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05 MAI 2020

Desigualdade digital dificulta ainda mais acesso ao auxílio emergencial


Jornal do Commercio - 30/4/2020 - [gif]


Autor: Lucas Moraes
Assunto: TIC Domicílios 2018

Além da barreira de desenvolvimento dos aplicativos, beneficiários da renda básica emergencial lidam com a falta de habilidade e ferramentas para recebimento do dinheiro

Edineide Oliveira, 46 anos, comprou o primeiro smartphone há quatro anos atrás. Antes disso, o celular era só para fazer ligação “quando tinha crédito”. “No outro eu mexia na agenda, mensagem e ligava. Esse de agora é a mesma coisa (o uso), só que eu tiro foto, tem ‘zap’ e Facebook, é o que eu mexo”. Manicure num salão da Zona Norte do Recife, ela está acostumada a receber pagamentos em espécie. Em casa não tem internet banda larga ou conexão wi-fi. Falta dinheiro e necessidade. “Eu não tenho computador, nada dessas coisas. Quando quer, mexe no celular. Agora esses negócios de banco e dinheiro, nunca fiz. Comigo é tudo direto”, orgulha-se. Sem ter noção de que, na verdade, faz parte de uma estatística de exclusão.

No Brasil, embora tenha avançado a cobertura, ainda há carência de infraestrutura, acesso e habilidade para uso da internet por uma parcela da população. Eles podem ser uma minoria; de fato são, segundo os números do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Porém, durante a pandemia do novo coronavírus, esse grupo, que reflete a desigualdade social também nos canais digitais, é o que mais precisa dessas ferramentas para garantir a sobrevivência em meio à pandemia da covid-19. 

No dia 8 de abril, um dia depois do governo federal lançar as plataformas do auxílio emergencial, Edineide estava sem crédito no celular. “Tive que pedir ajuda a um vizinho. Já não estava ganhando dinheiro, não tinha crédito e, para piorar, ele também não sabia mexer”, conta. Mesmo tendo se cadastrado no início de abril, ela não sabe ainda se tem direito ao dinheiro.

Para receber a renda básica emergencial do governo federal, a maioria dos beneficiários tem enfrentado grandes filas nas agências da Caixa Econômica Federal. Por uma lado, o desenvolvimento dos aplicativos comprometem a qualidade do serviço prestado; mas, por outro lado, há muita desinformação e falta de habilidade quanto ao uso das ferramentas pelos mais pobres.

Segundo dados apresentados em 2019 pela pesquisa Tic Domicílios 2018, do Cetic.br, o Brasil tem evoluído no acesso à internet, mas ainda há a manutenção da exclusão dos grupos mais vulneráveis. “Já temos 70% da população considerada usuária de internet, mas temos 30% de não usuários. A pesquisa mostra que tem exclusão concentrada em setores mais vulneráveis, e as políticas de auxílio vão ter dificuldade de atingir todo mundo”, explica o coordenador de projetos de pesquisas do Cetic.br, Fabio Senne.

Nas contas do Cetic.br, até 2018, 83% dos brasileiros possuíam um telefone celular, o que significa dizer que por volta de 17% não tinham acesso a aplicativos como o disponibilizado pelo governo federal para pagamento. Fernando Marinho, 62 anos, é um deles. Na última segunda-feira, esteve na agência da Caixa do bairro da Encruzilhada, Zona Norte do Recife, para tentar sacar o dinheiro do auxílio. Trabalhador informal, conseguiu que fizessem o cadastro por ele, mas precisava de atendimento no banco para sacar o dinheiro que havia sido depositado em sua conta. “Eu tenho conta na Caixa, mas agora não quero ter mais. Eu vim sacar o dinheiro e não consigo. Eu não sei usar isso (cartão) para fazer compras. É uma vergonha o que estão fazendo a gente passar de humilhação”, resumiu aos gritos.

De acordo com dados da Pnad TIC, do IBGE, do total de 3,17 milhões de domicílios pernambucanos, pelo menos 2,27 milhões (71,4%) têm acesso à rede e concentram-se nas áreas urbanas e nos extratos com maior renda. Enquanto isso, outros 908 mil lares continuam sem acesso por conta do alto preço (35,2%); falta de interesse (27,8%) ou falta de alguém na família que saiba acessar a internet (24,8%). Esta semana, milhares de pessoas se aglomeraram nas portas das agências da Caixa para fazer o saque em espécie do auxílio emergencial. O banco esperava que apenas parte de quem teve o dinheiro depositado na poupança digital buscasse o serviço, mas, na verdade, muito mais gente viu no saque a única forma de ter acesso ao dinheiro.

“O acesso (à internet) é uma barreira que tem de ser vencida. Passando-a, tem uma questão de habilidade para uso da internet. Pessoas que fizeram uso de aplicações para consultas, pagamentos ou transações financeiras representam só 28% dos usuários. A gente não tem condições de ter um programa que atenda de forma igual a todos pelas plataformas digitais”, garante Senne.

Mesmo o acesso pelo celular ainda é complicado para 9% dos domicílios do Estado. Em 285 mil lares, diz o IBGE, não há sequer um aparelho telefônico. Durante cinco dias, o Instituto JCPM de Compromisso Social (IJCPM) ajudou quem precisava de inscrição no programa. Mias de 60% dos atendimentos foi para consulta de situação, enquanto 32% buscavam ajuda para fazer o passo a passo do cadastro. Em comum, as pessoas reclamavam da demora para análise e falta de número de um celular para finalizar a inscrição. As incertezas em meio à necessidade foram justamente o que levaram a dona de casa Tayuane Mendes, 23 anos, a colocar em risco a própria vida e a de seu filho, saindo durante duas semanas da Campina do Barreto em busca de informações na Caixa.

“Eu já vim aqui há uma semana atrás, porque tinha feito cadastro no aplicativo e era só isso que tinha de confiança. Não sabia mais nada porque ninguém dá resposta, ninguém diz absolutamente nada. Só manda usar aplicativo que a gente nem sabe e nem funciona”, desabafou aos prantos. Pago majoritariamente pela internet, o auxílio emergencial beneficia aqueles que tenham renda per capta de R$ 522,50. Em Pernambuco, a renda de quem tem acesso à banda larga fixa é de R$ 1.271 mil. Quem não tem, ganha em média R$ 668.