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19 ABR 2001

Em defesa dos sem-terra do ciberspaço






Arquivo do Clipping 2001

Veículo: O Globo
Data: 19/04/2001
Assunto: Internet

Rodrigo Pinto

RIO, (Globo On Line) - Embora restrita a alguns poucos milhões de brasileiros, pode-se dizer que a internet ganhou o Brasil. Ou melhor: o Brasil ganhou a internet. O país é um dos cinco no mundo com um representante, eleito internacionalmente, na diretoria do Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN), organização não governamental que concentra a cúpula da rede mundial de computadores e é responsável por julgar as questões relativas a nomes de domínios e endereços. Trata-se de um dos maiores pensadores da web brasileira, o ex-secretário de Política de Informática e Automação do Ministério da Ciência e Tecnologia Ivan Moura Campos, que também é coordenador do Comitê Gestor da Internet brasileiro, que cuida, entre outras coisas, das questões de domínio no país.

Em uma entrevista por e-mail, Ivan avisa que o mercado de domínios caminha para a extinção e se coloca como um defensor incondicional da universalização do acesso à internet no Brasil: "Computadores mais baratos são os tratores e implementos agrícolas para os sem-terra do ciberespaço, os links de telecomunicações são suas estradas vicinais", sentencia, defendendo o programa do governo que incentivará a venda de computadores mais simples. O diretor do ICANN adianta seus planos para a entidade e destaca, ainda, o sistema de registro de domínios brasileiro, que considera impecavelmente eficiente.


Globo On Line: Qual o maior desafio do ICANN?
Ivan: O de implementar uma nova forma de coordenação na Internet mundial. O que antes era feito de forma relativamente hermética pelo governo dos Estados Unidos e pela IANA está agora sendo feito por esta ONG com representação global, com decisões baseadas em consenso, que realiza suas reuniões em público, tendo cinco entre seus dezoito diretores eleitos. A Icann não pode se envolver com questões sociais, tais como censura, spam e crimes na Internet, e tem como diretriz não se envolver em policymaking, que é função de cada país. Por outro lado, como diretor da Icann e como coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil, pretendo continuar trabalhando pela universalização do acesso, que é um problema Brasil e do mundo em desenvolvimento, como se pode verificar no recente desenvolvimento do computador popular.

Haverá conflito de interesses entre empresas - em busca de recuperação de resultados - e defensores da universalização do acesso à rede em todo o mundo?
Ivan:Não, pelo contrário. Na medida que se consigam preços compatíveis, a escala da demanda fará com que a universalização do acesso à internet seja uma atividade "com retorno", e isto retroalimentará o próprio sistema. Não é possível resolver um problema desta magnitude simplesmente com iniciativas governamentais, a saída mais inteligente é transformar o desafio em um mercado atrativo para a iniciativa privada.

Como sua atuação no ICANN pode mudar os rumos da internet brasileira e na América Latina?
Ivan:A simples presença de um latinoamericano eleito para board traz visibilidade, abre oportunidades e catalisa a participação dos outros países da região nas decisões da ICANN. Como exemplo, cito a instalação no Brasil do LACNIC, órgão encarregado da distribuição dos endereços IP, que servem para identificar os computadores na rede, para toda a América Latina e o Caribe. Hoje, apenas três regiões (América do Norte, Europa e Ásia-Pacífico) têm seus organismos de atribuição de endereços em plena operação, e pretendemos ter o LACNIC operando no primeiro semestre de 2001. A relevância do LACNIC é que os países da América Latina e Caribe não precisarão requisitar endereços nos Estados Unidos. Hoje, somente o Brasil e México têm autonomia quanto a endereços, e o Brasil tem reconhecidamente a melhor infra-estrutura do continente para tratar destes assuntos (no Comitê Gestor, que já atribui endereços IP e registra nomes de domínios há muitos anos), e vamos ser a "casa de máquinas" do LACNIC, com a concordância de todos.

A venda de micros a baixo preço será capaz de aumentar significativamente o acesso à internet no Brasil?
Ivan: Sem dúvida. Este é, na verdade, o maior obstáculo, seguido dos custos de conexão à Internet. O governo criou o FUST (Fundo e Universalização de Serviços de Telecomunicações), gerenciado operacionalmente pela Anatel, que colocará "na rua" um edital para conectar 13.500 escolas públicas à Internet até dezembro de 2002, e só isto poderá dobrar o número de internautas no país. O desafio colocado para a indústria inclui a produção de um microcomputador na faixa de R$ 600, com software de domínio público, e que se mostra bastante adequado para funcionar como computador "em rede", seja em escolas, seja em empresas. A economia que se pode auferir eliminando as "gorduras" dos atuais PCs é extraordinária.

Essa história dos computadores mais baratos não é com dar um lote de terra a um sem-terra e não oferecer assistência técnica e financiamentos, por exemplo?
Ivan: Uma coisa é condição necessária, outra é a condição suficiente. É preciso um conjunto grande de ações para equacionar o problema de universalização do acesso à Internet, entre elas os custos de computadores, software, telecomunicações, serviços de acesso, treinamento dos usuários e desenvolvimento de conteúdo em Português. Computadores mais baratos são os tratores e implementos agrícolas para os sem-terra do cyberespaço, os "links" de telecomunicações são suas estradas vicinais, a terra é a educação, que ainda cabe lhes prover. O fato é que sem computador não se conecta ninguém a este mundo, até agora acessível apenas a uns poucos privilegiados.

E a cessão de domínios no Brasil, responde a padrões internacionais?
Ivan:A situação de registro de nomes de domínios no Brasil continua estável e impecavelmente eficiente, somos o quinto país do mundo em número de domínios registrados sob um código de país (os primeiros são Alemanha, Reino Unido, Holanda e Itália).

E qual o futuro de domínios como .bar, .banco, .seg, entre outros?
Ivan: Se houver demanda, o Comitê Gestor os cria em poucas horas. Repare que temos quase sessenta domínios de segundo nível no Brasil, atendendo a várias categorias de profissionais, indústrias, turismos, etc.

O atual modelo de resolução de conflitos envolvendo a posse de domínio pode ou deve ser melhorado? De que forma?
Ivan:O Comitê Gestor está trabalhando na criação de uma Câmara para resolução administrativa (extrajudicial), voluntária, deste tipo de conflito, a exemplo do que se fez no âmbito da ICANN, com a UDRP (Uniform Domain Resolution Policy). É preciso adaptar o contexto, para refletir a realidade brasileira, e estamos consultando várias entidades da sociedade civil.

Já é possível falar num valor médio para os domínios no Brasil e no mundo, em dólares?
Ivan:Não, os preços são extremamente variados, mesmo dentro de um mesmo país. O Brasil tem preços baixíssimos, no contexto internacional (menos de US$ 20 por ano). No Camboja são US$ 180.

Para onde caminha o mercado de domínios?
Ivan:Para a extinção, espero. No futuro, com a utilização de domínios em muitos e muitos idiomas, não será mais possível (ou eficaz) buscar informação baseando-nos em um nome de domínio (que na verdade foi criado para computadores interpretarem, não seres humanos), e a ambigüidade será tão grande que teremos que nos basear em diretórios, máquinas de busca e outras soluções ainda em estudo internacionalmente.

Há possibilidade de acontecer no Brasil o que ocorreu nos EUA, onde um a empresa - no caso deles, a VeriSign - controlando as centrais de endereço de todos os .com, .net e .org ?
Ivan:Não. A VeriSign herdou, dos tempos jurássicos da Internet, o registry destes três domínios. Em reunião recente da ICANN, este contrato foi modificado para melhor, e a VeriSign terá que se destituir dos domínios .org e .net dentro de um certo prazo, e poderá, se não estiver atendendo aos critérios estabelecidos para registries, perder o .com também. Para esclarecimento, a VeriSign tem o monopólio do "banco de dados", existem dezenas e dezenas de registrars, ou varejistas cyberdespachantes, que fazem o registro no banco de dados da VeriSign. Qualquer um pode se candidatar a ser registrar.

E na cessão de registros de domínio continuará permitida a atuação de empresas privadas?
Ivan:Sim, o Brasil é um registry aberto. O que querem alguns é que se feche, para que eles sejam os únicos (ou alguns dos poucos) intermediários entre o banco de dados do registro e a comunidade. Qualquer um registra um nome de domínio no Brasil em poucos minutos, esta atividade é exercida como de interesse público e sem fins lucrativos, e assim continuará. Quem quiser oferecer o serviço de despachante frente ao registro, terá que enfrentar a pergunta: que valor estaria adicionando ao serviço? A imprensa tem repercutido este assunto motivada, entre outros, pelos planos comerciais de uma "franquia" de uma empresa americana de registro de nomes de domínios. Em nenhum país do mundo se implementou isto, que vigora apenas para os domínios genéricos (.com, .net, o.rg, e os sete novos criados em Novembro pela ICANN).