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08 JAN 2018

O que esperar do patrocínio de posts de candidatos durante a eleição


Nexo - 07/01/2018 - [gif]


Autor: Lilian Venturini
Assunto: Internet e Eleições

Comitês e partidos poderão pagar para que suas mensagens cheguem a mais usuários e de forma mais focalizada na campanha

A participação das redes sociais em campanhas eleitorais já é uma realidade no Brasil. Mas em 2018, pela primeira vez, políticos e partidos poderão colocar dinheiro para melhorar seu desempenho para atrair a atenção dos usuários, inclusive de quem não é “fã” nem “segue” o candidato.

A reforma eleitoral aprovada pelo Congresso em 2017 autorizou o impulsionamento de conteúdos publicados por candidatos e legendas durante a campanha, que começa oficialmente em agosto.

Impulsionar significa pagar para que a mensagem: 1. seja exibida para um maior número possível de usuários; 2. seja direcionada a grupos específicos de usuários. Tudo isso sem que eles precisem acompanhar a página do político ou do partido.

A autorização do uso de posts impulsionados (ou patrocinados) é relevante quando se considera a forte presença das redes sociais no dia a dia das pessoas e a possibilidade de compartilhamento de conteúdo entre elas.

Vale lembrar também que em uma campanha mais curta (o tempo diminuiu de 90 para 45 dias) e com limite de gastos, qualquer ferramenta pode ser útil como estratégia eleitoral.

Os posts pagos em tempos de fake news
As possibilidades e regras de conduta para campanhas na internet estão entre os temas sobre os quais o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) dedicou especial atenção ao longo de 2017, principalmente por causa do debate em torno das fake news (notícias falsas, numa tradução livre) e do impacto delas numa eleição.

As suspeitas do uso fraudulento das redes sociais para benefício do atual presidente dos EUA, Donald Trump, jogaram luz sobre o assunto. Desde então, alguns países, a exemplo do Brasil e da França, estão discutindo formas de regular o uso das redes em períodos eleitorais e o papel das empresas provedoras desses serviços.

Para pesquisadores da área de tecnologia e de direito eleitoral, observar o uso do impulsionamento de conteúdo é tão importante quanto entender a influência das fake news.

Eleições e internet

Diferente de propaganda
Fazer propaganda eleitoral (mesmo sem pagar) na internet, como colocar anúncios em sites ou vídeos em páginas de terceiros, continua proibido. Os candidatos, partidos e coligações podem usar somente suas próprias páginas nas redes sociais ou sites oficiais de campanha.

Impulsionamento
É autorizado impulsionar somente conteúdos produzidos pelo candidato, partido ou coligação em plataformas de redes sociais que ofereçam o serviço, como Facebook e Instagram (mantidos pela mesma empresa) e Twitter. A resolução do TSE sobre propaganda eleitoral inclui entre as formas de impulsionamento a priorização de conteúdo em sites de busca (como Google, Yahoo e Bing).

Regras dos posts pagos
Toda mensagem impulsionada por um candidato deve conter, de forma clara e legível, a expressão “propaganda eleitoral”, e o CNPJ ou CPF do responsável por aquele conteúdo. É possível que o tribunal ainda divulgue especificações mais detalhadas a esse respeito, como em que área do post essas informações devem constar.

Quem pode
Só podem impulsionar mensagens partidos, candidatos e coligações. Usuários comuns são proibidos de usar o serviço, ainda que a intenção seja elogiar o candidato de sua preferência.

Conduta
É proibido usar qualquer tipo de mecanismo (como robôs ou perfis falsos) para ampliar a repercussão do conteúdo, seja ele pago ou não. A Justiça Eleitoral também exige que a mensagem tenha como finalidade “apenas” promover ou beneficiar os candidatos, ou seja, é proibido impulsionar mensagens com ataques a adversários.

Canal de denúncia
O provedor que permitir ao candidato impulsionar suas mensagens deve ter um canal de comunicação para que os usuários relatem qualquer problema. Em casos de irregularidades, a Justiça poderá determinar a retirada do conteúdo.

Essas regras constam na resolução que trata da propaganda eleitoral, divulgada pelo TSE em dezembro de 2017, juntamente com outras nove resoluções. O documento com as regras sobre fake news ainda está em discussão na Justiça Eleitoral, que tem até 5 de março para divulgar (e eventualmente corrigir) as regras a serem seguidas durante a campanha.

Em debate o custo, uso dos dados e transparência
Antes da publicação da resolução, a Justiça Eleitoral promoveu debates com pesquisadores, advogados e representantes de empresas, entre elas o Facebook, rede social em que o impulsionamento é prática recorrente entre anunciantes e usuários.

Desses debates surgiram interpretações positivas, negativas e dúvidas quanto à eficiência dessa ferramenta numa campanha eleitoral. E ainda há pendências técnicas sobre como as empresas vão adaptar seus sistemas para as mensagens eleitorais pagas.

Quando se fala em impulsionamento, o ponto mais delicado trata da possibilidade de o candidato definir o público que deseja atingir. Empresas atualmente permitem ao anunciante escolher o gênero, idade, cidade, preferências e, de acordo com essas informações, apresentar somente o conteúdo que ele acredita gerar interesse.

Esse recorte é feito com base nas informações e dados pessoais fornecidos pelos usuários. A questão que se coloca é se os candidatos farão promessas diferentes ou mesmo contraditórias, a depender do público escolhido, com intuito de conquistar mais simpatizantes.

O que pode ser bom

Nova ferramenta
O impulsionamento de posts é uma estratégia nova aos candidatos, que podem usar o serviço sem, necessariamente, gastar muito. No Facebook, por exemplo, com US$ 1 é possível patrocinar conteúdos. O valor gasto varia de acordo com o número de usuários que o candidato quer atingir e por quanto tempo a campanha será exibida.

Conhecer a estratégia
Por meio de ferramentas de pesquisa ou mesmo na página do candidato ou partido, é possível saber quais foram as mensagens postadas. Para o professor de direito eleitoral do Mackenzie, Diogo Rais, os registros deixados nas redes podem permitir o acesso à real estratégia do candidato, ainda que ele tente apresentar propostas diferentes sobre um mesmo tema.

O que pode ser ruim

Ricos saem na frente
A exemplo das eleições de 2016, as campanhas não podem receber doações de empresas e terão um limite de gastos. A despeito dos pequenos valores com que se pode doar, publicitários afirmam que candidatos e partidos mais ricos terão vantagem. As regras não estipulam um valor máximo para ser gasto na internet. O teto imposto trata do valor total – um candidato a presidente, por exemplo, poderá gastar até R$ 70 milhões.

Profusão de discursos
Escolher o que se fala e para quem se fala pode mascarar os discursos eleitorais e impossibilitar que se conheça de fato a plataforma de governo do candidato.

Ao Nexo, o Facebook afirmou que vem realizando testes para aprimorar o sistema de impulsionamento de conteúdos e a ideia é que os ajustes sejam feitos em tempo da campanha eleitoral.

Atualmente, se um usuário entrar na página de alguém, não é possível saber se os posts que aparecem foram ou não patrocinados. Logo, se esse usuário não estava entre o público selecionado para ver um certo conteúdo, ficará sem saber se uma promessa, por exemplo, foi ou não impulsionada. Uma das alternativas em estudo pelo Facebook é ter na página do candidato uma área com todas as postagens pagas.

Privacidade e uso dos dados
Para o advogado Bruno Bioni, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (NIC.br), o impulsionamento de conteúdos e as regras de conduta de uma campanha na internet devem ser discutidas sob a perspectiva da privacidade do usuário e como as informações pessoais são usadas pelas empresas e, agora, pelos políticos.

No Brasil, o Marco Civil na Internet, tipo de constituição do universo digital, trata do direito da liberdade de expressão e da responsabilização sobre o que é publicado, e também possui algumas regras sobre como as empresas podem usar os dados fornecidos pelos usuários.

Os parâmetros, na avaliação de Bioni, ainda são genéricos e por isso ele defende uma regulação específica, por meio de uma lei geral de proteção de dados pessoais.

Na Câmara, há três proposições em andamento, que tratam por exemplo sobre o consentimento do usuário para o uso de suas informações, sobre os deveres das empresas e o compartilhamento e processamento dos dados pessoais. No entendimento de Bioni, da mesma forma com que essas regras podem ser usadas para regular anúncios de produtos e a conduta de empresas, podem também ser seguidas para regrar o uso partidário que se faz das ferramentas. Para ele, é essencial que o usuário saiba como é afetado pelas informações, ao usar a internet, e que ele tenha direito de escolher se quer ou não ser exposto a certas práticas.

“Antes de tudo, o usuário deveria ter autonomia para decidir o que quer ou não receber e aceitar ou não esse tipo de direcionamento. Isso é essencial para a democracia como um todo”, afirma o advogado.