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02 JUL 2020

O que a Câmara pode fazer em favor do projeto das fake news?


Cidade Biz - 1/7/2020 - [gif]


Autor: Zeca Castellar
Assunto: PL Fake News

O mais urgente: promover um amplo debate sobre as propostas, que têm potencial de mudar radicalmente a internet no Brasil


O Projeto de Lei PL 2.630/2020, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, ou mais popularmente a Lei das Fake News, chegou finalmente à votação no Senado sem se livrar das polêmicas e contradições que cercaram sua tramitação.

O texto do relator do projeto no Senado, Ângelo Coronel (PSD-BA), recebeu mais de 150 emendas e levantou debates sobre liberdade de expressão e privacidade do usuário. Críticos do projeto veem o rastreamento de mensagens e a identificação de usuários como um risco. Defensores mais veementes veem no projeto uma forma de escantear “gangues digitais formadas para fomentar ódio e assassinar reputações” e de livrar a internet de manipulações da opinião pública tanto no dia a dia como em ocasiões especialmente sensíveis, como a atual pandemia de covid-19 e o processo eleitoral brasileiro.

Segundo o autor da proposta, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), trata-se de “uma forma de fortalecer a democracia e reduzir a desinformação e o engano, por meio do combate a informações falsas ou manipuladas nas redes sociais”.

A crítica mais consistente refere-se aos atropelos da tramitação e à falta de debates. “A tramitação no Senado foi marcada pela sua desnecessária rapidez, que impediu o debate público real sobre as alternativas consideradas pelos senadores para combater um dos mais complexos problemas enfrentados pela democracia brasileira na última década”, opina o coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio, Ivar Hartmann. 

“A urgência na votação pegou a sociedade civil sempre de surpresa com relatórios divulgados horas antes de serem votados. Qualquer que seja o conteúdo final da lei, a supressão do tempo de discussão ampla e inclusiva dos dispositivos votados cobrará um preço logo a seguir”, escreveu o especialista, em artigo no Estadão.

“A despeito da tramitação que foi exemplo de como não fazer, os principais pontos da lei são muito positivos”, pondera Hartmann. “Opções desastrosas que constaram em versões anteriores foram evitadas, como a obrigação universal de cadastro com fornecimento desproporcional de dados pessoais e a obrigação de redes sociais realizarem filtro ativo em tudo que é postado”.

A repórter Iara Lemos, da Folha de S. Paulo, em seu despacho sobre a votação de ontem, anota que “a matéria isentou a disseminação de fake news de penalizações criminais, retirando da versão debatida o financiamento de redes de fake news das leis de organização criminosa e lavagem de dinheiro. O texto final ainda excluiu a obrigatoriedade das empresas de identificação prévia no uso de pseudônimos para a inscrição em redes sociais”.?

Demi Getschko, um dos pioneiros da internet no Brasil e diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), vai nessa linha: “Projetos feitos sem extenso debate prévio com a comunidade podem levar a leis que se comportem como teias de aranha: apanham os pequenos insetos, enquanto os maiores as rasgam e escapam. E perde-se o objetivo de se construir um ambiente jurídico coerente e seguro. Hoje, quando celebramos a existência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é irônico ver outras propostas indo em direção a crescente vigilantismo, com riscos, até, de deformar o Marco Civil da Internet”.

Em sentido bem diverso das críticas feitas por quem é do ramo, a votação contrariou grupos que se valem das fake news como instrumento político e ideológico. Filhos do presidente da República, Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro usaram as redes sociais para criticar a aprovação do projeto. Para os parlamentares da família presidencial, a proposta representa uma tentativa de censura e de ferir a garantias individuais dos cidadãos.

Ainda não há uma data para o início da tramitação na Câmara. O que se pode esperar é que os deputados promovam o amplo debate junto à sociedade civil em busca de uma legislação equilibrada e legítima.