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21 MAI 2001

O piloto número um






Arquivo do Clipping 2001

Veículo: TI Master
Data: 21/05/2001
Assunto: Governança

Ivan Moura Campos começou na área de TI para melhorar o rendimento da equipe de kart da qual participava. Hoje é o coordenador do Comitê Gestor da Internet do Brasil, órgão que coordena a Internet no País

Um idealista em estado puro. Assim se autodefine uma das grandes personalidades no setor de Tecnologia da Informação do País. Trata-se do mineiro de Belo Horizonte Ivan Moura Campos que, dentre outros títulos, é coordenador do Comitê Gestor da Internet do Brasil e membro da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), órgãos que coordenam a Internet no Brasil e no mundo, respectivamente.

Em seu currículo invejável, Campos coleciona experiências no Governo Federal e do estado de Minas Gerais, na iniciativa privada e no magistério. Ativo e bem humorado, Ivan Moura Campos não descansa e se considera um ímã que atrai tarefas. Otimista e cheio de planos, luta para que o Brasil se consolide como uma liderança técnica e política na área de TI.

Em 30 anos de ligação com a Informática, Campos considera que uma das principais evoluções foi o surgimento da plataforma Web. Entretanto, ele acredita que ainda há muitas novidades por vir. Confira a história desse homem que começou na área de TI para melhorar o rendimento da equipe de kart da qual participava e foi muito além das pistas de corrida.

Onde e quando você nasceu?

Nasci em Belo Horizonte, graças a Deus, em 1943.

Por que "graças a Deus"?

Porque é uma cidade ótima para se viver. Ela não era ainda o que é hoje, mas sempre gostei daqui.

Alguém de sua família é ligado à tecnologia?

Não. Me interessei por conta própria. Meu pai trabalhava no Banco do Brasil e nenhuma pessoa da família se dedicou a esse ramo.

Quando e como você começou sua carreira na área de TI?

Isso é uma história longa. Me formei em Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Minas Gerais. Durante o curso, eu tinha um hobby, que era trabalhar com kart. Sempre tivemos problemas para balancear os karts porque eram feitas muitas contas com horas, minutos e segundos, muito propensas a erros. Nessa época, em 1967, a UFMG comprou um computador.

Qual era o modelo?

Era um IBM 1130. Eu e um professor começamos a aprender a mexer no computador e fizemos um programa para executar os cálculos do balanceamento do kart, que levou meses para ficar pronto. Mas depois disso, os cálculos ficaram mais precisos e nossa equipe foi bicampeã brasileira.

Gostei tanto de lidar com o computador que, quando terminei o curso, decidi fazer mestrado em Informática na PUC-Rio. Na época não existia graduação em Informática ou Ciência da Computação no Brasil. A Tecnologia da Informação era muito vinculada ao departamento de Matemática das universidades. Mais tarde fui para a Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e me tornei um Ph.D. em Ciência da Computação, em 1977. Mas antes disso ministrei aulas na UFMG.

Por que você optou por uma formação nos Estados Unidos?

Porque a Universidade da Califórnia é a Universidade da Califórnia. Não há muito o que discutir. Era a melhor na época e é ainda hoje. Tive muita sorte também porque fui para o lugar certo na hora certa. Lá eles mexiam com a Arpnet, que era uma rede experimental, precursora da Internet, e tive a oportunidade de aprender muito.

Fale um pouco sobre a "Tau Beta Pi" e sua participação nela.

A Tau Beta Pi é a Sociedade Honorária de Engenharia dos Estados Unidos. Simplificando, é um diploma que eles dão para os alunos que se destacam, para os C.D.Fs. A nota máxima nos Estados Unidos é quatro. Minhas médias eram bem próximas a esse valor. Por isso recebi esse diploma.

Você sempre foi estudioso?

Sempre. Desde criança eu sempre gostei de estudar. Já passei por uma fase de rebeldia, normal num certo período da vida, mas sempre fui dedicado, gosto de aprender.

Você já escreveu livros?

Não, mas já participei de vários, escrevendo capítulos tanto para a área técnica quanto para a sociológica. O último que escrevi chama-se "País em Desenvolvimento num mundo globalizado", organizado por Fernando Dolabela.

Como foi sua experiência como professor e chefe do departamento de Ciência da Computação da UFMG?

Logo depois de formado, fui professor de Engenharia Mecânica na UFMG. Eu dava aulas de Cálculo Diferencial e Integral. Quando voltei do mestrado no Rio queria continuar no departamento de Engenharia, mas eles acharam mais adequado que eu fosse para o departamento de Matemática. Fiquei lá por um tempo e depois criei o departamento de Ciência da Computação. Dei aulas de Programação em vários níveis, desde iniciantes até pós-graduandos. Além disso, tive outras funções, como chefe do departamento de Ciência da Computação, pró-reitor de pós-graduação e diretor-executivo da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). São 30 anos de magistério.

Em que área da Tecnologia da Informação você prefere atuar? Por quê?

Tecnologia para Internet porque é fascinante. Todo software hoje em dia tem que rodar na Internet. A plataforma atual é Web, que é um laboratório de experimentação magnífico. Você cria o software e já está pronto para o mundo.

Você sempre esteve muito ligado à pesquisa. Na sua opinião, como anda a pesquisa tecnológica no Brasil?

Em alguns setores vão bem, como Biotecnologia e Tecnologia da Informação. Temos ótimos profissionais no Brasil. O problema da pesquisa aqui é a falta de demanda. A maior parte das indústrias instaladas no Brasil são manufatureiras, não desenvolvem pesquisa no País. São simplesmente montadoras.

Que mudanças você destacaria no mercado de TI nos últimos 20 anos?

Há duas revoluções importantes: o surgimento do PC, que tornou o computador menos misterioso e mais difundido, e a Internet, que é um novo meio de comunicação.

Você acha que os impactos da Internet já estão bem avançados, ou ainda há muita coisa por vir?

Os impactos ainda estão bem no começo. Uma grande mudança que ocorrerá em breve é a convergência tecnológica, ou seja, haverá um só dispositivo multimídia. Será a junção de telecomunicações, informática e mídia em um só produto. Mas, com certeza, virão muitas outras transformações.

Como você vê o ensino de tecnologia Web nas universidades no Brasil?

O ensino é bastante heterogêneo. Existem as universidades de ponta que são menos de dez. Eu cito algumas, como UFMG, UFPE, PUC-Rio, UFRJ, UFRS e Unicamp. Elas são as mais bem conceituadas pelo MEC. São departamentos que têm entre 20 e 30 anos. Nesses lugares há agilidade curricular, relacionamento com o mercado, realização de pesquisas que, além da excelência, são relevantes socialmente para o Brasil e para países da mesma categoria.

Qual a sua opinião a respeito da qualificação da mão-de-obra existente no Brasil?

A mão-de-obra no Brasil é também heterogênea, mas há muita gente competente. Isso depende muito. Existem os diplomados em universidades e os que estudam em escolinhas.

Há carência de mão-de-obra qualificada na área de TI?

Há uma carência enorme de bons profissionais e sempre haverá. Só no Vale do Silício existem 200 mil vagas. Isso não se trata de um número absurdo, mas de uma realidade. O governo americano está oferecendo vistos de trabalho em horas. A pessoa com boa formação acadêmica consegue um visto facilmente. Esse processo continuará durante muito tempo. Não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo. O mercado está crescendo mais depressa do que o ritmo de formaturas nas universidades.

Que políticas você implementou quando atuou no Governo Federal?

Comecei no Governo em 1991. O então presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi quem me convidou. Contribuí para a criação da rede nacional de pesquisa, para programas de incentivo à pesquisa, como o Softex (núcleo de incentivo ao desenvolvimento de software) e muitos outros projetos. Todos estão funcionando até hoje. Fui chamado pelo então ministro, em 93, para ser secretário de políticas de Informática. Fiquei lá durante quatro anos. Implantei a Lei de Informática 8.248, dentre outras coisas, que incentivou a reindustrialização do País. Mais tarde, saí do Ministério e fui convidado para ser secretário de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais.

E em Minas, como foi sua atuação?

Também intensa. Regularizei o fluxo de caixa e implantei uma política de relevância de projetos. Ficava incomodado com o fato de projetos serem aprovados apenas pela excelência acadêmica e não para o uso da sociedade. Quando o Governo quer, ele provoca o desafio para a comunidade acadêmica e ela tem competência para apresentar soluções. O Governo deve ter uma agenda pró-ativa de temas para o desenvolvimento do País.

O que muda com a nova Lei de Informática no Brasil?

Essa lei é uma necessidade. A lei anterior, que foi revogada, estimulou mais a manufatura. Agora, mais sofisticada, ela é uma maneira inteligente de atrair para cá os produtores, dizendo a eles que queremos os empregos nobres. Essa é a idéia da lei de informática. É claro que trazer montadoras gera emprego, mas o Brasil quer muito mais.

Como você vê o desenvolvimento da legislação relacionada à Internet no Brasil?

Para mim, no que diz respeito à assinatura digital, autenticação de documentos e validação de cópias, é possível que isso ocorra em breve. O projeto de lei está em discussão. Já na área de crimes e listas não há como controlar. Esta é uma questão delicada. De alguns crimes a legislação comum já cuida. É o caso, por exemplo, de uma invasão a um banco. Agora quando se fala em pornografia, a questão é mais complexa. Cada país tem uma legislação, tornando a punição mais difícil.

Como está seu trabalho na ICANN e quais seus projetos para o futuro?

Tomei posse em novembro em Los Angeles. Fazemos conferências telefônicas a cada 15 dias. No momento, estamos cuidando de nomes de domínios escritos em línguas não-latinas. Há uma comissão para resolver problemas de nomes iguais ou parecidos. Trabalho com gente muito competente lá. Uma de minhas participações foi estudar e apresentar as formas de cobrança dos registradores de domínios.

E na Akwan (empresa criada para dar suporte técnico e financeiro a novos produtos e negócios na área de TI, particularmente na Web, presidida por Ivan Moura Campos) o que tem sido feito?

Na Akwan transformamos teses de doutorado em produtos. Temos uma associação estreita com a UFMG e com outras universidades. É uma empresa ótima, que poderia estar no Vale do Silício.

Você é bastante ativo, não?

Eu atraio tarefas, tenho muita energia. Mas estou ficando cansado, estou fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Às vezes acordo num hotel e não me lembro em que cidade estou. (risos)

Você se considera um idealista?

Sou um idealista em estado puro. Com a idade vamos ficando mais realistas. Não tenho mais a mesma ingenuidade que tinha quando menino, mas preservo o otimismo. Acho que um pré-requisito para fazer uma coisa corajosa é ser otimista, que na verdade não passa de um pessimista ingênuo. (risos)

Onde você prefere atuar: no setor público ou privado? Por quê?

Nos dois. O adequado é ficar no tripé academia, governo e setor privado. É bom saber como funcionam e se relacionam os três. Muitas vezes não recebo nem um tostão para fazer o que faço e, em alguns casos, gasto dinheiro do meu próprio bolso.

Qual o papel atual do Comitê Gestor da Internet? E como você espera que seja a atuação no futuro?

Continua o mesmo, que é o de distribuir endereços IP e nomes de domínios. O Comitê contribui para o progresso da Internet no País. Temos realizado muitas coisas nesse sentido. Arrecadamos recursos da ordem de R$ 15 milhões por ano. Além disso, para esse ano temos um projeto de implantação da Internet 2 em 14 cidades brasileiras. Somos sócios também do projeto Internet 2 nos Estados Unidos. E pretendemos continuar crescendo. O Brasil é líder na América Latina. Esperamos manter no futuro o papel pró-ativo que conquistamos com nosso amadurecimento.

Em relação aos domínios, qual a importância deles? Você acha que eles vão acabar? Por quê?

Os domínios ainda são uma necessidade. Mas eles foram criados para os computadores lerem, e não para gente ler. Entretanto, com o passar do tempo, eles assumiram cara de endereço e marca. Acho que no futuro eles deverão funcionar como diretórios, como Páginas Amarelas. Os domínios serão substituídos por respostas de máquinas de busca ou provisórias em diretórios. Um dos principais motivos pelos quais isso se dará será para acabar com essa briga por nomes e marcas.

Como você vê a polêmica sobre a exclusividade da Fapesp no registro de domínios no Brasil?

Existe um raciocínio de que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) é uma concessão, mas isso não é verdade. Usamos apenas o prédio, mas os equipamentos e pessoal são do Comitê Gestor. Isso é um dilema falso. Existem três tipos de domínios: .gov, .mil e .edu, dos Estados Unidos; genéricos, como .com, .net e .org; e o de países, por exemplo, .br.

No caso dos genéricos há registars, que são os "cyber-despachantes", e os registers. Qualquer empresa que cumpra os requisitos técnicos mínimos pode ser um registar. A grande questão é quando se fala no registro de domínios de países. Não existe nenhum país que tenha registers e registars para esse tipo específico de domínio. Querem esse tipo de concessão porque o Brasil é um sucesso. Estamos em quinto lugar em números de domínios registrados. Estamos atrás apenas de Alemanha, Inglaterra, Holanda e Itália.

Mas a concessão não estimularia a concorrência e a redução de preços?

Quanto aos preços, eles estão diminuindo com o aumento do número de registros. Além disso, o registro de domínios é visto pelo Governo como uma atividade sem fins lucrativos, é pública e não comercial. E mais: por que eu vou criar um intermediário se não há dificuldades para se registrar? Funcionamos bem porque o registro é aberto, todo mundo que quiser pode efetuá-lo. O que estão querendo agora é fazer um registro fechado, o que, para mim, levaria a um aumento de preços.

Atualmente há alguma política no sentido de evitar a exclusão digital?

Sim. O progresso social precisa do progresso econômico. É preciso ter dinheiro. Algumas medidas aliviam, amenizam problemas, mas não solucionam. No Brasil lutamos para que esse problema seja solucionado. Os países que ficarem longe disso chegarão em último lugar.

De que maneira o Comitê Gestor está atuando para fazer a Internet chegar às classes C, D, E?

Tenho orgulho de dizer que acabamos de financiar o projeto de uma máquina. Há um edital na praça do Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações. Não é missão do Comitê Gestor fazer isso, mas nos mobilizamos. Quando decidimos fazer algo é porque achamos que era estratégico para o Brasil. Até agora, todos os projetos em que investimos estão funcionando e dando resultados. Estamos financiando, por exemplo, o desenvolvimento de técnicas e conteúdo para gerenciamento de redes.

Quais são seus planos para o futuro?

Transformar o Comitê Gestor numa ONG. Para isso, precisamos ter personalidade jurídica própria, sede e uma equipe melhor dimensionada. Além disso, estamos montando a parte de endereços da América Latina. O mundo está dividido em cinco partes e a nossa chama-se Lacnic. Cada área vai ter um blocão de endereços. Nós do Comitê Gestor resolvemos financiar alguns milhões desse projeto na América Latina. Nosso objetivo é consolidar a liderança técnica e política do Brasil.