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10 NOV 2006

Quem é o dono da internet?






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: A Rede
Data: 10/11/2006
Assunto: Governança

O gerenciamento da rede mundial, principal questão do Fórum de Governança, fica de fora da pauta de discussões

Fórum de Governança da Internet (IGF, na sigla em inglês) se reuniu entre 30 de outubro e 2 de novembro, em Atenas (Grécia), para dialogar sobre políticas de governança ou de gestão da internet. Representantes do governo e da sociedade civil brasileira afirmam, contudo, que o debate central, a concentração de poder sobre a grande rede, não entrou na pauta. A próxima reunião será em novembro de 2007, no Rio de Janeiro.

Para entender essa discussão, é importante retomar a origem da internet, em 1969. O governo dos Estados Unidos queria desenvolver um sistema para interligar computadores de uso militar. Assim surgiu a Arpanet, um esquema de transmissão de informações divididas em pequenos pacotes de dados, com o endereço do destinatário e identificações que permitiam a remontagem da mensagem original.

Pouco tempo depois, a Arpanet passou a ser interligada com universidades e outros institutos de pesquisa, dividindo-se em duas redes - de uso militar e não-militar. Um sistema denominado IP (Internet Protocol - Protocolo da internet) permitia o tráfego de informações de uma rede para outra. Por meio da National Science Foundation, o governo norte-americano investiu na criação de backbones (espinhas dorsais), que são computadores conectados por linhas capazes de dar vazão a grandes fluxos de dados, via fibra óptica, satélite ou rádio. Também existem os backbones de empresas privadas, conectadas em redes menores, de forma mais ou menos anárquica. É basicamente nisso que consiste a internet, que teoricamente não tem um "dono" específico.

Contudo, a internet como hoje conhecemos, com interatividade e conteúdos multimídia, só foi possível com a criação da World Wide Web, que ganhou maior divulgação a partir dos anos 90. Atualmente, uma única entidade é responsável por estabelecer as regras de uso e distribuição de protocolos IP: a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), que se classifica como uma entidade sem fins lucrativos e de âmbito internacional, mas é ligada ao Departamento de Comércio norte-americano. Esses serviços eram originalmente prestados mediante contrato com o governo dos EUA, pela Internet Assigned Numbers Authority (Iana) e por outras entidades. A Icann, hoje, cumpre a função da Iana.

Concentração de poder
A comunidade internacional, no entanto, questiona a concentração de poder de governança da internet pelo governo dos EUA. Assim, na Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação, realizada em Túnis (Tunísia), em 2005, foi aprovada a criação do Fórum de Governança da Internet (IGF, na sigla em inglês), com a intenção de contrabalançar o poder da Icann.

A entidade continua no controle da rede, mas o Fórum serve para que outras iniciativas sejam discutidas em um âmbito mais internacional e democratizante. Os Estados Unidos chegaram à Cúpula sem querer ceder e acabaram isolados. A União Européia ficou ao lado de Brasil, China, Índia e outros países favoráveis ao IGF.

A primeira reunião do Fórum aconteceu entre os dias 30 de outubro e 2 de novembro, em Atenas (Grécia). Enviado para representar o governo federal, o gerente de Assuntos Estratégicos do Ministério da Cultura, José Murilo Júnior, explica que o IGF tem uma estrutura aberta, heterogênea e não-hierarquizada. Os principais temas em pauta são spam, multilingualismo, censura, cybercrime, cybersegurança, questões de gênero, privacidade e proteção de dados, liberdade de expressão, direitos humanos, direitos autorais.

Segundo Murilo, nenhuma decisão importante foi tomada em Atenas. Contudo, o primeiro encontro direcionou caminhos para novas discussões e a correlação de forças no Fórum. "A questão que não quer calar é o papel central da Icann em uma rede que tende cada vez mais à internacionalização. Processos decisórios que afetam a todos precisam de maior representatividade e transparência, e os esforços da entidade nesse sentido não conseguiram apaziguar demandas pela internacionalização do serviço manifestadas na Cúpula de Túnis por vários países, entre eles o Brasil", apontou o representante do governo brasileiro.

Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e um dos representantes das entidades civis sem fins de lucro no Comitê Gestor da Internet no Brasil, afirma, no entanto, que o grupo preparatório para essa reunião acabou cedendo a pressões (de governos como o dos EUA, e de certos interesses comerciais) para minimizar, se não impedir, discussões sobre a governança da infra-estrutura lógica (nomes de domínio, números IP e protocolos de interconexão e transporte de dados) da rede.

"Setores das Nações Unidas influenciados por grandes empresas de telecomunicações e por alguns governos insistem na substituição da Icann por um organismo intergovernamental, que seria a União Internacional da Telecomunicação (UIT/ITU). Isso é repudiado porque a UIT não é pluralista, nem global, e é basicamente controlada pelas grandes empresas de comunicação", disse Afonso.

Direitos da Internet
Um dos temas que avançaram em consenso foi o debate sobre a utilização de outros alfabetos na formação de domínios, uma reivindicação importante dos países asiáticos. Trata-se do multilingualismo, para o qual a Icann já sinaliza soluções.

Como uma das principais contribuições do Brasil, ficou registrada a Carta dos Direitos da Internet - idéia surgida em Túnis tendo entre seus patrocinadores o ministro da Cultura, Gilberto Gil, integrantes do parlamento italiano e a ONG IPJustice.org. "Como representante do ministro, trouxe a reivindicação espontânea que nasce nos 'Pontos de Cultura' (núcleos comunitários de produção cultural), pelo direito de remixar cultura digitalmente", avaliou Afonso.

Outros assuntos que despertam bastante polêmica referem-se ao direito de acesso à informação e à liberdade de conhecimento - a busca por padrões abertos, software livre e acesso livre ao conhecimento. "Essa busca se choca com os interesses das empresas de software proprietário e das companhias que comercializam conteúdo utilizando leis para definir os direitos de autor e os de propriedade intelectual das distribuidoras de conteúdo. Com isso, limitam direitos de cópia ou mesmo de visualização e audição de conteúdos", destacou o representante da sociedade civil no Fórum.