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27 ABR 2023

Cinco perguntas e respostas para entender o que está em jogo no 'PL das Fake News'


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Assunto: CGI.br

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (25), por 238 votos a 192, o regime de urgência para a tramitação do PL 2.630/2020, conhecido como "PL das Fake News", que prevê regular a ação das redes sociais no país. Com a aprovação, o projeto de lei será votado agora diretamente no plenário, o que deve acontecer na terça-feira (2), segundo o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL).

A versão final do texto foi apresentada oficialmente pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), horas antes da análise do pedido de urgência. Nos dias anteriores, o parlamentar havia se reunido com vários partidos para ajustar a proposta, que também recebeu sugestões do governo federal.

A seguir, Aos Fatos responde a cinco perguntas sobre os principais pontos abordados pelo texto, que ainda pode sofrer modificações até o momento da votação.

  1. Quem será afetado?
  2. Como as plataformas devem agir?
  3. Quais são as punições?
  4. O que muda no uso de redes por políticos?
  5. Como será a remuneração ao jornalismo?

QUEM SERÁ AFETADO?

Todas as regras contidas no PL 2.630/2020 se aplicam apenas a plataformas com mais de 10 milhões de usuários registrados no país, como Facebook, Instagram, Google, YouTube, TikTok, entre outros.

Não são afetados pela lei:

  • comércio eletrônico;
  • reuniões fechadas de vídeo, como o aplicativo Zoom;
  • enciclopédias sem fins lucrativos, como a Wikipedia;
  • desenvolvimento e compartilhamento de software de código aberto;
  • jogos e apostas online;
  • e repositórios científicos, educativos e de dados do poder público.


Urgência. Em votação ocorrida na noite da última terça (25), parlamentares votaram medida que acelera tramitação do PL 2.630/2020 (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

COMO AS PLATAFORMAS DEVEM AGIR?

De acordo com o texto, os provedores devem atuar de forma "hábil e diligente" quando um conteúdo potencialmente ilegal for denunciado por usuários. Essa obrigação se aplica a publicações que configurem ou incitem:

  • crimes contra o Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado;
  • atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo;
  • estímulo ao suicídio ou à automutilação;
  • crimes contra crianças e adolescentes;
  • crimes de discriminação ou preconceito por raça ou cor;
  • violência política contra a mulher;
  • infração sanitária, por dificultar a execução de medidas sanitárias quando tiver sido decretada situação de emergência em saúde pública.

Um órgão regulador autônomo e multissetorial será criado posteriormente pelo Poder Executivo para supervisionar as plataformas e avaliar se elas estão cumprindo o "dever de cuidado" de evitar a propagação desses conteúdos ilícitos, de acordo com a proposta. Enquanto a entidade não for criada, parte de suas atribuições ficarão sob a responsabilidade do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil).

Caso uma plataforma não cumpra seu "dever de cuidado", a empresa e seus dirigentes poderão ser punidos. Essa avaliação, porém, não se dará sobre conteúdos ilegais isolados, mas sim sobre "o conjunto de esforços e medidas adotadas pelos provedores" para evitar a disseminação em massa de conteúdo ilegal. Isso significa que serão consideradas falhas sistemáticas e recorrentes nas políticas de moderação ou nos mecanismos de recomendação.

Embora a regra geral diga que as empresas não podem ser punidas por conteúdos individuais, o texto traz exceções. Uma delas é no caso de conteúdos ilegais distribuídos mediante pagamento — caso de anúncios e impulsionamentos. Nessa situação, a empresa será considerada corresponsável pelos danos provocados.

Análise de riscos. O projeto de lei prevê ainda obrigação de as plataformas analisarem e corrigirem "riscos sistêmicos" dos serviços que oferecem. A análise precisa englobar:

  • os sistemas de recomendação e outros algoritmos;
  • os sistemas de moderação de conteúdos;
  • os termos de uso e a sua aplicação;
  • a seleção e a exibição de anúncios publicitários;
  • a possibilidade de manipulação desses sistemas de forma intencional, com o uso, por exemplo, de contas falsas;
  • e os possíveis danos aos direitos fundamentais coletivos, como a liberdade de expressão e a legislação eleitoral, dentre outras normas legais.

As análises devem ser enviadas ao órgão regulador uma vez por ano ou sempre que as plataformas passarem por mudanças que podem impactar seus serviços. Quando identificarem falhas, as empresas devem adotar medidas para corrigi-las.

O novo texto também prevê a obrigação de as empresas elaborarem relatórios de transparência e serem submetidas a auditorias externas.

QUAIS SÃO AS PUNIÇÕES PREVISTAS?

O órgão regulador poderá instaurar um protocolo de segurança, caso avalie que uma plataforma falhou na correção de riscos sistêmicos ou de crimes que as plataformas teriam o dever de cuidado de mitigar. A medida tem duração inicial de 30 dias, prorrogáveis mesmo sem ordem judicial.

Na vigência do protocolo, as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente pelos danos causados por conteúdos criados por terceiros, desde que fique demonstrado que tinham conhecimento prévio da ilegalidade e não agiram contra a propagação. Essa possibilidade ficaria restrita aos casos específicos abrangidos pelo protocolo e a conteúdos publicados individualmente durante sua vigência.

Para ficar comprovado o "conhecimento prévio", bastará que o conteúdo tenha sido denunciado por usuários. Os provedores deverão criar mecanismos para as denúncias, que precisam ser justificadas.

Essas medidas se assemelham às da Portaria nº 351/2023, que obriga as plataformas a avaliar e mitigar riscos da propagação de conteúdos ilícitos sobre ataques em escolas e o acesso de crianças e adolescentes a esses conteúdos. Ativistas de direitos digitais demonstraram preocupação com o texto por abrir um precedente que dá ao Executivo o poder de ordenar a remoção de conteúdos nas redes.

Além do protocolo de segurança, o órgão de supervisão poderá aplicar as seguintes sanções contra as plataformas em caso de descumprimento da lei:

  • advertência, com indicação de prazo para correção do problema;
  • multas, que podem chegar a até R$ 50 milhões por infração;
  • exigência de publicação da decisão pelo infrator;
  • proibição de tratamento de determinadas bases de dados.

Diferentemente de suas versões anteriores, o texto atual não permite que o órgão regulador determine a suspensão ou a proibição de exercício das atividades das plataformas. Essas medidas ainda poderão ser adotadas, mas apenas por decisão de maioria absoluta de um órgão judicial colegiado.

O QUE MUDA NO USO DAS REDES POR POLÍTICOS?

O texto apresentado por Orlando Silva também estende às plataformas a imunidade parlamentar — dispositivo constitucional que impede que políticos respondam por crimes comuns em decorrência de discursos. A versão do relator, porém, não deixa claro se essa imunidade valeria apenas para decisões judiciais ou se impediria também as plataformas de fazer a moderação de conteúdos.

Especialistas ouvidos pelo Aos Fatos temem que a inclusão da imunidade parlamentar no projeto da forma como está colocada possa incentivar as plataformas a deixar de moderar as contas de políticos para evitar questionamentos na Justiça.

O texto também determina que, ao apagarem posts de "contas de interesse público", os provedores devem inserir uma notificação sobre o caso. Caso a moderação seja considerada abusiva, o Judiciário pode intervir.

A imunidade parlamentar é um direito garantido apenas a deputados e senadores. Já o conceito de "contas de interesse público", previsto na proposta, é mais amplo e engloba páginas institucionais ligadas ao governo e a perfis pessoais de:

  • políticos eleitos, como presidente, governadores, prefeitos, vereadores, deputados e senadores;
  • ministros, secretários e equivalentes;
  • altos dirigentes de entidades da administração pública indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Pelo projeto, esses perfis também ficariam proibidos de restringir o acesso de usuários, para garantir que todos tenham acesso às informações ali divulgadas. No final de 2022, um balanço da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) mostrou que ao menos 53 autoridades haviam bloqueado 390 perfis de profissionais e veículos de imprensa. O então presidente Jair Bolsonaro (PL) era o campeão.

COMO SERÁ A REMUNERAÇÃO AO JORNALISMO?

O projeto também prevê que as plataformas devem remunerar empresas de mídia pelo conteúdo jornalístico que utilizam, tema que é alvo de uma disputa de bastidores. O texto atual determina que os valores a serem pagos pelas plataformas serão negociados entre as empresas, que deverão seguir regras para garantir a equidade e evitar o prejuízo para companhias de menor porte. A regulamentação dessas negociações ainda será discutida.

Caso plataformas e empresas de mídia não cheguem a um acordo, haverá um mecanismo de arbitragem. O texto prevê que o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) — autarquia responsável por garantir a livre concorrência — pode interferir para evitar que os provedores "abusem de sua posição dominante na negociação com as empresas jornalísticas".

O relatório diz ainda que as big techs não poderão remover conteúdo jornalístico de suas plataformas para evitar o pagamento a seus produtores.

O modelo de negociação presente no projeto assemelha-se ao adotado na Austrália e é defendido pelas empresas de grande porte e por instituições como a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), que afirmam que os repasses têm beneficiado empresas de grande e de pequeno porte e possibilitado a contratação de mais profissionais.

Por outro lado, a Ajor (Associação de Jornalismo Digital) teme que a negociação direta entre as empresas seja instituída sem a criação de mecanismos de transparência. A entidade defende a discussão sobre a criação de um fundo público de financiamento da atividade.

Além da remuneração de conteúdos jornalísticos, o projeto de Orlando Silva também estabelece que as plataformas precisarão negociar o pagamento de direitos autorais pelos conteúdos musical e audiovisual que distribuem. A inclusão dos direitos autorais era defendida pelo Ministério da Cultura.

Referências:

1. O Globo

2. Câmara

3. O Tempo

4. Aos Fatos (1 e 2)

5. CGI.br

6. Governo federal (1 e 2)

7. Desinformante

8. Politize!

9. Abraji

10. JOTA