Protestos de Junho de 2013 marcam mudança nas redes sociais com aumento da polarização e nova articulação da direita
O Globo (Política) - 5/6/2023 - [gif]
Autor: Marlen Couto
Assunto: TIC Domicílios
Em junho de 2013, o Facebook tinha a preferência dos usuários brasileiros de Internet e deixava para trás o Orkut. Naquele mês, sua ferramenta de eventos — que permitia acompanhar shows e outras programações locais — ganhou uma função diferente: a cada semana, passou a anunciar manifestações cada vez maiores nas ruas das grandes cidades brasileiras. Na rede, fotos, vídeos e transmissões em tempo real também ampliavam os olhares e a velocidade das informações sobre as passeatas, suas pautas amplas e diversidade de manifestantes. Daquela inquietação, estreava uma nova forma de mobilização ancorada nas plataformas digitais.
Se as redes sociais foram centrais na organização e mobilização vista nos protestos de junho, passados dez anos dos atos, o inverso fica mais evidente. A revolta por mais que 20 centavos alterou profundamente a própria dinâmica das redes sociais e a forma como os brasileiros passaram a debater política ao longo da última década, apontam pesquisadores ouvidos pelo GLOBO.
Após os protestos, as discussões sobre o assunto não só ganharam ainda mais visibilidade como a polarização se acentuou nesse ambiente. A ascensão e predominância das novas direitas também se tornaram uma marca. O segmento radicalizou o discurso, foi mais eficiente que os outros campos em se apropriar das inovações tecnológicas em curso e formou novas lideranças em torno da figura de Jair Bolsonaro (PL).
A politização não significou, porém, a qualificação do debate. As táticas de desinformação e de promoção de discurso de ódio se sofisticaram, ganharam escala e atingiram em cheio as discussões e a democracia. Em paralelo, a Internet chegou a outro patamar com os smartphones e a popularização do WhatsApp: o número de domicílios brasileiros conectados ultrapassou a marca dos 80% em 2020, ano em que se inicia a pandemia COVID-19, segundo dados do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
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Acesso à Internet no Brasil — Foto: O Globo
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Acesso à Internet por dispositivo — Foto: O Globo
Mais divididos
O processo de polarização no Facebook pós-2013 foi mapeado pelos pesquisadores Pablo Ortellado, professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP), e Márcio Moretto Ribeiro, professor de sistemas de informação, também da USP, que analisaram as interações de 12 milhões de usuários brasileiros com páginas políticas. Em 2013, a distância entre movimentos de esquerda e de direita mapeados era menor e havia sobreposição entre algumas das comunidades temáticas de usuários que formavam esses polos. Interessados em movimentos sociais progressistas, por exemplo, também se interessavam pelo movimento anticorrupção. Já defensores da pauta anticorrupção também estavam interessados pela agenda ambiental.
Essa dinâmica mudou entre 2014 e 2016. A polarização política se fortaleceu. As comunidades acompanhadas pelos pesquisadores se separaram e se distanciaram. Grupos de direita se uniram em torno da questão da anticorrupção e os de esquerda se agruparam em torno da agenda de programas sociais e serviços públicos. Para Ortellado, não apenas os assuntos políticos passaram a predominar como as relações sociais se tornaram mais homogêneas.
— Quando a gente fala de polarização política, a gente normalmente enfatiza a divisão, mas polarização também é fusão. É uma simplificação do panorama político. Antes, o mundo anticorrupção conversava com o feminismo e o antirracismo. Isso é uma impossibilidade hoje, são mundos à parte — explica o pesquisador.
Evolução da polarização política no Facebook
Mapeamento de pesquisadores da USP analisou interações de 12 milhões de usuários brasileiros do Facebook com páginas políticas entre 2013 e 2016
2013: A distância entre os movimentos de esquerda e de direita é menor e há sobreposição entre diferentes comunidades temáticas de usuários
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Debate no Facebook em 2013 — Foto: Pablo Ortellado e Marcio Moretto Ribeiro (USP)
- 2014: Após os protestos de junho de 2013, os grupos começam a se dividir mais entre a esquerda e a direita
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Debate no Facebook em 2014 — Foto: Pablo Ortellado e Marcio Moretto Ribeiro (USP)