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01 AGO 2012

Os riscos da censura instantânea na internet






ARede - 08/2012 - [ gif ]
Autor: Sérgio Amadeu
Assunto: Internet

Os provedores de acesso não podem ser penalizados pelo que trafega na web

O COMITÊ GESTOR da Internet no Brasil conseguiu produzir, em 2009, um decálogo que contém os princípios para uma internet livre, inclusiva e democrática. Além de incorporar a liberdade de expressão, a defesa da diversidade cultural e a neutralidade da rede, um dos princípios mais importantes é o da inimputabilidade da rede. No decálogo, esse princípio está assim descrito: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.

Isso quer dizer que um provedor de conexão, de acesso ou uma rede social não podem ser responsabilizados pela ação de seus usuários. Costumo chamar a inimputabilidade da rede de paradigma do motorista de táxi. O taxista não pode ser culpado pelos passageiros que transporta. Nem cabe ao motorista do táxi pedir atestado de antecedentes criminais para quem acenar na rua à procura de seus serviços.

Os gestores de uma rodovia devem sinalizá-la e mantê-la segura, mas não devem ser responsabilizados pelos abusos de velocidade ou pela imprudência de seus usuários. Na internet, é fundamental que o princípio da inimputabilidade da rede seja respeitado, principalmente para assegurar as liberdades de expressão, opinião e criação. Vamos observar um caso concreto. Em agosto de 2011, após a morte, pela polícia, de um jovem negro, inúmeros protestos violentos incendiaram as ruas de Londres, na Inglaterra. O primeiro-ministro David Cameron foi informado pela polícia de que os jovens estavam utilizando as redes sociais para organizar as manifestações. Imediatamente, o liberal Cameron propôs que as redes sociais fossem bloqueadas.

A absurda proibição de acesso dos ingleses às plataformas de relacionamento não se efetivou, mas se ocorresse estaria consolidando a prática danosa de bloqueio de um meio de comunicação indispensável para a maioria das pessoas com a finalidade de atingir uma minoria supostamente ilegal. Prejudicar o direito de muitos para reparar o direito violado de alguns é o resultado efetivo do rompimento do princípio de inimputabilidade da rede.

Em junho de 2012, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que um provedor que hospedava um site onde foi veiculado um falso anúncio erótico deveria indenizar a vítima, que teve indevidamente seu nome e telefone vinculados a negócios sexuais. O ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, entendeu que o provedor tem responsabilidade solidária pelo ilícito cometido, anulando o princípio da inimputabilidade.

Decisões como essa são extremamente perigosas para os direitos de cidadania nas redes digitais. Em um primeiro momento, podem até aparentar que estariam produzindo justiça, mas seus efeitos colaterais são gravíssimos, pois estimularão que os provedores passem a bloquear conteúdos lícitos e legítimos para evitar processos judiciais onerosos. No final das contas, a quebra da inimputabilidade da rede abre espaço para a censura prévia, para a manipulação política e econômica inaceitáveis em uma sociedade democrática.

No 2º Fórum da Internet no Brasil, ocorrido entre os dias 3 e 5 de julho, em Olinda (PE), diversas organizações e ativistas da sociedade civil lançaram a Carta de Olinda, destacando a necessidade da neutralidade e da inimputabilidade da rede, além de se manifestar claramente contra as propostas de remoção de conteúdos da internet sem a necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário. Da Carta, disponível no site www.petitionline.com/olinda, destaco a seguinte passagem: “Estamos preocupados com as pressões dos grupos econômicos internacionais para que se efetive a remoção de conteúdos da rede sem ordem judicial efetiva. É inaceitável que os provedores sejam transformados em poder judiciário privado e sejam instados a realizar julgamentos sem o devido processo legal, sem a garantia do direito constitucional de ampla defesa. Repudiamos a instalação de um estado policialesco e da censura instantânea”.

O Brasil precisa aprovar com urgência o Marco Civil da Internet exatamente para garantir que decisões judiciais ou ações de grandes corporações implementem uma dinâmica que afete o direito que temos de criar novos conteúdos, novas plataformas e novas tecnologias. Além disso, é imprescindível estar alerta para denunciar políticos poderosos ou mesmo autoridades públicas que tentam utilizar mecanismos aparentemente legítimos para impedir a crítica e o debate sobre temas de interesse social.