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22 JAN 2001

Crônica de uma guerra anunciada na Internet






Arquivo do Clipping 2001

Veículo: O Globo
Data: 22/01/2001
Assunto: registro de domínios

André Machado

Uma grande polêmica promete sacudir a Internet nacional neste começo de século: a questão da concorrência na área de registro de nomes de domínio. Oficialmente a cargo da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a quem o Comitê Gestor delegou poderes para tal, a incumbência de registrar os nomes de domínio no país está no epicentro de uma latente batalha campal (por enquanto expressa em palavras) entre a iniciativa privada e o CGI.br. Quem acende o estopim é a CertiSign, afiliada da VeriSign e representante no país da Network Solutions, encarregada nos EUA e no mundo de registrar domínios genéricos como .com, .org e .net. Segundo o presidente da CertiSign, Márcio Liberbaum, a empresa planeja trazer até março os serviços da NS para o Brasil, inicialmente para os três domínios mencionados - mas em seguida pretende registrar domínios com extensão .br, como .com.br e .gov.br.

Márcio defende a livre iniciativa e justifica seu ponto de vista com veemência. Segundo ele, a Fapesp, mesmo com um processo próprio de verificação, dá segurança 100% no registro:

- É muito fácil uma pessoa registrar um domínio no lugar de alguém, e esse alguém praticar todo tipo de malfeitoria, maledicência, dentro da Web, e desaparecer com dois cliques, pela ausência de um documento que a identifique positivamente - afirma ele. - Isso não é objeto de estudo da Fapesp. Então, nós achamos que o mínimo ético necessário seria que os responsáveis por essa área de registro de domínio indicassem ou recomendassem com veemência que essa pessoa tivesse também um certificado de identidade digital de servidor. Por quê? Se um vendedor ambulante precisa estar credenciado por seu município em qualquer lugar do mundo para vender bugigangas, que dirá alguém que vai colocar um site no ar.... Pratique coisas boas ou ruins, se essa pessoa não tiver identificada e essa identidade não estiver publicada na Internet, ela jamais será responsabilizável por seus atos.

De acordo com o presidente da CertiSign, a empresa tem credenciais suficientes para pleitear sua entrada no mercado nacional:

- Temos um processo de validação rigoroso, bastante eficaz por conta dos cinco anos em que vimos fazendo certificação digital no Brasil e validando pessoas. E reputo nosso processo como muito melhor do que o que vem sendo praticado no Brasil hoje. Até porque as pessoas que estão lá [no Registro.br] são de boa índole e experimentadas, mas não vocacionadas para a exploração dessa atividade. - diz. - Eu acho até que não se deve retirar isso da Fapesp. Mas o processo deve ser aberto à iniciativa privada, para que, havendo uma concorrência, ou a Fapesp melhora seus processos que no caso se confirmarem ineficazes ou os perde simplesmente pela lei do mercado. Vamos pleitear com o CGI.br que façamos isso junto com a Fapesp, ou sozinhos. Se eles recusarem, vamos jogar pesado, comparando o trabalho dos dois. E aí, com a outra face exposta, as pessoas poderão comparar e verificar o valor de cada um. Vamos realmente brigar por isso.

O Comitê Gestor não está gostando nem um pouco dessa história. Ouvido pelo Informática Etc, Ivan Moura Campos, coordenador do CGI.br e diretor da Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, órgão administrativo da Web mundial), responde afirmando que não existe a mínima possibilidade de entrada da iniciativa privada no processo e explicou os motivos recorrendo às próprias definições das atribuições na área de registro de nomes de domínios:

- Eles vão pleitear com o CGI.br e não conseguirão nada. Isso não faz o menor sentido. Para entender por quê, vamos começar do início. É preciso explicar às pessoas que existem dois tipos de nomes de domínios. Uns são os gTLDs (generic Top-Level Domains), domínios genéricos - .com., .org, .net -, que pertencem ao mundo. O outro tipo são os country-code Top-Level Domains (ccTLDs). Estes são para países. Cada país recebeu um código. O do Brasil é o .br, o da Argentina é .ar, e assim por diante. Na hora de registrar, há por sua vez dois conceitos: o de registro propriamente dito (registry) e o de registrador (registrar). Os domínios genéricos têm um registro único, isto é, o registry é um só - no caso, na Network Solutions. A NS, por vários motivos (inclusive pelo fato de o mundo inteiro registrar domínios genéricos), credenciou, para domínios genéricos, alguns registrars A lista deles está no site da Icann. A maioria desses registradores está nos EUA, mas existem em vários países: China, Coréia, Alemanha... São ciberdespachantes. Eles só registram domínios genéricos. E o banco de dados é um só, que fica na NS. Não existe NENHUM caso de ciberdespachante de country-code Top-Level Domains, compreende?

Além disso, explica Ivan, o próprio Comitê Gestor já recebeu da Icann a incumbência de ser registry E registrar do .br.

- Esse pessoal está com o interlocutor errado. Eles têm de se dirigir à Icann. Porque não se transformam simplesmente em mais um registrar de domínios genéricos? Mesmo por outro lado, se eles estiverem com a idéia de que exista mais de um banco de dados, isso seria um erro técnico grave. Não pode haver mais de um banco de dados, simplesmente porque não pode haver homônimos.

De acordo com o coordenador do CGI.br, a própria idéia de concorrência é usada de modo distorcido na argumentação:

- Diz-se que nos EUA há concorrência, mas não é bem assim. O domínio .us, por exemplo, só é usado para administração estadual e municipal. É uma espécie de .gov interno - diz.

Segundo ele, outro argumento usado pelas empresas são casos de venda de ccTLDs por parte de dois países: Tuvalu (no Pacífico Sul) e Laos. O primeiro, dono do domínio .tv, vendeu-o à Network Solutions, que o ofereceu a emissoras de TV americanas. O segundo, dono do .la, também o pôs à venda e agora o domínio está sendo oferecido pela americana BulkRegister.com (cujos serviços no Brasil abordaremos em reportagem na próxima edição) a empresas com negócios na América Latina (Latin America, ou LA, em inglês).

- As empresas se baseiam nisso. Dizem: "há países em que registramos ccTLDs, sim", mas estão registrando só nesses dois. E são distorções. Ambos os países efetuaram a venda sem qualquer processo e, de certa forma, à revelia da Icann. Os códigos foram criados para registrar exclusivamente domínios dos países e não para serem usados como domínios genéricos novos...

Sobre as críticas à Fapesp e e a inconsistências encontradas no Registro.br, Ivan faz também várias ressalvas:

- Veja, em 2000 o registro de domínios dobrou de tamanho - revela. - Então, muitas coisas que antes eram fáceis, e podiam até ser examinadas na mão, tornaram-se mais complexas. Mas, se você for exigir a verificação na hora em que alguém se registra, está perdido. Vai levar seis meses para registrar um nome de domínio. Na verdade, toda a situação de registro de nomes de domínio é parecida com a data de entrega das declarações de imposto de renda: todo mundo está com pressa e quer registrar agora. O que você faz? Confere antes para o indivíduo correr o risco de alguém registrar na frente dele? Pode acontecer algo assim. Ou aceita o registro e confere depois? Me parece óbvia a resposta. Agora, se você me pergunta: há inconsistências lá? Há gente com mais de dez domínios? Sim, deve ter. Deve haver uma distorção ou outra que passou, mas isso é apenas uma questão de revisão de arquivos. Nós temos, segundo a própria Icann, talvez o melhor registro de país do mundo.

O trabalho do CGI.br tende a ganhar em agilidade quando ele se tornar oficialmente uma ONG - segundo Ivan, algo que pode sair ainda este trimestre. Com isso, poderá aumentar a equipe para verificação e incrementar o atendimento.