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05 MAR 2002

Pagar para quê?






Arquivo do Clipping 2002

Veículo: Correio Braziliense
Data: 05/03/2002
Assunto: Acesso

Artigo da Lei Geral de Telecomunicações gera confusão entre empresas e usuários de serviços de banda larga ao determinar que operadoras de telefonia não podem prover acesso. Clientes dizem que não usam, mas precisam pagar pelo provedor

Tatiane Freire
Da equipe do Correio

A regra é clara: empresa de telefonia tem licença para prestar serviço de telefonia, não de acesso à Internet. A regulamentação é antiga - faz parte da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de julho de 1997 - mas tem servido para azedar as relações entre as telefônicas, provedores de Internet e usuários, resultando, inclusive, em ações na justiça.

A discussão começou quando empresas de telefonia fixa passaram a oferecer serviços de acesso à Internet em alta velocidade, como o Speedy, da Telefônica, e o ADSL da Brasil Telecom, que opera em Brasília. As operadoras de telefonia não podiam prover diretamente o acesso à Internet (devido à regulamentação da LGT), apenas a infra-estrutura de rede, ou seja, a parte que vai da casa do cliente até o provedor de Internet escolhido. A saída, então, foi fazer parcerias com vários provedores, que ofereciam preços e condições diferentes para o novo cliente de banda larga e ele decidiria qual seria o seu provedor.

Tudo ia bem até que clientes do Speedy em São Paulo começaram a fazer testes conhecidos como roteadores de caminho (trace route), em que a pessoa rastreia por onde passa o sinal que sai do seu computador até o destino final, quando alguém navega na Internet. Nos testes, os usuários chegaram à conclusão que o acesso à Internet é feito pela rede da Telefônica, sem passar pelo provedor contratado. "Alguns usuários deixaram de pagar o provedor mas não tiveram o serviço suspenso, e isso os fez pensar que eles realmente não usavam o provedor", diz Roque Abdo, presidente da Associação Brasileira dos Provedores de Internet (Abranet). "Mas o que houve na verdade foi uma falha no sistema de bloqueio da empresa", justifica.

A notícia se espalhou como rastro de pólvora e logo começaram a surgir ações na justiça questionando o pagamento. Os clientes sustentam que o Código de Defesa do Consumidor proíbe que o fornecimento de produto ou serviço esteja condicionado ao fornecimento de outro. Além disso, se baseiam na própria LGT, que proíbe empresas de telefonia de fornecerem acesso à Internet. "Se o provedor não presta o serviço, pelo Código de Defesa do Consumidor você não é obrigado a pagar. A Telefônica utiliza a resolução da Anatel como um escudo para cobrar duas vezes pelo serviço", afirma Diego Augusto Grunberg, presidente do site Velocidade Justa e vice-presidente da Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido à Internet (Abusar), que reúne 200 pessoas.
Muitos no páreo
ão proibidas de prover acesso para assegurar a competição entre os provedores. Na prática, técnicos dizem que é possível ter ADSL sem intermediários

No último dia 14, o Juizado Especial Cível da Universidade Mackenzie emitiu uma sentença permitindo que o programador Daniel Fraga usasse o Speedy sem pagar o provedor. O empresário Horácio Belfort, fundador do site Velocidade Justa, é usuário do Speedy e também reclama da cobrança. Pretende entrar com uma ação coletiva em março, em nome da Abusar, para poder contratar o serviço de banda larga sem pagar o provedor.

Em Brasília, o físico e músico Antônio Bayma Júnior fez, em outubro, uma reclamação junto ao Ministério Público do Distrito Federal pedindo que os clientes do serviço de ADSL da Brasil Telecom não sejam obrigados a pagar pelo provedor. Ele fez o trace route e diz que, também no caso da Brasil Telecom, o cliente não usa o provedor, apenas pega uma autorização para usar a rede da empresa de telefonia. No caso do Speedy, clientes e técnicos de segurança de rede dizem que a configuração da rede não exigia uma autenticação no provedor, por isso os clientes continuavam usando o serviço mesmo sem pagar.

"É uma venda casada de produtos, com um serviço de autenticação que na verdade não precisa existir. Se os dados não trafegam pelo provedor, ele não pode ser chamado de serviço de conexão na Internet e não pode vender isso como se fosse", diz Bayma. O processo ainda está na fase de investigação. A Brasil Telecom diz, por meio de sua assessoria, que apenas segue uma determinação da Anatel. É a mesma resposta que se obtém de outras empresas de telefonia que vendem o serviço.
Desnecessário
ção da LGT, que está contida no artigo número 61, parece ser a única justificativa para a exigência de contratação dos provedores. "Com certeza é possível ter ADSL sem um provedor porque o backbone (estrutura de rede) usado é o da empresa telefônica. O que a empresa telefônica faz é apenas a autenticação, a venda, a cobrança e o gerenciamento do serviço, porque as empresas de telefonia são proibidas de fazer isso", diz Rodrigo Ormonde, diretor de tecnologia da Aker Security Solutions, empresa que lida com segurança de redes.

Segundo ele, um fator técnico comprova que o serviço de ADSL é prestado pelas empresas de telefonia, enquanto os provedores são meros coadjuvantes no processo. "Seria impossível que os clientes de ADSL passassem pelas redes dos provedores porque a velocidade, o fluxo de dados deles, é muito grande. Um provedor normalmente tem um link de 2Mbps a 4Mbps, enquanto um só usuário de ADSL pode trafegar a uma velocidade de 768 Kbps. Dois ou três destes clientes já saturariam o provedor", completa.

Mas então o melhor seria acabar com a exigência, tirar de vez os provedores da jogada e deixar que as empresas explorassem, sozinhas, os serviços de banda larga? A questão é complexa e levanta perguntas muito mais instigantes do que simplesmente saber se os provedores são ou não essenciais para quem usa ADSL e, caso não sejam, se é justo pagar por um serviço simplesmente porque a lei o exige. "A regulamentação foi feita assim como uma maneira de assegurar a competição entre os provedores, senão teríamos um oligopólio de empresas de telefonia", afirma Raphael Mandarino, representante dos usuários no Comitê Gestor da Internet.

É este o temor da Pronet, associação que reúne 27 provedores do Distrito Federal, caso as decisões contra a cobrança sejam seguidas por outros juízes. "Esta atitude pode estar caminhando para quebrar os provedores e fazer com que as telefônicas dominem o mercado", diz Eustáquio Santos, presidente da Pronet. A Abranet defende a regulamentação da Anatel, como forma de manter os provedores. "Existe uma Lei Geral de Telecomunicações que impede as prestadoras de vender o acesso à Internet, porque não é apenas uma questão de link. O provedor de acesso na verdade é uma série de serviços adicionados. A Anatel deixou claro que quem faz serviço de valor agregado é provedor".

Qual a função de um provedor de Internet e como deve ficar o mercado de serviços de banda larga daqui para frente são outros pontos discutidos. "A regra é justa, mas os provedores não podem ser meros despachantes de acesso, precisam agregar serviços, como e-mail, conteúdo e proteção contra vírus e spams", diz Raphael Mandarino, do Comitê Gestor da Internet. "Não adianta o provedor pequeno querer se manter num mercado de escala sem agregar serviços porque ele vai morrer mesmo".
Manobra
ão param por aí. Já que as empresas de telefonia não podem prover acesso à Internet, a Brasil Telecom criou uma outra empresa, a BrTurbo para vender o serviço. Desta forma, não vai de encontro às regras da Anatel. Com preços menores do que os de outros, o BrTurbo acabou angariando clientes entre os assinantes dos outros provedores, que não gostaram nada da novidade. "Isso é uma infração à LGT, uma forma de contornar a regulamentação da Anatel", diz Roque Abdo, da Abranet.

A Pronet já entrou com uma ação na 2ªVara Cível contra a empresa, dizendo que o serviço prejudica a livre concorrência. "Não é honesto passar a oferecer gratuitamente um serviço que tem custo para, lá na frente, começar a cobrar por ele. Isso é dumping", diz Eustáquio Santos, presidente da Pronet. A Abranet também deve apresentar uma denúncia à Anatel contra a BrTurbo. (Tatiane Freire)
Ninguém se entende
O QUE DIZ A LEI
Artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações:
Serviço de valor adicionado é atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

Parágrafo 1º: Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como o usuário de serviço de telecomunicação que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

Parágrafo 2º: É assegurado aos interessados o uso das redes e serviços de telecomunicações para prestação de serviço de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviços de telecomunicações.
O QUE DIZ CADA UM
Anatel
Empresa de telefonia tem licença para prover serviços de telefonia, não de Internet.

Brasil Telecom
A empresa afirma que apenas cumpre uma determinação da Anatel e da LGT.

Associação Brasileira dos Provedores de Internet (Abranet)
Defende o artigo da Lei Geral de Telecomunicações porque considera que os provedores de acesso prestam outros serviços além do simples acesso à rede. Condena a criação de provedores de Internet coligados a empresas de telefonia para
proverem acesso.

Associação de Provedores de Internet do Distrito Federal (Pronet)
Diz que é impossível que o serviço de ADSL seja usado sem passar por um provedor e que a criação de empresas como a BrTurbo pode quebrar os provedores e concentrar o mercado nas mãos das empresas de telefonia.

Comitê Gestor da Internet
O representante dos usuários no Comitê, Raphael Mandarino, diz que o propósito da lei é evitar que o serviço de acesso rápido se concentre na mão de poucas empresas, garantindo a competição entre os provedores que beneficiaria os usuários. Por outro lado, defende que os provedores agreguem serviços e não funcionem como meros despachantes de acesso.

Usuários
Desconfiam que o provedor não é necessário para utilizar o serviço de acesso rápido oferecido pelas empresas de telefonia. Dizem que se trata de uma venda casada de produtos e que o provedor serve apenas para cumprir a regra da Anatel.

Técnicos
Rodrigo Ormonde, da Aker Security Solutions, diz que a única coisa que os provedores fazem é a autenticação, dispensável no serviço de ADSL. Tudo depende de como a rede é configurada.