NIC.br

Ir para o conteúdo
17 NOV 1999

Bandidos cibernéticos






Arquivo do Clipping 1999

Veículo: Correio Braziliense
Data: 17/11/1999
Assunto: Crimes por computador

Cresce no Distrito Federal número de crimes praticados por computador 
Marcello Xavier
Da equipe do Correio 

O equipamento que deveria facilitar a vida das pessoas tem sido usado como uma arma para cometer crimes. Pessoas com alto conhecimento em informática - os chamados hackers - usam o microcomputador cada vez mais para fazer o mal. Invasão de sistemas alheios e uso indevido de contas de provedores de acesso à Internet, roubo de senhas bancárias e de dinheiro por meio de transferências eletrônicas ilegais via rede mundial são apenas alguns dos exemplos do poder de fogo dos criminosos virtuais.

Só este ano, até o mês de outubro, a Delegacia de Falsificações e Defraudações (DFD) da Polícia Civil do DF registrou 19 crimes cometidos com o uso de computadores. Em 1998, nenhum. O que mostra que esse tipo de crime aos poucos faz suas vítimas. Como é o caso do dono de uma empresa de seguros de Brasília Adeíldson Duarte, 36 anos. Ele teve o dinheiro de sua conta corrente transferido indevidamente para outra pela Internet.

A delegada-chefe da DFD, Eneida Taquary, faz uma previsão preocupante para os próximos anos: "Na era da informática, 80% dos casos de estelionato terão como modo de execução os recursos da computação". A falta de investimentos em segurança por parte dos usuários comuns e empresas é apontado, por ela, como um aliado poderoso dos bandidos cibernéticos. "Os bancos estão prontos para oferecer os serviços. Mas não acredito que estejam prontos para apurar as fraudes", diz Eneida.

Um dos crimes mais comuns registrados na Delegacia de Defraudações é o estelionato (vantagem indevida com prejuízo alheio) virtual. Na maioria dos casos, as vítimas foram atraídas por promoções irresistíveis que chegaram via correio eletrônico (e-mail). Informaram alguns dados pessoais e, com isso, caíram nas armadilhas preparadas pelos criminosos virtuais, que começaram a usar as informações.

Mas os golpes não ocorreram apenas via e-mail. Mesmo sendo muito difícil, os hackers conseguem invadir sistemas de bancos e roubar dinheiro da conta corrente de clientes. Adeíldson Duarte teve R$ 10 mil transferidos ilegalmente de sua conta para outra por meio do serviço home banking. Esse serviço bancário permite que o cliente faça, por exemplo, aplicações financeiras, verifique saldos e transfira dinheiro sem sair de casa.

A polícia ainda investiga o caso, mas os indícios apontam até para o possível envolvimento de funcionários do banco, que repassaram informações privilegiadas para os golpistas. "Os bancos usam do marketing pesado para atrair clientes com suas facilidades, mas têm que se preocupar também com a segurança", alerta Adeíldson.

Outro tipo de crime por computador ocorrido este ano, segundo a polícia, é o roubo de senha pessoal para acesso gratuito à Internet. E nesse caso, os bandidos cibernéticos não pouparam sequer o secretário de Segurança, Paulo Castelo Branco. O secretário, que tem um contrato de horas limitadas de acesso com o provedor, porque usa pouco a Internet, passou a receber uma conta muito alta durante dois meses.

Desconfiado, ele procurou o provedor e pediu uma investigação policial que acabou identificando os hackers. Seis pessoas, entre elas um advogado, foram indiciadas por estelionato - no Brasil, ainda não há uma legislação específica para crimes com uso do computador. "Um deles descobriu a minha senha e repassou para os demais colegas. Estavam navegando de graça às minhas custas", reclamou o secretário de Segurança.

Investigando a rede

Os crimes cometidos com o uso do computador ainda são uma novidade para a Polícia Civil, que reconhece ter dificuldades para investigá-los. "É um trabalho cauteloso e demorado para chegar até o autor do crime digital", explica a delegada-chefe da Delegacia de Falsificações e Defraudações, Eneida Taquary, responsável pela apuração desse tipo de caso.

Mas, para fazer frente à ação dos bandidos cibernéticos, a delegada de Defraudações pretende formar em breve um núcleo de trabalho, com policiais especializados em informática, para investigar os crimes cometidos via computador.

Um pouco mais adiantada que a Polícia Civil, a Polícia Federal (PF) já tem o Setor de Crimes por Computador funcionando há mais de um ano. Apesar do pouco tempo de trabalho, os peritos já conseguiram chegar a vários hackers. Entre eles, dois são de Brasília, acusados de invadir home pages (páginas eletrônicas na Internet) de órgãos públicos.

Eles foram detidos para interrogatório na PF, em julho, mas foram liberados quatro horas depois.

Pornografia

Os peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística (INC), ao qual pertence o Setor de Crimes por Computador, combatem e investigam crimes de informática cometidos contra a União. Mas também estão de olho em pornografia infantil (pedofilia) e home pages que fazem apologia a drogas e racismo, por exemplo, todos eles crimes previstos em lei.

Se aprovado, projeto de lei em tramitação na Câmara Federal vai ajudar as polícias a punir aqueles que cometem crimes por meio do computador. O deputado federal Luiz Piauhylino (PSDB-PE) apresentou uma proposta que prevê pena de detenção de seis meses a um ano para invasores de computadores e redes de computadores. "Não podemos ter uma estrada tão movimentada sem uma legislação. Essa lacuna do direito tem que ser preenchida", justifica o parlamentar. (MX)

Vocabulário

Hacker
Em inglês, o verbo hack significa cavar, fuçar. O sentido exato de hacker é esse: um sujeito curioso, que entende de informática e eletrônica, que vira e revira um computador e programas para saber como eles funcionam.

Número IP
Cada computador ligado em rede recebe um número de identificação, em uma forma como 200.213.42.4, que serve como endereço para localizá-lo. A Internet, por ser também uma rede, funciona igualmente: cada computador, de usuários ou de provedores, recebe um número de IP para ser identificado.

Protocolos
Existem aos montes e são usados na comunicação entre computadores. Determinam como será o "diálogo" entre as máquinas, como os dados e arquivos serão passados de um lado para o outro, como será a verificação de erros etc.

Web
Termo alternativo para designar a Internet.

Cortina de ferro contra os ataques  Invadir computadores e sistemas de informática é muito mais simples do que imagina. Na Internet, o que não falta é "receita" de como fazer. Um desses sites (páginas) chama-se Chegados Home Page e é aqui de Brasília. Entre links para páginas de sexo, apresenta o item Hacker - uma dica para você aprender.

A página é uma aula para quem deseja começar na pirataria. A Chegados ensina como invadir IPs (número de identificação que serve de endereço para a internet), ajuda a descobrir senhas, criar senhas piratas e destruir o computador da escola.

Se o caso não é considerado um crime, como acreditam alguns, pode ser apontado, no mínimo, como politicamente incorreto. Segundo especialistas, esse tipo de publicação na Web só faz crescer o número de hackers. "A quantidade de ataques está aumentando tanto para empresas quanto para o usuário final", alerta o especialista brasiliense em segurança em informática, Rodrigo Ormonde.

Rodrigo e o sócio Marcos Soares produzem programas de computador do tipo firewall (cortina de fogo) para barrar invasões. O software desenvolvido por eles está sendo usado pelo Centro de Comunicação Social do Exército, Tribunal de Justiça do DF, Biblioteca Central da UnB e Secretaria de Orçamento Federal, entre outros.

Com essas técnicas, tempo de sobra e elevado conhecimento em informática, os hackers burlam sistemas de segurança e invadem até mesmo sistemas e computadores de bancos e universidades.

O especialista explica que para um usuário comum é difícil conseguir acesso a um sistema. As ações de invasão a uma rede são trabalhosas e, além disso, é preciso ter um bom conhecimento sobre redes, protocolos de comunicação e programação.

Perfil

Ainda não há como traçar o perfil do hacker brasileiro, mas um dado aponta numa direção: a maioria deles é adolescente. O Comitê Gestor da Internet no Brasil informa que os ataques acontecem mais nos finais de semana, em períodos de férias escolares e feriados. O comitê é uma entidade criada pelos ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia, com a função de fomentar o desenvolvimento e o uso da Internet no Brasil. Não tem poder de polícia ou regulador, é apenas normativo.

Os especialistas Marcos Soares e Rodrigo Ormonde dizem que há dois tipos de hackers. Um age por prazer, ou seja, não ganha dinheiro para invadir páginas eletrônicas ou sistemas de empresas. Simplesmente, gosta da aparecer e usa apelidos, como um pichador. O outro é profissional. Este, sim, ganha dinheiro para causar estragos.

Segundo um dos dirigentes do Comitê Gestor, Raphael Mandarino, apesar de não existirem números reais que definam quantos computadores estão conectados à Internet no DF, sabe-se que Brasília é hoje uma das cidades brasileiras que mais têm microcomputadores plugados à rede. A maioria deles está no Plano Piloto e Lagos Sul e Norte. Em todo o Brasil, o comitê estima que existam perto de 2,4 milhões de usuários. (MX)