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06 DEZ 2000

Conexão perigosa






Arquivo do Clipping 2000

Veículo: Correio Web
Data: 06/12/2000
Assunto: crimes na Internet

Empresa, autoridade ou cidadão, todos correm riscos no universo virtual. 
Fraudes financeiras e pedofilia mobilizam polícia e justiça no mundo inteiro. Crimes contra a honra são os mais comuns

Leonardo Cavalcanti, Dalila Góes e Renato Alves

O perigo na rede mundial de computadores é democrático. Políticos, empresas e até investigadores de polícia, ninguém está livre de tornar-se o próximo alvo de um ataque de piratas virtuais. Em menos de cinco dias, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-governador Cristovam Buarque e o delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva - especialista no combate a crimes na Internet - foram vítimas das ações desses indivíduos, que se escondem atrás de uma tela brilhante. O próximo alvo pode ser você.

Na tentativa de se defender, empresas investem cada vez mais recursos em sistemas privados de segurança, parlamentares tentam emplacar uma lei para definir regras para a Internet e os próprios governos estaduais e federal montam centros de investigação e preparam policiais para combater o crime na rede. No país, existem cinco desses centros: três da polícia civil - em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - e dois da federal, um em Brasília e o outro no Rio.

A maioria dos crimes na Internet no país envolve calúnia (acusar alguém de fazer algo que uma lei define como crime), injúria (ofensa à dignidade) ou difamação (agressão à reputação de alguém). Números da Delegacia de Crimes pela Internet de São Paulo mostram que já foram realizadas mais de 600 investigações. ''Cerca de 80% desses inquéritos são por crime contra a honra'', diz o delegado Lima e Silva, que localizou a origem do site contendo ataques a Cristovam Buarque.

O caso envolvendo Cristovam Buarque, portanto, é mais comum no ambiente virtual do que se imagina. O ex-governador foi vítima de ataques divulgados por uma página eletrônica e atualizada a partir de um computador do gabinete do presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Edimar Pireneus (PMDB). Fernando Henrique e o delegado Lima e Silva tiveram os nomes usados por outras pessoas, que espalharam mensagens falsas na rede.

Artimanhas

Brasília, a Delegacia de Crimes pela Internet paulista investiga outros quatro casos, todos com suspeitas da prática do crime de estelionato. ''Os hackers roubam a senha dos usuários comuns para fazer compras pela Internet em nome da vítima'', conta o delegado Lima e Silva. Para ele, isso acontece por falta de segurança nos provedores da rede. ''A Internet é muito nova e tem uma estrutura anárquica. As pessoas usam o anonimato para a prática criminosa'', observa.

A polícia também esbarra em outra artimanha utilizada pelos criminosos. ''Às vezes, como nos casos de difamação ou racismo, descobrimos o autor mas não podemos prendê-lo ou tirar o site do ar, porque foi feito em provedor de um país onde isso não é crime, caso dos Estados Unidos, onde é totalmente livre qualquer tipo de manifestação de opinião'', explica o delegado Lima e Silva.

Atualmente não há legislação específica definindo o que é crime na rede. Assim, eventuais condenações são feitas com base no Código Penal, que foi reformado em 1984 - antes, portanto, da existência da Internet. Há quem considere necessário que alguns aspectos sejam incluídos numa lei própria: ''Os provedores deveriam ser obrigados a guardar informações por um determinado período'', diz o perito André Caricati, do Setor de Crimes por Computador da Polícia Federal. Hoje, o Comitê Gestor da Internet (CGI) no Brasil recomenda aos provedores nacionais que guardem por até três anos as identificações das mensagens - os chamados ''Protocolo de Internet'' (IP), a carteira de identidade do computador - para que os investigadores possam chegar aos criminosos.

Pornografia

A Polícia Federal trabalha na apuração de crimes cometidos contra a União e nos casos de pornografia envolvendo crianças e adolescentes. No setor de crimes por computador chegam uma média de 50 denúncias por mês. ''Das denúncias, 10% se transformam em inquéritos'', afirma Caricati. Por enquanto existem no Brasil poucos inquéritos envolvendo crimes virtuais contra instituições financeiras. ''Algumas empresas escondem as fraudes com receio de criar insegurança entre os clientes'', diz Caricati. ''A síndrome da má reputação leva as empresas a assumirem prejuízos, encobrindo os delitos'', concorda o delegado Lima e Silva.

Os dois investigadores, porém, concordam que mesmo com as empresas encobrindo as fraudes, o número de crimes envolvendo recursos financeiros ainda pode ser considerado pequeno no Brasil. ''Os programa têm falhas, mas é possível ter sistemas de segurança que dificultem o acesso dos hackers com eficiência'', diz Caricati.

Outra desvantagem que o criminoso leva em relação aos investigadores é que o crime no ambiente virtual sempre deixa rastros. Ninguém entra na Internet sem um provedor de acesso que, preservado, oferece as principais pistas à polícia sobre os piratas virtuais. Sejam eles hackers com altos conhecimentos de informática para entrar em sistemas de empresas apenas por diversão ou criminosos empenhados em roubar ou simplesmente sujar a imagem de alguém.

PF investiga 2.500 denúncias

No cerco aos bandidos cibernéticos, as polícias começam a se especializar. Há seis meses foi inaugurado no Rio de Janeiro o Núcleo de Prevenção e Repressão a Crimes Cometidos via Internet (Nunet), o primeiro da Polícia Federal fora de Brasília. O núcleo, que funciona na Delegacia de Ordem Pública e Oficial (Deops), tem mais de 2.500 casos em seu banco de dados, a maioria com informações de crimes contra crianças e adolescentes. Os números chegaram ao Nunet por meio de denúncias feitas a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção a Infância e ao Adolescente (Abrapia).

No início de maio, antes mesmo de começar a funcionar, a nova delegacia já se preocupava com a bomba que estava por vir. ''Às vezes é até fácil chegar aos criminosos. O problema é a falta de uma legislação prática e eficaz no assunto que nos permita melhores equipamentos e pessoal mais especializado'' , reclama um dos delegados, que prefere que não se identificar.

Corrida contra o crine

A falta de conhecimento e rapidez da tecnologia também assustam outras regiões. O delegado titular da Delegacia de Repressão ao Crime Informático e às Fraudes Eletrônicas do Estado de Minas Gerais (Dercife/MG), Willian Leroy, revela que muitas vezes não sabia como começar uma investigação.

''Todos os dias são investidos milhões em novos programas de computadores. O que hoje é novidade, amanhã pode ser ultrapassado. Ninguém pode dizer que conhece profundamente o mundo virtual'', sentencia. Apontada hoje como uma das melhores delegacias de combate aos crimes virtuais do país, atua em crimes que vão da pirataria de CDs ao desvio de sinais de televisão a cabo. Desde sua criação, em novembro de 1998, instaurou por volta de 190 inquéritos. Desses, 10% são de crimes específicos da Internet, mais precisamente pedofilia e difamação. ''É difícil trabalhar com esse tipo de crime, porque muitas vezes o próprio prejudicado desiste de formalizar queixa ou ajudar nas investigações. Mas estamos investindo em mais equipamentos e tecnologia'', garante. (D.G.)

Dono de site é processado

A descoberta de que o autor da página na Internet que difama o ex-governador Cristovam Buarque e o PT é Stanlley Jacinto Vasconcelos, funcionário do gabinete do presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Edimar Pireneus (PMDB) não encerrou as investigações. A polícia aguarda a quebra do sigilo de duas contas de provedores gratuitos dos Estados Unidos para saber se há mais alguém envolvido no crime. Com a descoberta, na segunda-feira, Stanlley foi demitido. 

Os ofícios com as informações pedidas pela Delegacia de Crimes pela Internet de São Paulo, que tem jurisdição nacional e investiga o site a pedido da assessoria jurídica de Cristovam, devem chegar às mãos do delegado paulista Mauro Marcelo de Lima e Silva ainda hoje. A pedido dos deputados petistas, a Câmara instalou duas comissões para fazer investigação paralela. 

Uma delas, formada por três técnicos em informática, farão pente fino nos computadores da Casa. A outra, com funcionários da Câmara, ouvirá colegas do setor de informática e todos os assessores de Pireneus.Tem 15 dias para isso. Cristovam, o PT e a deputada Maria José Maninha - que também é citada no site - entrarão com queixa crime contra Stanlley, Pireneus e o PMDB.

Querem que sejam condenados por calúnia, difamação e injúria, crimes com penas de seis meses a dois anos de cadeia.