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14 MAR 2022

Impulsionamento de pré-campanha na Internet: Uma análise da jurisprudência de 2021 do TSE


Revista Jus Navigandi Online - 11/3/2022 - [gif]


Autor: Paulo das Neves e Silva Júnior
Assunto: TIC Domicílios

A propaganda eleitoral antecipada tem uma vertente que pode constar de uma ação de representação por propaganda irregular, o impulsionamento de conteúdo na Internet. Este trabalho tem por objetivo analisar as teses, favoráveis e contrárias, veiculadas na jurisprudência mais recente, de 2021, do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, bem como apontar os percalços que poderão advir do entendimento permissivo a esses impulsionamentos para os próximos pleitos eleitorais. Outrossim, procurou-se aliar às teses dos Ministros da Corte Superior Eleitoral, pensamentos de doutrinadores sobre os direitos fundamentais que sedimentaram os seus votos, qual seja: a liberdade de expressão e de informação.

INTRODUÇÃO

A propaganda eleitoral antecipada utiliza diversos meios para se manifestar. Uma dessas manifestações ocorre na Internet, por intermédio de pagamento a sítios de busca ou redes sociais, do chamado impulsionamento de conteúdo, com mensagens alusórias a uma pretensa atuação parlamentar futura ou governo de um determinado político, deixando esses posts com um ranqueamento ou visibilidade maior para os usuários ou possíveis eleitores.

Durante o período permitido pela Lei das Eleições, o impulsionamento é lícito e, inclusive, o gasto com tal atividade deverá ser comprovada, com as limitações financeiras legais. Contudo, quando a recente jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral autoriza o impulsionamento para antes do período de campanha, surgem imbróglios do ponto de vista de controle de contas e do ponto de vista jurídico.

Pretende-se, com este trabalho, analisar a jurisprudência de 2021 do Tribunal Superior Eleitoral tratando do permissivo jurisprudencial para impulsionamento de pré-campanha na Internet e suas possíveis consequências para os próximos pleitos eleitorais. Isso, já que a Internet, hodiernamente, constitui o mais novo campo onde a propaganda política está vicejando, superando os meios tradicionais de comunicação.

O permissivo dado pela Justiça Eleitoral para o impulsionamento na grande rede motiva algumas questões de grande interesse. Como fazer controles desses gastos pré-campanha? Dar-se-ia azo ao abuso do poder econômico? O seu impedimento poder-se-ia caracterizar o tolhimento à liberdade de expressão, prevista constitucionalmente como direito fundamental?

Em um primeiro momento, analisar-se-á o impulsionamento em si, suas origens legais e o entendimento mais recente do Tribunal Superior Eleitoral TSE, sobre o tema para o período antes do permitido em lei.

Na segunda parte, deste trabalho, avaliar-se-á as teses contra e favor para o impulsionamento de propaganda política e suas consequências para os pleitos vindouros, tanto do ponto de vista do Direito Constitucional quanto na ótica do Direito Eleitoral.

Na parte final, tentar-se-á trazer possíveis respostas às indagações formuladas e a problemática imposta à luz dos direitos fundamentais, da doutrina pátria e do arcabouço jurídico eleitoral.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste trabalho foi a abordagem qualitativa, sendo feita uma pesquisa exploratória de cunho bibliográfico e documental, assim como uma análise empírica jurisprudencial.

2 O IMPULSIONAMENTO NA INTERNET À LUZ DA LEI E DA JURISPRUDÊNCIA DO TSE

A propaganda antecipada é aquela realizada pelo pretenso candidato a uma cadeira no parlamento ou no executivo municipal, estadual ou federal, fora do período definido em lei, na tentativa de convencer o eleitor para que o eleja. A lei 9.504/97 a tratava de forma implícita. Qualquer ato, leia-se pedido de voto, antes do período vedado, era considerado antecipação de propaganda eleitoral.

Então, surgiu, em 2009, por meio da Lei n° 12.034, com a inserção na Lei 9.504/97 do art. 36-A, abrindo um leque de possibilidades para se fazer propaganda antecipada, dando azo e liberdade maior aos políticos para expor suas ideias, seus pontos de vista e pensamento político antes do período autorizativo para campanha.

Já a menção a propaganda antecipada na Internet vem com alteração do art. 36-A, promovida pela Lei n° 12.891/2013, que inseriu na parte final do referido dispositivo a expressão inclusive na Internet.

Houve, em seguida, uma série de alterações na Lei das Eleições, especificamente nos anos de 2015 e 2016, nos artigos que tratam de propaganda na Internet. Essas modificações vão dos arts. 57-A ao 57-J da citada lei.

Especial atenção merece o art. 57-C da referida Lei:

Art. 57-C. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes (BRASIL, 1997).

No dispositivo em comento, desde de 2009, proibia-se a veiculação de propaganda paga na Internet. Então, veio a Lei 13.488/2017 trazer uma exceção à regra: a possibilidade do impulsionamento de conteúdo, limitando-se somente aos partidos, coligações, candidato ou seus representantes a possibilidade de fazê-lo.

No mesmo ano, o TSE publicou a Resolução n° 23.551/2017, com vistas a regular a propaganda eleitoral para pleito de 2018, que assim, definia impulsionamento em seu art. 32, XIII, nestes termos:

XIII - impulsionamento de conteúdo: o mecanismo ou serviço que, mediante contratação com os provedores de aplicação de internet, potencializem o alcance e a divulgação da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo (BRASIL, 2017).

A Resolução TSE n° 26.610/2019, alterada posteriormente pela Resolução TSE n° 23.624/2020, veio, por meio de seu art. 37, XIV, incluir as ferramentas de busca:

XIV - impulsionamento de conteúdo: o mecanismo ou serviço que, mediante contratação com os provedores de aplicação de internet, potencializem o alcance e a divulgação da informação para atingir usuários que, normalmente, não teriam acesso ao seu conteúdo, incluída entre as formas de impulsionamento a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet, nos termos do art. 26, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. (BRASIL, 2019, grifo nosso).

Segundo Almeida (2018, p. 321), essas inovações legislativas que inseriram a propaganda na Internet tem duas justificativas. A primeira seria a carência de recursos financeiros em decorrência da proibição de pessoas jurídicas financiarem as campanhas e o estabelecimento de um teto de gastos. A outra seria o poder que a Internet tem na formação de opiniões políticas frente aos meios de comunicação tradicionais.

Então, com isso, as forças políticas, principalmente, os partidos e candidatos desprovidos de pouco recursos financeiros e com menos tempo na TV e no rádio, migram para a Internet com o objetivo de conquistar seu eleitorado.

O legislador e a Justiça Eleitoral perceberam, assim, o poder dessa mídia no cenário político nacional, sobrepujando até mesmo a mais poderosa delas: a TV. As alterações na Lei 9.504/97 e a elaboração de Resoluções, por parte do TSE, detalhando melhor o tema, são uma prova da preocupação dessas instituições com o poder de interferência no voto que a propaganda na Internet possui.

Contudo, manter o controle da Internet parece ser uma tarefa inglória, devido a disseminação desta em cada smartphone ou computadores de milhões de usuários (eleitores).

Para a Justiça Eleitoral conseguir controlar os impulsionamentos feitos de forma irregular na Internet, no mundo tão vasto como a grande rede de computadores, exigiria um grande esforço fiscalizatório e adicionalmente uma conscientização do eleitor para a importância da igualdade nas eleições (MACHADO, 2018).

Permitir somente o impulsionamento foi uma forma que o legislador encontrou de, pelo menos, ter um controle sobre o gasto com esse tipo de propaganda, ter como mensurar e talvez coibir. Mesmo porque será um gasto que será objeto de uma futura prestação de contas por parte do partido e do candidato.

Já com relação ao impulsionamento irregular, só haverá aplicação de multa ao provedor, se este, diante da decisão judicial de retirada do impulsionamento, descumpri-la. É o que se extrai do art. 57-B, §4°, da Lei 9.504/97 (BRASIL, 1997).

Mais irregular ainda seria o impulsionamento antes do período definido para a campanha eleitoral. Isso iria equivaler a uma propaganda eleitoral extemporânea. Entretanto, como nem toda propaganda é propaganda eleitoral, nem todo impulsionamento configura um impulsionamento ilícito.

Em entendimento mais recente, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, no dia 10 de agosto de 2021, que pessoa que contrata diretamente impulsionamento de conteúdo em redes sociais para divulgar sua pré-candidatura a cargo público não pratica propaganda eleitoral antecipada irregular (VITAL, 2021).

Essa decisão do TSE foi motivada por julgamento do Agravo Regimental em Agravo em Recurso Especial Eleitoral n° 0600079-64.2020.6.17.0092 , na qual o Ministério Público Eleitoral se insurgiu contra decisão da Corte do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco TRE-PE, que considerou como lítica impulsionamento realizado, no Instagram, pelo pré-candidato a prefeito de Garanhuns-PE, Silvino de Andrade Duarte. A Justiça de Segunda Instância, assim, se manifestou na época:

ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA ELEITORAL. PRÉ-CANDIDATO. PUBLICAÇÃO DE POSTAGEM EM REDE SOCIAL (INSTAGRAM). IMPULSIONAMENTO. DIVULGAÇÃO DE PRÉ-CANDIDATURA. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA IRREGULAR. NÃO CARACTERIZAÇÃO. (ART. 57-C, § 3º, DA LEI 9.504/1997).

1. Não configura propaganda eleitoral antecipada irregular postagem patrocinada no perfil da rede social instagram, divulgando, tão somente, pré-candidatura, sem trazer conteúdo negativo em relação a terceiros, de modo que a conduta em controvérsia não extrapola a liberdade de expressão assinada na norma de regência e amparada nos recentes precedentes do Tribunal Superior Eleitoral.
2. Recurso não provido. (PERNAMBUCO, 2020).

Vê-se, pela leitura da ementa, que o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco se apoia em jurisprudência recente do TSE para proferir sua decisão, escorando-se, ainda, na liberdade de expressão, informando que o pré-candidato não excedeu seu direito fundamental de livremente se expressar.

Vale ressaltar que, quando o TRE-PE se alicerça em recentes decisões do TSE, refere-se em decisões até o ano do referido julgamento, ou seja, em 2020. E, realmente, esse era o entendimento da Corte do TSE, o qual dava plena liberdade aos políticos para expor suas ideias, seus projetos, antes do período estabelecido em lei para campanha, mas desde que não pedissem, de forma explícita, o voto do eleitor.

Ocorre que, em momento posterior, em 06 de maio de 2021, o TSE julgou o Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral Nº 0600097-91.2020.6.19.0072, proveniente de Niterói-RJ, no qual toma o posicionamento contrário ao impulsionamento no período pré-campanha, mesmo não havendo pedido explícito de votos, nestes termos:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. ARTS. 57-B, IV, B, E 57-C, CAPUT E § 3º, DA LEI Nº 9.504/97. FACEBOOK E INSTAGRAM. VEICULAÇÃO PATROCINADA. MEIO VEDADO. APLICABILIDADE DAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS À PROPAGANDA ELEITORAL AOS ATOS DE PRÉ-CAMPANHA. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. SÚMULA Nº 28/TSE. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO REGIONAL. REITERAÇÃO DE TESES. SÚMULA Nº 26/TSE. INCIDÊNCIA. D E S P R O V I M E N T O .

[...]

2. Aos atos de pré-campanha aplicam-se as restrições impostas à propaganda eleitoral, ainda que ausente o pedido explícito de voto, quando esses atos forem veiculados por meio vedado pela legislação no período de campanha eleitoral. Precedentes.

3. No caso dos autos, consta no acórdão regional que, ainda que inexistente o pedido expresso como é o caso em que se verifica apenas exposição de plataforma política configuram propaganda eleitoral extemporânea as veiculações realizadas por meio vedado, subsumindo-se à reprimenda contida no art. 57-C da Lei nº 9.504/97, é dizer, quando efetivadas na Internet, de forma patrocinada (ID nº 60806538).

4. Como é cediço, o art. 57-C da Lei das Eleições, com redação dada pela Lei nº 13.488/2017, excepciona o impulsionamento de conteúdo da vedação à veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, desde que contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes.

5. O art. 57-B, IV, b, da Lei nº 9.504/97 veda a contratação de impulsionamento de conteúdos na internet para veiculação de propaganda eleitoral por pessoa natural.

6. Desse modo, se o impulsionamento eletrônico contratado por pessoa natural em período de campanha eleitoral é meio vedado, de igual forma é vedada a sua contratação por pretensos candidatos no período de pré-campanha, caso dos autos.

7. Conforme destacado no decisum agravado, A ressalva de impedimento para utilização do impulsionamento por pessoas naturais está relacionada à necessidade de controle dos gastos de campanha, de modo a possibilitar a fiscalização, pela Justiça Eleitoral, das quantias destinadas por cada candidato (Rp nº 0600963-23, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS em 13.9.2018).

[...]

9. Agravo regimental desprovido. (BRASIL, 2021a, grifo nosso).

Vale destacar que a referida ementa segue a literalidade da Lei 9.504/97, alicerçando os seus argumentos na vedação de contratação de impulsionamento por pessoa natural, e no período definido, de forma explícita no dispositivo, para fazê-lo, mesmo não havendo, por parte do pré-candidato, pedido explícito de votos.

Para subsidiar seu voto, o Relator, Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, reúne várias jurisprudências do próprio do TSE, de 2018 a 2020, que seguem o mesmo posicionamento com relação ao impulsionamento indevido durante o período pré-eleitoral. Destaque para o trecho do acórdão em que aduz que a proibição, em comento, tem uma finalidade de coibir um desequilíbrio entre pré-candidatos, já que a Justiça Eleitoral não teria como manter um controle sobre os gastos despendidos por estes, e mesmo porque não teriam todos estes pré-candidatos suporte econômico proveniente do fundo partidário (BRASIL, 2021a).

O Ministro Tarcísio Vieira, no seu voto, se vale do silogismo para reforçar seus argumentos. Já que o pagamento de impulsionamento só é permitido para partido, coligação, candidato e seus representantes, sendo vedado para pessoas naturais. Assim, sendo o pré-candidato uma pessoa natural, logo para ele será também vedado o impulsionamento. Escreve, nestes termos: Desse modo, se o impulsionamento eletrônico contratado por pessoa natural em período de campanha eleitoral é meio vedado, da mesma forma é vedada a sua contratação por pretensos candidatos no período de pré-campanha, caso dos autos (BRASIL, 2021a).

E é nesse julgado, de maio de 2021, que o Ministro Edson Fachin se apoia para proferir seu voto vencido no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n° 0600079-64.2020.6.17.0092. O eminente Ministro utiliza os mesmos argumentos do Ministro Tarcísio Vieira no processo já mencionado. Entretanto, todos os outros membros da Corte Eleitoral resolvem seguir o voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, considerando lícito o impulsionamento feito no período pré-campanha, desde que ausente pedido explícito de votos.

Mais à frente, será explanado as teses trazidas por essa jurisprudência mais recente do TSE impeditivas para o impulsionamento e as permissivas, que garantem, segundo a maioria formada, a livre propagação de ideias e projetos políticos. A não ser que a Corte Eleitoral mude o seu posicionamento, provavelmente é essa última decisão que valerá para eleições que virão.

3 TESES CONTRÁRIAS E AS FAVORÁVEIS AO IMPULSIONAMENTO E CONSEQUÊNCIAS PARA OS PRÓXIMOS PLEITOS

A liberdade de expressão é um importante direito fundamental trazida pela Carta Magna em seu art. 5°, inciso IV, que permeia um processo eleitoral democrático, trazendo, para este, um mecanismo salutar de propagação de ideias e a confrontação de pensamentos divergentes.

Para Gomes (2020, p. 150), essa liberdade não é ilimitada, e poderá ser restringida em casos excepcionais, em situações de extrema relevância. Isso quando se tem um bem mais proeminente ou de maior peso. Deve-se, segundo o autor, realizar o sopesamento dos valores que se apresentam no caso concreto.

O que se quis dizer, com outras palavras, é que não existe direito fundamental absoluto. Sempre existirá possibilidade de relativização, mormente quando o Judiciário se depara com algum outro direito ou princípio que possa superá-lo. Então, uma balança imaginária será posta na mesa do julgador, e aquele direito ou princípios de maior peso terá prevalência, como por exemplo: higidez do pleito, igualdade entre os candidatos (ou pré-candidatos), legitimidade das eleições, moralidade ou probidade.

Esse importante direito fundamental e o seu abuso terão premência na análise a seguir das teses a favor e contra o impulsionamento antecipado.

3.1 TESE FAVORÁVEL AO IMPULSIONAMENTO

A tese favorável ao impulsionamento durante o período pré-campanha, trazida pelo Ministro Alexandre de Moraes, no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n° 0600079-64.2020.6.17.0092, apoia-se justamente no Princípio da Liberdade de Expressão. Segundo eminente ministro, as alterações legislativas promovidas na Lei n° 9504/97 visaram a máxima efetividade da liberdade de expressão e do direito de informação, privilegiando a livre circulação de ideias e a autonomia de todos os autores envolvidos no processo democrático (BRASIL, 2021b).

Vê-se que o voto do relator, no referido processo, marca o posicionamento do TSE não só pela liberdade de expressão, mas por facilitar a propagação da informação. O Judiciário não deve ser, assim, um entrave a uma participação efetiva dos cidadãos que querem ocupar um cargo eletivo, na divulgação de seus projetos, suas irresignações, reclamos ou simples reflexões sobre o que pode melhorar na vida dos eleitores.

Nesse diapasão, Osório (2018, p. 380) faz liame com o regime democrático, sendo característica e objetivo desse a liberdade de expressão, como assim aduz, in verbis:

Em primeiro lugar, é incontestável que a garantia da democracia constitui um dos mais importantes objetivos da liberdade de expressão, senão o mais importante. O argumento deriva da ideia básica de que, em um regime democrático, é imprescindível garantir plena liberdade para que todos os grupos e indivíduos possam expor e ter acesso a opiniões e pontos de vista sobre temas de interesse público e, assim, permitir a formação da vontade coletiva e a tomada das decisões políticas, em especial por meio do voto.

É, assim, segundo o entendimento transcrito, interesse do eleitor ter acesso a visões diversas da realidade, provenientes de diferentes fontes (candidatos ou pré-candidatos), para que melhor faça suas escolhas políticas em um futuro pleito. E é próprio do regime democrático esse favorecimento ao direito dos cidadãos de expor seu pensamento e acesso às informações de diversas fontes. Sem essa liberdade não haveria democracia.

Retornando aos argumentos utilizados em seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes aventa somente uma hipótese em que se deveria tolher os impulsionamentos pré-campanha, qual seja: o abuso ou o exercício arbitrário do direito, que iria conspurcar a isonomia entre os pré-candidatos. Neste caso, esse excesso seria objeto de apreciação pelo Poder Judiciário.

Vê-se, por esse julgado, que o TSE procurou realizar uma interpretação sistemática da norma, procurando no sistema constitucional o melhor alcance do instituto da liberdade de informação e pensamento, aplicando ao Direito Eleitoral. Ou ainda, uma interpretação teleológica, no qual diante das inovações tecnológicas, tentando adaptar o dispositivo do art. 57-C da Lei das Eleições às novas exigências sociais. Qual exigência? O desejo do eleitor de obter o máximo de conhecimento possível sobre os políticos e sobre o que eles pensam sobre os mais variados temas.

Deste modo, a tese favorável ao impulsionamento extemporâneo se alicerça em três pontos: a liberdade de expressão e informação, a não existência de pedido explícito de votos ou de uso de expressões que equivalem a esse pedido e o não abuso do direito. Somente no caso em que houver excesso desse direito, como o gasto excessivo de recursos financeiros é que o impulsionamento deveria ser coibido.

3.2 TESE CONTRÁRIA AO IMPULSIONAMENTO

Contrário ao impulsionamento antes da campanha, o Ministro Edson Fachin sustenta sua tese de que é meio proscrito, pois a Lei das Eleições somente concebe a sua existência por meio de partido, coligação, candidato ou seu representante. E antes do registro de candidatura não se tem candidato. Logo, não existe possibilidade desse uso por parte de um pré-candidato. Este é uma simples pessoa natural, que a letra da lei proíbe o patrocínio de propaganda na Internet. É o que se depreende de trecho de seu voto no Agravo em Recurso Especial Eleitoral n° 0600079-64.2020.6.17.0092:

Eu estou lendo aqui, e possa ser que eu esteja enganado, exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. Post patrocinado não está aqui nessas possibilidades, ao menos em pré-campanha, porque candidato há na campanha; na pré-campanha, posso estar enganado, estamos diante de um pré-candidato. Portanto, parece-me e essa parecença pode ser equivocada que o legislador coibiu a veiculação de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado esse impulsionamento, desde que exclusivamente contratado por agremiações partidárias, coligações e seus representantes (BRASIL, 2021b).

Parece realmente lógico o argumento explanado por Fachin, pois se a Lei não permite durante a campanha eleitoral, há de se concluir que não haverá durante o período vedado. Ademais, fugirá totalmente ao poder fiscalizatório da Justiça Eleitoral os gastos efetuados por esses pré-candidatos durante um período em que não existem registros contábeis que passem pelo crivo dos tribunais e juízes eleitorais.

Deste modo, o problema reside em como a Justiça Eleitoral exerceria esse controle. Estaria, é óbvio, na dependência da fiscalização exercida pelo adversário do abusador do poder econômico ou do Ministério Público Eleitoral.

Durante o período eleitoral legítimo para o candidato realizar propaganda por meio de impulsionamento, tem-se uma série de ferramentas para se exercer o acompanhamento dos gastos, que são as prestações de contas. Mas as prestações de contas são dos candidatos, dos partidos e coligações, não é de um pré-candidato. Neste caso, os tribunais eleitorais e o TSE não podem exigir prestação de contas de um período que não é eleitoral.

Para Coura (2018, p. 188) a interpretação do art. 57-C da Lei 9.504/97 tem sido feita de forma equivocada por muitos, como sendo a permissão para se monetizar qualquer manifestação política pela internet, desde que não haja pedido de votos. E como já apresentado aqui, a lei é precisa em elencar os personagens políticos autorizados a realizar impulsionamento.

Coura (2018) faz, ainda, referência ao art. 57-B, IV, da Lei n° 9.504/97, em que deixa patente a proibição de pessoas naturais realizarem impulsionamento, lembrando que a estas só existe o permissivo para fazerem propaganda eleitoral mediante blogs, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas.

Entende-se, desde modo, que um pré-candidato, para o ilustre doutrinador, é pessoa natural, logo impedido de fazer qualquer impulsionamento, mesmo no período pré-campanha.

Não há como prosperar, então, para os defensores dessa tese, a ideia de se permitir impulsionamentos fora do período estabelecido na legislação eleitoral, pois estar-se-ia dando azo a mais abusos que seriam praticados pelos políticos, beneficiando os detentores do poder econômico.

Esta tese representou um pensamento minoritário do TSE, mas que esteve presente em poucos julgados daquela Corte, que não o adota mais, principalmente após o julgamento do Agravo Regimental em estudo.

3.3 REFLEXOS PARA OS PRÓXIMOS PLEITOS

A jurisprudência mais atual do TSE, qual seja, a proferida no AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL 0600079- 64.2020.6.17.0092, poderá ter o poder de tornar a Internet, mais do que já é, um fator decisivo na disputa eleitoral que advirão, principalmente com o impulsionamento extemporâneo permitido.

A Internet já exerce influência sobre as escolhas de compras de seus usuários, com a liberação quase irrestrita do impulsionamento de propaganda essa influência pode ser mais potencializada.

De acordo com Baptista (2019), pesquisa realizada pelo Instituto DataSenado, tendo como base as eleições gerais de 2018, trouxe os seguintes dados relevantes:

45% (quarenta e cinco por cento) dos entrevistados informaram que decidiram seu voto com base em informação obtida por meio de redes sociais. Whatsapp foi escolhido como principal fonte de informação dos brasileiros. De 2,4 mil entrevistados, 79% (setenta e nove por cento) usam alguma rede social para se informar. As redes sociais que tiveram maior impacto nas eleições foram o Facebook (31%), Whatsapp (29%), Youtube (26%), Instagram (19%) e o Twitter (10%).

Esses dados revelam o quanto as redes sociais têm desbancado as mídias tradicionais, como a televisão, rádio e jornais escritos, no que se refere em influenciar o eleitor na hora de escolher seu candidato.

Outra pesquisa, que merece ser referenciada, diz respeito à quantidade de usuários de internet no Brasil. O Comitê Gestor da Internet revelou que, em 2020, o país chegou a 152 milhões de usuários - um aumento de 7% em relação a 2019. Com isso, 83% da população com mais de 10 anos têm internet em casa (LEÓN, 2021). Esses são, também, dados reveladores da quantidade considerável de pessoas acessando a grande rede.

Com base no que foi exposto, qual seria o impacto da liberação do impulsionamento de durante a pré-campanha para os próximos pleitos do ponto de vista jurídico?

Diante dos dados já apresentados, percebe-se que o poder de influenciar a decisão dos eleitores em quem votar, deverá ser, possivelmente, incrementada, já que se teria maior tempo de exposição dos políticos nas redes sociais, considerando estas como já demonstrado o principal meio de veiculação de informação hodiernamente.

Outro ponto a ser considerado será, ainda, o possível aumento do número de ações de representação por propaganda eleitoral antecipada, especialmente, por impulsionamento nas redes sociais e ferramentas de busca.

Então, o deslinde ficará a cargo de cada julgador, tomando como referência o posicionamento jurisprudencial do TSE. Se houver pedido explícito de votos ou uso de palavras ou expressões que induzem o eleitor a antecipar sua escolha, neste caso a propaganda extemporânea estará caracterizada.

Do ponto de vista de prestação de contas dos gastos despendidos com os impulsionamentos realizados, durante esse período anterior ao período definido na legislação, estarão, totalmente, fora do controle da Justiça Eleitoral. O que, eventualmente, poderá suscitar, talvez, várias discussões futuras no âmbito do Poder Legislativo, ou até mesmo, novo entendimento jurisprudencial do TSE na tentativa de regular os possíveis excessos que possam surgir.

A pedra de toque que provavelmente será utilizada na defesa do direito aos impulsionamentos extemporâneos serão os direitos fundamentais da liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento. É como destaca Osório (2018, p. 396):

[] não se pode, a pretexto de garantir a igualdade de oportunidades na disputa, sufocar a atividade política e a liberdade de expressão desses atores em períodos não eleitorais. Impedir que os políticos possam se apresentar e buscar obter visibilidade junto ao público fora dos períodos eleitorais, apresentando suas ideias, objetivos, trajetória e formação, constitui violação não somente à liberdade de expressão, mas também à igualdade de chances, já que confere vantagem a detentores de cargos políticos e outras figuras públicas e celebridades, que, em razão de suas atividades, mantêm-se constantemente no centro das atenções da mídia e da população.

Considerando esse pensamento, o que se espera, para os próximos pleitos, é que a Justiça Eleitoral saiba delimitar de uma forma mais razoável possível a linha que separa o que é direito de propagação de ideias e projetos políticos para o bem comum, do proselitismo político e a antecipação da disputa eleitoral.

Assim, convencer o eleitor de seus anseios para a melhoria de vida da população é algo totalmente diferente do banal desejo de apenas ocupar um cargo eletivo. E o julgador que se deparar com o caso concreto nos pleitos vindouros deverá se balizar nesses dois aspectos do impulsionamento antecipado para proferir sua decisão de forma sensata possível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A propaganda eleitoral antecipada tomou novos rumos com a previsão da propaganda feita na Internet, e com autorização dos chamados impulsionamentos de conteúdos a partir de 2017. Proibiu-se a propaganda paga na grande rede, mas abriu-se brecha para que se pudesse os partidos, coligações, candidatos ou os seus representantes, impulsionar.

No entanto, criou-se um imbróglio que a jurisprudência do TSE foi inconstante desde o ano da alteração na Lei das Eleições em 2017. Ora se admitia o impulsionamento de conteúdo durante pré-campanha, em outro momento, diante de caso semelhante, adotava-se posicionamento totalmente díspar.

O último posicionamento da mais alta Corte Eleitoral, fruto do julgamento do AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL 0600079-64.2020.6.17.0092, é de que o impulsionamento de conteúdo durante o período pré-campanha será permitido, desde que satisfaça alguns requisitos básicos inerentes a qualquer outra manifestação antes do período de campanha, quais sejam: não haja pedido explícito votos e não ocorra abuso do direito.

Pelos dados expostos, os impulsionamentos, feitos basicamente nas redes sociais, terão um poder extraordinário na escolha que os eleitores farão nas eleições vindouras, dado o grande uso da Internet e seu rápido crescimento no Brasil.

Deste modo, a Justiça Eleitoral terá um peso considerável como papel de moderadora ou balizadora de até onde os políticos poderão ir com seus impulsionamentos extemporâneos, sem deixar os abusos e o poder econômico de alguns deixarem as disputas desequilibradas.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Renato Ribeiro de. Agentes públicos em campanha eleitoral: como fica o controle na campanha virtual?.15 In: FUX, Luiz; PEREIRA, Luiz Fernando Casagrande; AGRA, Walber de Moura (Coord.); PECCININ, Luiz Eduardo (Org.). Abuso de poder e perda de mandato. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 315-324. (Tratado de Direito Eleitoral, v. 7.) ISBN 978-85-450-0502-5.

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