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18 ABR 2008

FGV pesquisa as lanhouses






ARede - 18/04/2008 - [ gif ]
Autor: Carlos Minuano
Assunto: Indicadores

Estudo apoiado pela Finep / MCT vai observar a inserção crescente desses estabelecimentos nas periferias do Rio, de Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco.

Fenômeno de empreendedorismo popular, informalidade em grau avançado ou alternativa para a inclusão digital em regiões pobres? As chamadas lanhouses se multiplicam em periferias e favelas por todo o país. Já é possível encontrá-las em pequenas cidades, como birô de serviços, driblando condições precárias. Para alguns especialistas, esses espaços para acesso pago à internet podem contribuir para a inclusão digital. Mas outros acreditam que essas empresas, de base fundamentalmente comercial, não se confundem nem substituem os telecentros ou as políticas públicas de inclusão digital.

O fenômemo das lans chamou a atenção dos pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (CTS/FGV) do Rio de Janeiro, e se tornou tema do estudo Tecnologia, Democracia e Desigualdade Social. Viabilizada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a pesquisa vai observar o fenômeno nas periferias do Rio, Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco, e buscar meios de trazer os estabelecimentos para a formalidade, segundo o advogado da FGV, Antonio Cabral, responsável pela pesquisa.

Os pesquisadores já visitaram as comunidades no Rio onde o crescimento do número de lans é visível. Entre elas, Vidigal, Rocinha, Jacarezinho, Antares e Vila Paciência. Cabral conta que, apesar da precariedade geral, a presença do digital é grande nesses locais. "Na Vila Paciência, por exemplo, não vi nenhuma padaria, mas encontrei sete lans houses", conta.

Alvarás gratuitos
A intenção é chegar a uma parceria com os estabelecimentos. "Queremos espaço para cursos de utilizações da rede voltados à empregabilidade, em troca de apoio jurídico e suporte técnico", diz Antonio. A prefeitura do Rio se comprometeu em fornecer os alvarás de funcionamento gratuitamente, garante. O levantamento pode ainda viabilizar parcerias do setor público, financiamentos, e licenciamento de softwares com preços mais baixos, acredita o pesquisador.

Se está em questão o desenvolvimento humano, todas as iniciativas locais, formalizadas ou não, que contribuam para a inclusão digital devem ser tratadas com atenção. É o que defende Carlos Afonso, diretor da Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). "A existência desses estabelecimentos é positiva para o aprendizado das ferramentas básicas e para o acesso à rede" argumenta.

É a opinião também de Antonio Cabral, da FGV. Para ele, o digital pode ajudar a romper as fronteiras da favela - em lanhouses ou nos telecentros. "A internet democratiza as relações", diz. "O comportamento de jovens estrangeiros ricos já não é mais tão diferente de um jovem das periferias, ambos estão conectados e nivelados na rede". Já existem festas em lanhouses organizadas pela comunidade. Para Cabral, um indicador de como as populações mais pobres estão se apropriando das novas tecnologias. "Pobre também pode ser nerd e gostar de tecnologia e games".

Apesar dos avanços da inclusão digital no país, garantir o acesso à rede a todos que ainda não o possuem está longe de ser uma realidade. "Seria necessário algo em torno de 100 mil telecentros", calcula Luiz Antônio Carvalho, coordenador de projetos de inclusão digital da Rits. Para Ronaldo Lemos, professor e coordenador do estudo da FGV, "é importante que políticas públicas levem o computador até as pessoas, mas, enquanto isso não acontece, lanhouses podem suprir essa demanda." Segundo ele, "existem lugares pobres onde ela representa o único espaço de acesso, em muitos deles, um barraco com alguns computadores".

A segunda etapa do Mapa da Inclusão Digital, que está sendo feito pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict) para o MCT, será divulgada em maio e deve indicar um total 15 mil espaços públicos para acesso à internet. "A estimativa é de que mil pontos tenham sido incluídos indevidamente, na primeira etapa", observou a coordenadora técnica do levantamento, Anaiza Caminha Gaspar, referindo-se ao primeiro mapa, que apontou 16 mil unidades de inclusão digital (mas com muitas sobreposições). O Ibict, entretanto, recuou na intenção de incluir as lanhouses na pesquisa. "Se respondessem ao questionário, elas poderiam sofrer represália pela falta de documentação da maioria", diz a coordenadora.

Informalidade e pirataria
Outra pesquisa recente, da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (Abcid) - entidade que, apesar do nome, reúne lanhouses e cibercafés -, aponta que 87% das lanhouses permanecem informais. E, para o presidente da entidade, Mario Brandão, devem continuar assim. A explicação é simples: falta um marco regulatório que defina o setor. Qualquer registro comercial precisa estar de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (CNAE/IBGE). Segundo essa classificação, lanhouse é exclusivamente uma casa de jogos, enquanto os cibercafés, unicamente para acesso à internet. Quem sai da informalidade, diz ele, registra-se como qualquer outra coisa: serviços de suporte de informática, revenda de equipamentos, etc.

Na maioria das comunidades de baixa renda, onde cresce a presença de lanhouses, a situação é pior - o levantamento da FGV aponta mais de uma centena delas na Rocinha (RJ). A maioria disparada utiliza software pirata. A solução passa por resolver o problema da informalidade, argumenta Mario. Para ele, uma maneira de permitir o uso de programas legais seria o estabelecimento dispor de linhas de financiamento.

Um mapeamento poderia ajudar a pensar em um incentivo estratégico a esses empreendimentos, observa Luiz Antônio, da Rits. Resta saber como fazê-lo. "O Ibict tentou, mas teve dificuldades de compatibilizar as exigências de um cadastro formal com a informalidade das iniciativas". O cadastramento acabou restrito às lanhouses regulares, e uma porcentagem irrelevante foi mapeada, impedindo qualquer conclusão representativa sobre a atividade, exceto a óbvia: que é essencialmente informal.

Resta saber se, na formalidade, esses espaços vão conseguir cobrar tão barato pelo acesso (os preços variam de R$ 0,50 a R$ 1,50 a hora de conexão); e, caso não consigam, se vão continuar tão populares cobrando preços reais, capazes de cobrir as cópias de sistemas operacionais, aplicativos e jogos proprietários, impostos e taxas. Mario, da Abcid, gostaria de ver a criação de um "vale-lanhouse",subsidiado pelo poder público, para quem não tivesse condições de pagar pelo acesso.

E os telecentros?
Mas, nesse caso, não seria melhor subsidiar logo um telecentro, que poderia ser gerido pela comunidade (e não por um empresário)? Para Beatriz Tibiriçá (Beá), diretora da ong Coletivo Digital, não se trata de comparar as lanhouses com os telecentros, mas, sim, de distinguir o papel da cada um. "A diferença essencial dos telecentros é a possibilidade do uso da tecnologia a serviço da comunidade", diz. Ela cita um caso exemplar, que conheceu em um conjunto habitacional na periferia de Londres, na Inglaterra. "Todos já tinham computadores, graças a um programa de financiamento popular do governo, e, ainda assim, construíram um telecentro exclusivamente para desenvolver projetos para comunidade".

Outro recorte da pesquisa da FGV é justamente a preferência por lanhouses a telecentros existentes em Pontos de Cultura (iniciativa do Ministério da Cultura). A situação precária de parte dos telecentros explica em alguma medida a opção. Porém, outros problemas afastam os usuários, conforme observa Augusto Cesar Gadelha, da Secretaria de Política de Informática do MCT (Sepin) e integrante do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Ele conta que, em uma cidade do interior do Nordeste, viu uma lanhouse cheia de jovens, ao lado de um espaço público de inclusão, mantido pela prefeitura, onde apenas três crianças utilizavam três dos dez computadores disponíveis. Curioso, Gadelha descobriu que, desde a proibição de uso não-educacional do acesso (ou seja, jogos, chat, redes de relacionamento, etc.), o telecentro esvaziou. "Os telecentros devem ser usados também para o entretenimento, é uma forma de despertar o interesse para as tecnologias", defendeu.