setor privado devem tentar detectar nichos prospectivos de tecnologia para o Brasil. Aproveitar esses setores, como automação bancária, conteúdo em tevê digital, segurança, máquinas de busca, entre outros em que já temos excelência, para investir. Não dá mais para querer concorrer em tudo. Veja o exemplo da Finlândia, que só atacou em comunicações móveis e se tornou um dos players dominantes no mundo com a Nokia.

DINHEIRO - Mas ainda produzimos muito pouco aqui no País, tanto que temos sérios problemas de balança comercial...
CAMPOS - Parte da culpa disso é Manaus. A Zona Franca é um modelo industrial complicado. Está longe dos mercados consumidores e tem incentivos demais. Da última vez que olhei, a renúncia fiscal era de algo entre R$ 5 a R$ 6 mil por emprego gerado. Televisor digital, telefone celular e computador não têm nada a ver com a região. Muito mais interessante seria estimular ali uma indústria de fitoquímicos, de fármacos. Mas vai falar isso para a bancada amazônica lá no Congresso.

DINHEIRO - Numa escala de zero a 10, qual nota o sr. daria para o empenho do governo brasileiro no campo tecnológico?
CAMPOS - Alta, de 8 a 9. Trabalhei muito tempo no governo e posso dizer que nunca foi tão fácil conversar sobre essas questões. Prova disso é que foi iniciativa do governo o projeto do Programa Brasileiro da Sociedade de Informação, que é uma coisa que está sendo copiada no mundo inteiro. Os europeus estão encantados e os americanos também. E, agora, tem uma comissão permanente no governo tratando disso.

DINHEIRO - O que mais deve acontecer com o comércio na Internet?
CAMPOS - A Internet vai acabar com os intermediários. Isso quer dizer que o industrial ou o comerciante que não comprar dos seus fornecedores pela Internet estará fora do negócio. Sem intermediários, os preços vão cair e ficarão bem mais acessíveis para todos.

DINHEIRO - Que orientação o sr. daria para uma empresa tradicional que quer utilizar melhor a Internet?
CAMPOS - Focalizar primeiro no business to business. Oitenta por cento das transações da Internet no futuro serão business to business e 20% de business to consumer. Além disso, é preciso ter em mente que existem coisas muito boas para se vender na Internet, como software, disco, livro. Outras coisas não vendem na rede de jeito nenhum, como roupa e sapato. Não tem cabimento comprar sapato pela Internet.

DINHEIRO - Nos últimos meses, a Nasdaq tem sido alvo de muitas turbulências. É um sinal de que acabou a era da aventura na Internet?
CAMPOS - Antes das quedas, havia um modelo de negócio movido a entusiasmo. Um grupo de jovens do Vale do Silício juntava-se numa garagem, concebia uma idéia e chegava para um investidor de risco e falava: olha aqui uma idéia da pesada, nós vamos ganhar muito dinheiro. O investidor colocava, então, US$ 50 milhões nas mãos deles. Os jovens viviam com dinheiro dos investidores, mas sem preocupação com o fluxo de caixa. Durante um bom tempo a Nasdaq valorizou as ações dessas empresas, cujo modelo de negócio era mais baseado na entrada periódica de capital novo do que propriamente dos lucros. Chegou o dia em que se deu conta que não havia uma fonte real de entrada de recursos e a bolsa tremeu. Por isso, na Nova Economia os investidores serão muito mais rigorosos com a viabilidade financeira.

DINHEIRO - E qual o modelo que está em descrédito?
CAMPOS - O que está mais em descrédito são os sites. O sujeito monta um portal para vender um monte de coisas e a única fonte de renda são os banners de publicidade. Isso não dá mais.

DINHEIRO - Qual o modelo do futuro?
CAMPOS - O segredo do sucesso nessa Nova Economia é tentar se posicionar como um fabricante de pás e enxadas e não ser mais um à procura do ouro. Como o volume de informações na rede será cada vez maior, o segredo será descobrir formas de encontrar isso. Ou seja, ferramentas de busca, como a Oracle, de Larry Ellison, faz, e eu, agora, também estou fazendo. A outra forma é ter um pé na economia tradicional, como a Amazon.com.