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31 OUT 2019

Internet completa 50 anos. No futuro, vai se tornar 'invisível' como energia elétrica, preveem cientistas


O Globo - 28/10/2019 - [gif]


Autor: Sérgio Matsuura
Assunto: História da Internet

RIO - De uma conexão entre dois computadores instalados na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (Ucla), e no Stanford Research Institute, a internet se tornou onipresente em meio século de existência. No dia 29 de outubro de 1969, a rede mundial de computadores foi criada num experimento liderado pelo pesquisador Leonard Kleinrock e, em poucas décadas, ganhou tração, se popularizou e hoje faz parte do dia a dia de 4,5 bilhões de pessoas no mundo.

Para o futuro, especialistas, e o próprio Kleinrock, preveem que a internet se tornará invisível. Algo como a energia elétrica - onipresente e da qual você nem se dá conta que existe.

"A internet tende a ser esquecida, como o que aconteceu com a corrente alternada do Tesla. Hoje, ninguém dá bola para a luz, a não ser quando falta. É isso o que vai acontecer com a internet", prevê o empresário Aleksandar Mandi, um dos pioneiros da internet no Brasil. Ele completa: "Nós entulhamos os canos, tudo virou digital. Até o dinheiro está mudando. Era escambo, virou metal, adotou o papel, se tornou plástico e, agora, está virando digital".

Sem foto histórica ou frase de efeito

A criação da rede aconteceu sem a pompa esperada para um avanço desta magnitude. Não havia uma filmadora para registrar o feito, nem mesmo um gravador de voz, apenas anotações num caderno.

Kleinrock brinca que não pensou numa frase de efeito, como um salto gigante para a Humanidade, do Neil Armstrong ao pisar na Lua, ou que coisas Deus tem realizado, do Samuel Morse ao enviar a primeira mensagem por telégrafo. A primeira mensagem trocada pela internet foi a palavra Login, e o sistema caiu após o L e o O.

No início, a rede era conhecida como Arpanet, por ser um projeto financiado pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (Arpa, hoje Darpa), braço de pesquisas do Departamento de Defesa dos EUA.

O professor do Departamento de Informática da PUC-Rio Daniel Schwabe, que participou das pesquisas dos primeiros anos da rede, lembra que a rede era um universo restrito aos cientistas envolvidos no projeto. "

Ela funcionava, basicamente, para que pesquisadores pudessem usar suas próprias máquinas para acessar o poder dos computadores instalados nas universidades. Com o surgimento do e-mail, em 1972, a Arpanet se tornou uma ferramenta de comunicação, amplamente utilizada pelos poucos cientistas que tinham acesso à rede.

"A gente não fazia ideia do que estava começando. Todos os usuários da Arpanet constavam num catálogo telefônico", lembra Schwabe. Mas tem uma coisa que a gente continua fazendo até hoje: usar a rede para trocar piadas e receitas.

A popularização da internet começou na década de 1980, após a Arpa decidir separar a sua rede para formar a Milnet (Military Network) em 1983. Paralelamente, diversas redes eram montadas, não só nos EUA como em outros países, e conectadas à internet.

A NSFNet, mantida pela National Science Foundation, se tornou a principal rede acadêmica mundial, como uma sucessora da Arpanet. Por aqui, a Rede Nacional de Pesquisa foi criada em 1989, para construir a infraestrutura de rede entre as instituições acadêmicas. A primeira coisa que eu acessei foi o site da Nasa. Era basicamente o que existia. Não tinha nada para acessar na internet, era um mundo vazio

As primeiras conexões brasileiras à internet aconteceram em 1991, com a primeira troca de pacotes via protocolo de internet pela Fapesp com o Fermi National Accelerator Laboratory, que por sua vez estava conectado à nascente rede mundial de computadores; e, em 1992, quando pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizaram a primeira conexão direta com a Ucla.

"Foi em fevereiro de 1991 que conseguimos trocar os primeiros pacotes de internet com o Fermilab. A gente se conectou à Energy Science Network, que era uma parte da internet. A internet, como o nome diz, é um emaranhado de várias redes conectadas entre si", lembra o diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), Demi Getschko, um dos responsáveis pela conexão com o Fermilab.

Nascida com fins científicos e financiamento militar, a Arpanet sucedida pela NSFNet e, por fim, chamada genericamente como internet só ultrapassou a barreira acadêmica em 1991, com a promulgação da lei de computação de alta performance nos EUA, uma iniciativa do então senador Al Gore, que ocuparia a vice-presidência do governo de Bill Clinton.

A nova legislação abriu a rede para a exploração comercial, dando início a uma corrida pelos primeiros endereços .com.

A abertura comercial deu início à revolução que vivenciamos hoje. Segundo o Internet World Stats, a rede tinha 16 milhões de pessoas conectadas, ou 0,4% da população mundial, em 1995. Eram quase todos americanos.

Hoje, são 4,5 bilhões de internautas, ou 58,8% da população mundial. Os sites de internet saltaram de 1, em 1991, para 1.630.322.579 no ano passado.
A rede vai se tornar invisível. Vai desaparecer nas paredes da sala, no seu carro, dentro do seu corpo, em tudo a internet estará presente

No Brasil, o empresário Aleksandar Mandi foi o criador da primeira BBS (bulletin board system), sistema parecido com a internet, mas centralizado num servidor. Em agosto de 1993, recebeu permissão para explorar comercialmente a internet, criando um dos primeiros provedores brasileiros de acesso à rede mundial de computadores.

A primeira coisa que eu acessei foi o site da Nasa. Era basicamente o que existia. Não tinha nada para acessar na internet, era um mundo vazio. Se eu pudesse comparar, a internet é como o cano, e o conteúdo é a água. Nós inauguramos o cano, mas não tinha água para passar lembra Mandi. Nós recebemos um gateway de 64 kbps, mas nós tínhamos 10 mil usuários registrados. Aquilo entupiu! Nós comemoramos quando recebemos um link de 1 mbps. Para fazer uma comparação, hoje eu tenho 300 mbps na minha casa, só para mim.

E a tendência é que a rede continue avançando, estável, como projetada há 50 anos, mas caminhando para a invisibilidade, para ser esquecida, como diz Mandi.

Tecnicamente, a internet mudou os hardwares, como equipamentos menores e mais rápidos, mas a lógica por trás da tecnologia continua a mesma. Com um modem, o cliente se conecta ao backbone e tem acesso à transferência de pacotes.


Internet quântica

A rede vai se tornar invisível. Isso não aconteceu ainda, mas eu acredito que acontecerá na próxima década prevê Kleinrock. A internet vai desaparecer na infraestrutura. Onde você for, a internet estará presente. Ela vai desaparecer nas paredes da sala, na sua mesa, no seu carro, em tudo a internet estará presente. Na sua unha, dentro do seu corpo, pequenos dispositivos com sensores, memória, armazenamento e câmeras estarão lá.

Para Daniel Schwabe, o futuro da internet é indissociável do futuro da Humanidade. Na sua opinião, revolução provocada pela rede está restabelecendo todas as relações humanas com base em comportamentos que só são possíveis por causa da tecnologia. A internet eliminou o espaço, alterou a noção de Estado, nacionalidade e país. As identidades culturais estão se readaptando a esta realidade.

É dramático, sobretudo para nós que estamos envolvidos nisso. Estamos reexaminando todos os nossos valores. Nós, como seres humanos avalia Schwabe.

Para a rede em si, o futuro pode estar na internet quântica, afirma Edmundo de Souza e Silva, do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe/UFRJ, um dos pioneiros da internet no Brasil.

Pesquisas em redes quânticas estão em andamento na China, nos EUA e na Europa, com os primeiros testes previstos para os próximos anos. A ideia é usar a física quântica para tornar a rede mais rápida pela transmissão por fótons e segura.

Os bits quânticos (qubit) possuem uma característica conhecida como entrelaçamento, fenômeno que permite que dois objetos estejam fortemente ligados a ponto de influenciarem um ao outro, independentemente da distância. Com isso, caso um qubit seja alterado ou interceptado durante a transmissão, ele é prontamente identificado e descartado.

Daqui a 20 ou 30 anos vamos ouvir falar sobre isso prevê Silva. Parece ficção científica. Pelo entrelaçamento é possível ler o estado de outro átomo em outro lugar. É possível transmitir informações com mais velocidade e segurança. Criminosos não vão conseguir olhar o dado quando ele está trafegando. Mas os experimentos ainda estão na fase de laboratório.