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17 OUT 2002

O embrião da Rede






Arquivo do Clipping 2002

Veículo: TI Master
Data: 17/10/2002
Assunto: Governança

O esforço de pesquisadores brasileiros contribuiu para o avanço da Internet no País. Mas poucos sabem que como foi esse trabalho.

Em maio, o TI Master publicou uma reportagem sobre os 10 anos da Internet no Brasil fora do meio acadêmico, quando, durante a ECO-92, a Rede serviu como principal ferramenta de comunicação para os jornalistas que vieram ao Brasil para cobrir o evento.

Para muitos, esse foi o pontapé inicial para que fossem tomadas as principais medidas que possibilitaram a abertura da Internet comercial no País, três anos depois. Mas e antes disso? O que foi feito?

Infra

É importante ressaltar que, nos anos 70, o setor de telecomunicações - que ainda era monopólio estatal - vinha ampliando e modernizando sua infra-estrutura em diversas partes do Brasil, tornando possível que várias regiões do País contassem com uma imensa malha de rede que facilitasse ainda mais a transmissão de dados.

Mas, a partir dos anos 80, surgiu o reconhecimento da necessidade de se criar uma rede que atendesse às necessidades da comunidade acadêmica em todo o País, muito antes do surgimento do conceito que temos hoje de Internet. E foi a partir daí que nasceu a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP).

- Naquela época, muitos pesquisadores já demonstravam interesse pelo assunto e em 87 acabaram formando um grupo para discutir questões sobre a criação da RNP. Foi também durante esse período que passamos a fazer uso do BITNET, que o pessoal dos EUA já usava para troca de e-mails, mas que não tinha muita divulgação aqui no Brasil - conta o professor de Comunicação Móvel do CETUC, da PUC-RJ, José Roberto Boisson, que participou do grupo de pesquisadores responsável pelas discussões iniciais sobre a implantação da RNP.

Obstáculos

Após as primeiras discussões desse grupo - do qual também fizeram parte alguns representantes da Embratel - , ficou claro que haveria muitas dificuldades, de ordem técnica e financeira, para que o projeto da RNP saísse do papel. Outra barreira era a falta de percepção do governo em relação à importância do uso da tecnologia pela sociedade.

- Eu diria que a principal razão era mesmo de ordem tecnológica. As hierarquias de transmissão no final dos anos 80 eram quase todas analógicas, os modems estavam limitados a taxas baixíssimas de transmissão e o material de última linha que existia na época era caríssimo - recorda o diretor de operações da RNP, Alexandre Grojsgold.

Além disso, o projeto da RNP esbarrou também nas restrições impostas pela SEI, que, sem entrar em detalhes, não admitia que certas informações, os chamados "dados das fronteiras", trafegassem pela rede por um protocolo que ela não conhecia.

Isso acabou incentivando o desenvolvimento de outras soluções que permitissem a troca dessas informações. Entre elas estava a BITNET, que estabeleceu a comunicação por e-mail entre o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) do CNPq, no Rio de Janeiro, e a Universidade de Maryland, nos EUA.

- Até hoje não se sabe exatamente que dados seriam esses. Mas vale ressaltar que isso não era um problema exclusivamente nosso. Hoje, na Europa, o envio de dados criptografados é desestimulado, porque as autoridades de lá pensam o seguinte: "Se está havendo a necessidade de criptografar, tem algo de estranho aí" - explica um dos membros do Comitê Gestor Internet no Brasil e responsável pelo site Registro.br, Demi Getschko.

Depois, estabeleceu-se uma segunda conexão, entre o Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e o Fermi National Laboratory (Fermilab), em Chicago (EUA). E a terceira surgiu em maio de 89, estabelecendo um link de comunicação entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de California (UCLA), em Los Angeles.

OSI ou Internet?

Mesmo assim, logo constatou-se que apenas o serviço de e-mail não bastava para viabilizar a troca de dados e uma nova questão passou a ser discutida entre os pesquisadores: Qual era a melhor tecnologia para viabilizar o tráfego de informações em rede?

A SEI defendia abertamente o uso do padrão Open Systems Interconnection (OSI), por ser controlado por padrões internacionais, o que, naquele momento, não era o caso da Internet. Havia também a questão das restrições impostas pela SEI quanto ao tráfego de informações. Apesar disso, a Internet ganhou força entre pesquisadores e demais integrantes da comunidade acadêmica.

- O grande problema é que o OSI nunca trabalhou dentro da linha de software aberto. Eram soluções limitadas e softwares muito caros. E ninguém iria pagar por isso. Então, houve um processo de seleção natural que acabou facilitando a opção pelo padrão Internet - conta a professora de área de redes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Liane Tarouco.

Com a chegada do governo Collor, a SEI teve seu poder diminuído e houve o fim da reserva de mercado na área da informática. Como conseqüência, o governo deixou de se opor à utilização da Internet no meio acadêmico, mesmo tendo preferência pelo uso do OSI.

- O governo lentamente foi percebendo que o uso do padrão OSI não iria vingar, por uma série de motivos, incluindo os custos e outros aspectos, como a dificuldade de uso - ressalta Getschko.

Assim, o projeto de criação de uma rede acadêmica regional com tecnologia Internet recebeu apoio oficial em setembro de 1990, tendo sido financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). A primeira rede regional surgiu no Rio de Janeiro e, apesar de ter sido concluído somente dois anos depois, o projeto já era tido como modelo para outras iniciativas semelhantes em outros estados.

Foi nessa época que a necessidade de se criar um caminho definitivo para o estabelecimento de uma rede nacional ganhou maior importância. Uma estratégia acabou sendo adotada, visando à obtenção de financiamento dos custos pelo governo, para atender à demanda de infra-estrutura. Essa estratégia foi executada por uma equipe do CNPq, coordenada por Tadao Takahashi.

Ficou acordado, então, que o CNPq seria responsável pelo projeto da espinha dorsal (backbone) dessa rede, deixando para os governos estaduais a responsabilidade das redes regionais.

- Cada estado criou o seu projeto de rede. No Rio de Janeiro, tivemos a Rede Rio; no Rio Grande do Sul, a Rede Tchê, e assim por diante. E isso foi ampliado durante a realização da ECO-92 - explica o professor José Roberto Boisson.

Enfim, a Internet

A partir de fevereiro de 1991, a Internet no País tornou-se uma realidade. Porém, os benefícios dessas redes para a sociedade só foram reconhecidos e disseminados a partir de 1993.

Mas para Boisson, o trabalho poderia ter levado menos tempo do que os seis anos que foram necessários para que ele fosse concluído se não fosse a inércia que havia inicialmente.

- Houve falta de sensibilidade do governo para essa questão. Atribuo isso também à nossa cultura e ao fato de que a informática, naquela época, não era uma prioridade no País - opina.

Segundo Liane Tarouco, ainda há muito a ser feito.

- A rede ainda não tem uma capilaridade suficiente, que atenda toda a demanda do Brasil. Falta levar a Internet à maioria das escolas, ao interior do País. É necessário que se reconheça isso também - avalia a professora, que foi a coordenadora da implantação da Rede Tchê no País e, pouco antes disso, uma das defensoras do padrão OSI.

O esforço valeu a pena

De qualquer forma, é preciso reconhecer que todo o esforço não foi em vão e o projeto foi bem-sucedido. Atualmente, contamos com a RNP2, que é uma renovação da primeira versão, com altas taxas de transmissão de dados e totalmente compatível com as mais avançadas redes acadêmicas internacionais, como a GEANT, na Europa, e a Internet 2, nos EUA.

Hoje, graças ao esforço e a curiosidade de diversos profissionais, o Brasil encontra-se numa posição favorável no que se refere à disseminação do uso da Rede, sendo um dos mais avançados nesse aspecto entre os países em desenvolvimento.