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08 FEV 2011

Episódio no Egito levanta questão sobre risco de 'desligar' a internet






Valor Online - 08/02/2011 - [ gif ]
Autor: Gustavo Brigatto
Assunto: Internet

Os recentes protestos no Egito trouxeram à tona uma questão tecnológica, à parte da discussão sobre o papel da democracia no Oriente Médio: afinal, alguém pode tirar a internet da tomada?

Foi isso, aparentemente, o que fez o governo do presidente Hosni Mubarak, na tentativa de conter os movimentos que tomaram as ruas do país. Durante cinco dias, o país ficou desconectado da internet, período no qual a economia egípcia teria deixado de movimentar entre US$ 90 milhões e US$ 110 milhões em transações eletrônicas, segundo estimativa da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Foi a primeira vez, na história da internet, que um governo exerceu tal poder sobre a web. Países como a China e a Coreia do Norte censuram parte do conteúdo, mas não as conexões à rede.

"Apagar" a web, no entanto, não é tão fácil quanto o caso egípcio parece sugerir. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, há uma série de questões - tanto de ordem econômica como técnica - que desencorajariam medidas desse tipo.

"Diversos países vêm tentando impor limites à internet. Mas fazer isso pode significar uma barreira aos investimentos estrangeiros. A interferência não passa confiança aos empresários", diz Fernando Belfort, analista da consultoria Frost & Sullivan.

Além de afugentar investidores, existe uma questão estrutural que impede a um país desligar a internet com um só botão. A criação de uma estrutura para fazer isso foi o que propôs o senador americano Joe Liebermann, ao Congresso dos Estados Unidos, em meados do ano passado.

A rede mundial tem uma estrutura fragmentada e não pode ser desligada a partir de um único ponto, diz Frederico Neves, diretor de serviços e tecnologia do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). Ao todo, existem 25 mil grandes redes no mundo que trocam dados entre si, ou transportam informações de umas para as outras. A internet, na prática, é a interconexão entre todas essas redes.

Os dados trafegam sob uma padronização tecnológica, mas os governos não determinam os caminhos seguidos pelos pacotes de informação. As rotas são definidas por acordos entre as companhias que usam e operam essas redes.

"Em um Estado democrático de direito, seria impossível desligar a internet", diz Neves. Para interromper esse fluxo, um governo precisaria usar de sua autoridade para exigir que os provedores derrubassem suas conexões.

O governo egípcio teria usado desse precedente para forçar as cinco maiores operadoras do país, donas das redes de interconexão, a se desconectarem da internet.

A ação, segundo Neves, foi facilitada pela estrutura local de telecomunicações. "Em um país como o Brasil, ou os Estados Unidos, a tarefa seria praticamente impossível por conta da complexa estrutura das telecomunicações", diz o especialista. O Brasil tem pelo menos quatro vezes mais rotas de saída para as comunicações internacionais.

As conexões do Egito com o mundo exterior não foram totalmente cortadas. Usando as linhas telefônicas, os egípcios conseguiram se conectar a provedores de internet dos Estados Unidos e da Europa por conexão discada.

Na esteira das medidas governamentais, o Google lançou um serviço que transformava gravações de voz em mensagens escritas na rede social Twitter. Na avaliação de Belfort, o serviço é um grande exemplo de que não é possível ter um botão para desligar a internet. "Sempre vai existir uma alternativa", diz.

Outra dúvida que costuma soar apocalíptica é se algum país teria condições de excluir um inimigo do mapa da web. Esse tipo de pergunta ganhou destaque há alguns anos devido à influência dos Estados Unidos na Icann, que determina os endereços eletrônicos. O Brasil chegou a protagonizar discussões acaloradas sobre o papel americano na organização. A possibilidade de os EUA tomarem uma atitude dessas é praticamente inexistente. Do ponto de vista técnico, não seria possível forçar os provedores do país em questão a bloquearem as conexões. Além disso, diz Neves, a força americana vem sendo diluída, com a participação crescente de outros países na Icann.