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31 JUL 2000

Entrevista: Ivan Moura Campos






Arquivo do Clipping 2000

Veículo: O Globo
Data: 31/07/2000
Assunto: Internet

Plataforma eleitoral: Ivan para o ICANN!

Por Cora Rónai

Nelson Rodrigues dizia que toda a unanimidade é burra, mas está perdoado: na sua época ainda não havia Internet, e ele não chegou a ver o movimento que tomou conta da comunidade internauta brasileira na última semana. Motivo? A candidatura de Ivan de Moura Campos para o ICANN. Atualmente em Belo Horizonte, onde é diretor da Akwan IT <www.akwan.com.br>, ele é PhD em Ciência da Computação pela UCLA e foi secretário de Política de Informática e Automação do Ministério da Ciência e Tecnologia quando a Internet BR estava sendo implantada. Atual coordenador do Comitê Gestor, é um dos pioneiros da rede no país, e uma das suas figuras mais respeitadas.

Explique qual é a importância de estarmos devidamente representados no ICANN.

IVAN DE MOURA CAMPOS: Ainda que o ICANN tenha em seu "charter" a missão aparentemente limitada a "names and numbers", isto é, nomes de domínio e (blocos de) endereços, as políticas relativas a estas duas "commodities" têm grande poder de impacto no desenvolvimento da Internet nas várias macrorregiões do mundo. Por se tratar de um organismo de abrangência global, justamente, é fundamental que todas essas macrorregiões tenham presença, para promover o necessário equilíbrio de visões.

Por outro lado, você não acha a composição do ICANN profundamente desequilibrada? Acredita que algum dia será possível elaborar uma estrutura mais democrática do que a que existe hoje?

IVAN: É necessário reconhecer que não é fácil conceber, neste prazo, a primeira estrutura horizontal, com voto direto e recrutamento amplo em toda a história. Caberá ao "board" propor aperfeiçoamentos no sentido de garantir representatividade o mais equânime possível. Por outro lado, a ONU, onde Burkina Faso e o Brasil, por exemplo, têm um voto cada (não estou propondo voto ponderado), jamais conseguiria funcionar como órgão executivo com a agilidade que as coisas deste admirável mundo novo exigem. Não creio também que haja um grande complô dos poderosos para alijar "os frascos e os comprimidos" (apud Millôr) dos processos de decisão. O que há é uma necessidade premente de colocar o organismo em pleno funcionamento, com capilaridade, poder de delegação e reconhecimento gerais, o que conflita com o desejo de um planejamento mais longo. Repetindo o desgastado óbvio, a Internet tem pressa.

Quem são os principais concorrentes do Brasil nessa corrida? A coisa está mais dividida por países ou pessoas?

IVAN: Estou acompanhando meio de soslaio este processo, para dentro do qual fui carinhosamente empurrado por um montão pessoas que admiro e respeito, e para as quais não consigo, sistematicamente, dizer não. Você incluída. O processo de eleição inclui a inscrição como eleitor, a indicação de candidatos pelo próprio "board", seguido de candidaturas auto-indicadas e, finalmente, pela votação. Não sei ao certo se há ou haverá outros candidatos. Entretanto, se houver mobilização, o número de eleitores potenciais no Brasil é muito grande - e o voto direto tem em sua base a idéia de representação da maioria.

O Brasil tem a metade dos usuários de Internet da região inteira. A ser mantida a forma atual de eleição, é lícito imaginar que sempre teremos um brasileiro no ICANN. Para nós está muito bom, mas será que isso é justo com o resto da América Latina?

IVAN: Não seria justo termos cadeira cativa, deve haver rotatividade. Por outro lado, nesta primeira "legislatura", acredito que o Brasil tem mais condições de representar, com estatura e autoridade, a região. Além disso, nossa Internet, seu tamanho e complexidade, a qualidade das políticas aqui adotadas, etc., nos proporcionaram e continuam proporcionando experiências que não são replicáveis em comunidades menores, porque certos problemas só ocorrem quando se atinge um certo tamanho. Só se ganha experiência resolvendo problemas, superando obstáculos.

A que ponto as características da Internet no Brasil são de fato representativas de todo o continente (y Caribe, por supuesto)?

IVAN: Não é que sejam representativas, é que a Internet no Brasil é mais rica e complexa. Veja: éramos em janeiro o décimo terceiro do mundo em número de hosts, já devemos estar em décimo segundo. De certa forma, todo país da América Latina e Caribe é, em termos de Internet, um caso particular, mais restrito, do que o nosso.

Quais são os grandes temas contidos na pauta no ICANN neste momento? O que ele terá que resolver durante o próximo (esperamos que seu) mandato?

IVAN: Além das tarefas oficiais do "charter", que podem ser nada fáceis (por exemplo, disputas por blocos de endereços, coisa em que o Comitê Gestor já tem longa experiência no Brasil, e que os outros países da AL&C ainda solicitam diretamente nos EUA), existe a questão pendente de qual é a relação (se é que existe) entre o espaço das marcas (à la INPI e OMPI) e o espaço de nomes de domínio. E há ainda a inexorável entrada em operação do IPv6, a evolução das políticas sobre múltiplos "registrars", e a diferença entre o mundo dos Estados Unidos (onde tudo é privado) e a realidade dos países em desenvolvimento (onde não há ainda tradição e experiência de gestão privada de funções de interesse público), com os desdobramentos em termos de "governance", a criação de novos"top level domains" e a instalação de "root servers" no hemisfério Sul. A lista tende a ser longa...