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11 ABR 2008

Os jovens e as lan houses






Observatório do Direito à Comunicação - 11/04/2008 - [ gif ]
Assunto: Indicadores

Líder de projetos do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas Direito/Rio, o advogado Antônio Carvalho Cabral integra a equipe que está à frente de uma pesquisa bastante interessante: o universo das lan houses de cinco comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro. São elas: Rocinha, Manguinhos, Jacarezinho, Antares e Vila Paciência.

O que vem sendo constatado é precioso e estratégico, pois revela o grande impacto que os estabelecimentos têm na vida da população local, especialmente no cotidiano de crianças e jovens. "As lan houses representam, para crianças e jovens, uma forma segura de lazer, a possibilidade de saírem das ruas e da criminalidade, uma forma de aprenderem a utilizar a tecnologia como ferramenta para um futuro profissional, enfim, representam cidadania, dignidade, educação e diversão", afirma Antônio Cabral.

Em entrevista ao RIO MÍDIA, o advogado, especialista em direitos autorais, destaca ainda que as lan houses vêm contribuindo para a inclusão social e digital e que os estabelecimentos podem, sem dúvida alguma, ampliar o papel que desempenham.
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Qual é a principal função que as lan houses desempenham hoje nas comunidades pesquisadas?
Possibilitar a inclusão digital de uma população carente sem condições de acessar computadores e a internet de outras formas. Tamanho é essa revolução que, em 2005, dentre todos os acessos a internet no Brasil, apenas 18% eram feitos por meio das lan houses. Em 2006, esse percentual cresceu para 30%. E, em 2007, chegamos a 49%. E o mais interessante: quanto menor a renda e menor a faixa etária, maior o índice de acessos por meio das lan houses, o que demonstra claramente a importância delas como fenômeno de inclusão digital no Brasil. Esses números são fruto de um estudo realizado pelo Cetic (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação) e foram constatados, ainda de forma mais acentuada, nas pesquisas de campo que realizamos. Na Rocinha, existem cerca de 100 lan houses em funcionamento, sendo uma verdadeira febre entre os jovens da comunidade. Em Jacarezinho, existem cerca de 40. E em Manguinhos, cerca de 60. Em Antares, comunidade carente da Zona Oeste do Rio, há sete lan houses, todas fruto do esforço de um jovem morador da comunidade, o Anderson, que, apesar de sua origem humilde, aprendeu a montar computadores e a fazer manutenção dos mesmos. Vila Paciência foi a única comunidade sem lan houses, mas mesmo nesse caso os jovens acessa a internet nas lan houses existentes na comunidade de Ponte Quebrada, que fica a cerca de 1 km.

Por que há esta explosão de estabelecimentos nessas comunidades?
Porque existia uma demanda reprimida. Isso é apenas um reflexo do empreendedorismo dos moradores das favelas que enxergaram um nicho de negócio com muito potencial. Outro fator a ser levado em consideração é justamente a informalidade em que se encontra a maioria das lan houses. Por serem informais, os custos caem muito, propiciando uma boa margem de lucro para os empreendedores. Um caso interessante aconteceu na Rocinha. Ao conversar com um dono de uma lan house, ele disse: "Doutor, fala a verdade. Você está fazendo todas essas perguntas porque tem interesse de abrir sua própria lan house". E emendou: "Mas não tem problema. Aqui tem espaço para todos. Só não abre entre a Rua Dois e a Quatro, é onde mora o meu público". Ou seja, há um mercado sedento, daí esse boom.

Você acredita que o número de lan houses vai crescer ainda mais?
Acreditamos que sim. Fazendo uma avaliação do crescimento nos últimos anos, percebe-se que ainda existe potencial. Uma ação do Governo poderia aumentar este número. Ao fornecer, por exemplo, conexão wi-fi gratuita, os custos das lan Houses ficariam mais baixos, o que tornaria possível, inclusive, a formalidade destes estabelecimentos e os livrariam de possíveis intervenções de policiais corruptos e traficantes.

O que as lan Houses representam para as crianças e os jovens das comunidades pesquisadas?
As lan houses representam uma forma segura de lazer, a possibilidade de saírem das ruas e da criminalidade ali existentes, uma forma de aprenderem a utilizar a tecnologia como ferramenta para um futuro profissional, enfim, representam cidadania, dignidade, educação e diversão. Os jovens ganharam uma alternativa de lazer que os tira das ruas, o que tranqüiliza os pais, que muitas vezes passam o dia fora trabalhando. Além disso, a lan house se transformou num canal eficiente para fazer pesquisas e trabalhos escolares. Incrível notar que, apesar do uso ainda um pouco limitado dos computadores, os jovens e as crianças são de um modo geral autodidatas. Curioso foi perceber que os jovens destas comunidades usam o tempo livre da mesma forma que os jovens norte-americanos. Em nossas visitas levamos uma pesquisadora norte-americana que disse exatamente isso. A única diferença está no tipo de site acessado. Se nos EUA os jovens utilizam o Myspace, no Brasil eles usam o Orkut. Se lá usam o Flicker, aqui é o Flogão. Na prática, tanto americanos quanto brasileiros executam as mesmas tarefas. As lan houses aproximam, no âmbito do lazer e do hábito, jovens das mais diferentes classes sociais e países.

O que fazem as crianças e os jovens nas lan houses?
De um modo geral, eles acessam o Orkut, o MSN e o Flogão, além de jogos on-line, como o World of Warcraft e Counter Strike. Fazem também pesquisas escolares e auxiliam seus pais, resolvendo alguns problemas por meio do computador (currículo, empregos, CPF, etc.). O curioso é observar que existem verdadeiras comunidades entre os freqüentadores de cada lan house. Na Rocinha, por exemplo, aconteceu a festa do encontro das lan houses, com um grande baile que confraternizava os freqüentadores de cada estabelecimento. Outro aspecto interessante é a quebra das barreiras criadas pelas facções criminosas. Ou seja, por meio da internet, os jovens podem ter uma relação sadia com jovens de comunidades rivais, algo impensável quando se pensa em encontros reais.

Há algum tipo de regra/proibição no acesso que as crianças e os jovens fazem nestes espaços?
As lan houses destas comunidades primam pela informalidade, ou seja, o controle varia de lan house para lan house, mas, de um modo geral, existe uma grande liberdade para o uso da internet. Até porque a realidade em que eles se encontram já é permeada de violência. Existem decisões judiciais no Estado de Minas que proíbem certos jogos nas lan houses por serem violentos, o que dentro das comunidades não faz o menor sentido, já que a grande violência está nas ruas onde eles vivem.

Vocês apostam na ampliação do papel das lan houses. O que vocês vislumbram?
Sem dúvida. O objetivo final da pesquisa é justamente esse: saber de que forma podemos intervir nas lan houses sem atrapalhar o desenvolvimento desse fenômeno. Primeiramente, seria muito importante criarmos um modelo que torne possível trazer essas lojas para a formalidade, seja através de um acordo com as empresas de software, para conseguirmos licenças específicas dos softwares mais utilizados, ou implementando a cultura do software livre. A própria Prefeitura do Rio já possui uma política de desburocratização dos negócios em comunidades de baixa renda. O Decreto n.º 25.536 de 2005 estabelece a isenção da taxa de licença para empreendimentos em favelas. Posteriormente, poderíamos criar parcerias entre as lan houses e as escolas, as ONGs e as empresas, no sentido de utilizar o espaço para oferecer cursos para os jovens. Conversando com os pais dos adolescentes destas comunidades, percebemos uma grande demanda por cursos que poderiam ser oferecidos nas lan houses. Os pais poderiam barganhar com os filhos. Eles pagam pelo divertimento das crianças e elas, por outro lado, participam dos cursos oferecidos. Já há a infra-estrutura técnica (as próprias lan houses) e a presença e o interesse das crianças e dos jovens (que já passam grande período dentro das lan houses). Falta apenas viabilizar as parcerias para que as lan houses ofereçam os cursos. Não cursos tradicionais, mas módulos que ensinem como, por exemplo, melhor explorar a internet, como a web pode ser útil para diversas profissões, programação de games, etc.

Pelo que vocês têm visto, portanto, não há nenhum diálogo entre as lan houses e as escolas que funcionam nestas comunidades. Na sua avaliação, haveria espaço para essa parceria?
Não identificamos nenhuma relação direta e formal entre as escolas e as lan houses. O que ocorre é a utilização dos alunos, por conta própria, da internet para fazer trabalhos escolares. Com certeza poderia haver parcerias entre as escolas e as lan houses, seja para dar descontos para os alunos ou até para que os professores utilizassem a estrutura da lan house para oferecer cursos. No entanto, o mais importante no momento é dar prosseguimento a nossa pesquisa para entender com maior profundidade os possíveis efeitos de qualquer intervenção nas lan houses, uma vez que, sem nenhuma intervenção, elas são um fenômeno de massa e já respondem por 49% dos acessos a internet no Brasil. É preciso primeiro entender os interesses e as necessidades das comunidades carentes, dos jovens e dos donos das lan houses para, então, intervir para melhor atender todos os envolvidos.