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06 JUL 2009

As redes de relacionamento mudaram a face da internet e as vidas online de um bilhão de pessoas






O Globo Digital - 06/07/2009 - [ gif ]
Autor: André Machado
Assunto: Internet

Não faz muito tempo, entrava-se na internet para navegar. Agora, não: estar fora de uma rede social é quase como estar offline. Orkut, Facebook, MySpace etc - e agora o Twitter - vêm mostrando sua força a cada ano que passa. Segundo pesquisa da Nielsen, pelo menos dois terços dos internautas no mundo (em números, um bilhão de pessoas) costumam visitar redes como essas e blogs, e o tempo gasto nelas equivale a 10% de todo o tempo passado na web.

Os dados levam à constatação de que o comportamento online mudou significativamente. Só nos EUA, diz um estudo da Pew, 11% dos adultos online, especialmente os mais jovens, usam o Twitter para dar updates do que estão fazendo todos os dias. A Nielsen diz que o aumento de usuários entre maio de 2008 e maio deste ano entre os twitteiros foi de 1.448%. O que espanta é como essa gente toda consegue tempo para gerenciar tantos perfis espalhados. O repórter que vos escreve, por exemplo, tem Orkut, Facebook, MySpace, LinkedIn e Twitter e se equilibra na cibercorda bamba para acessar todos eles esporadicamente. A advogada e designer Andrea Augusto, diante do mesmo dilema, tomou uma decisão drástica.

- Houve uma época em que saí me inscrevendo em todas as redes sociais, mas depois vi que, se quisesse realmente participar, teria que reduzir, e foi o que fiz - conta Andrea, que hoje usa mais o Orkut e o Twitter. - Este último é a moda do momento, e quando surgiu, era como o Orkut, ninguém entendia para que servia (risos). Até hoje tenho minhas dúvidas se entendo, mas indiscutivelmente é onde eu fico mais tempo.

Certamente as redes sociais são em parte responsáveis pela explosão da informação recenseada todos os anos pela gigante da área de armazenamento de dados EMC. A última conta, feita há algumas semanas, diz que temos hoje circulando por aí 3.892.179.868.480.350.000.000 de dados (ficou difícil de ler o número? A gente ajuda: 3 sextilhões, 892 quintilhões, 179 quatrilhões, 868 trilhões, 480 bilhões e 350 milhões de informações no formato digital).

E isso só tende a aumentar com os futuros planos da indústria de celulares e telecom para o aumento da banda larga sem fio no mundo.

- Ela pode ajudar, e muito, a dar mais acesso a quem ainda está offline [4,37 bilhões de pessoas no mundo], pois é mais barata de implantar - afirma Chris Pearson, presidente mundial da 3G Americas, entidade que congrega a turma da tecnologia celular GSM e seus derivados.

Imaginem quando esses sem-rede entrarem e começarem a postar e twittar

Incrementa o sucesso das redes sociais o fato de poder puxar muitos de seus amigos de uma rede antiga para uma nova (como os do Orkut para o Facebook), ou de associar blogs do Blogger ao YouTube, permitindo postagens instantâneas na hora em que se assiste a um vídeo, por exemplo. Aliás, o desejo dos usuários de ver vídeos é que o que anda segurando o mal das pernas MySpace, que há pouco fechou seu escritório no Brasil. Na semana passada, enquanto o Facebook (o líder das redes, com 200 milhões de usuários) apresentava 144 milhões de visitantes, o MySpace ainda abiscoitava 116 milhões de visitantes de olho nos clipes.

Vários profissionais utilizam as redes sociais para se comunicar com os colegas e também para postar updates sobre seus trabalhos. Um bom exemplo é a banda Cine, cujo guitarrista, Dan, diz não conseguir mais viver sem MySpace e Twitter.

- O MySpace tornou-se meu canal de comunicação com os amigos de música. Não só meu, da banda inteira. Lá troco ideias, descubro bandas novas e mantenho contato com os fãs-clubes do Cine - diz Dan. - Fiz uma grande amizade com os caras de duas bandas de pop punk dos Estados Unidos, Chase Amy e We Say Summer. Nos conhecemos por curtir o mesmo som e hoje trocamos opiniões sobre músicas, festivais e cenas de rock.

Já o Twitter era inicialmente usado para publicar atualizações sobre as gravações do disco da banda, mas logo Dan criou o seu próprio.

- Não me imagino sem ele, é viciante. E posto direto do celular, de onde estiver.

Já Crib Tanaka, coordenadora de moda da Espaço Fashion e veterana blogueira, lembra que antes das redes sociais, o próprio ambiente do ciberespaço modificou, para o bem ou para o mal, a vida das pessoas.

- Desde o âmbito do trabalho, até a vida pessoal, tudo mudou: ritmo, comunicação, tolerância ao tempo de resposta (quanto mais ágil, melhor) - afirma. - As redes sociais, antes consideradas um mundo à parte, hoje são extensão da vida real.

Crib lembra que, até a época do surgimento do Orkut, muito se falava sobre a vida virtual como uma coisa separada, distante. Hoje, isso mudou.

- Sendo radical, mas resumindo: se você não está na rede, não existe. Tenho Orkut, Facebook e Twitter. Dessas, a que mais gosto é o Facebook, que junta um pouco de cada coisa - conta ela, que acha ainda que as redes sociais abriram as possibilidades de interação entre o mercado e seus clientes.

O músico e produtor Henrique Band, que está lançando seu primeiro CD, é um fervoroso defensor do MySpace e da possibilidade que ele oferece de se conectar com colegas do mundo inteiro.

- Tenho a impressão de que ele virou a segunda coisa mais importante da internet para muitos usuários - comenta. - A primeira é você ter um email, que seria como o seu documento de identidade; logo depois viria o MySpace, que lhe dá o direito de ser uma loja+rádio+televisão+chat+revista musical. E sem aquele peso de frases como "cara, você precisa conhecer a minha página na internet" (risos).

A cantora Isabella Taviani, que antes atualizava esporadicamente seu blog, mergulhou de cabeça no Twitter, onde posta (via laptop ou telefone celular) o que acontece na gravação de seu novo disco, que está em fase de mixagem.

- Também tive a ideia de fazer um projeto "reality": filmei todo o processo do CD, desde as primeiras reuniões com a gravadora até agora, e botei tudo no YouTube (com links também no Twitter) - conta a cantora. - Inclusive, estou passando todos os vídeos para meu novo canal oficial no YouTube ( www.youtube.com/user/isabellataviani ), cujo domínio obtive recentemente.

Isabella até usou o Twitter para sortear uma visita ao estúdio entre seus seguidores. Ganhou a jovem Marina Vieira.

Nem todos os internautas são entusiastas das redes sociais. Carlos Afonso, um dos pais da internet brasileira e membro do Comitê Gestor, acha que há riscos envolvidos no processo.

- Eu raramente coloco informações minhas em servidores sediados nos Estados Unidos - revela. - A única exceção é o Gmail, como conta de email pessoal e emergencial, que quase nunca utilizo para qualquer coisa realmente relevante.

Afonso diz que se cadastrou no Orkut e no Ning, mas não os usou de fato.

- Acredito que esses sistemas de redes sociais só fazem sentido para grupos com interesses comuns em que há um certo nível de confiança mútua - e mesmo assim em intranets onde você tem segurança sobre o local onde os dados estão armazenados e sobre a proteção à privacidade de suas informações.

O resto, diz ele, é como qualquer joguinho cujos inventores aproveitam para monetizar as visitas aos perfis (e as próprias preferências destes).

- E eles ganham muito dinheiro com isso.

A visão pessimista de Afonso não é compartilhada pelos alunos e professores do curso de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF). João Fanara, aluno do 1 período, não perdeu tempo em pedir ao professor Kleber Mendonça, da disciplina Fundamentos Linguísticos, para criar uma rede de networking a fim de postar o material das aulas na web de modo a compartilhá-lo e permitir um maior debate sobre os temas. Logo estava criado o site www.estudosdemidia.com.br , aberto a todos os interessados não só em linguística, mas nas novas mídias em geral.

- A ideia era centralizar as informações sobre as aulas num único lugar, para melhor acesso - conta João. - E também criaremos um acervo que ficará disponível para os próximos estudantes que chegarem.

Para Kleber, a lógica das redes sociais representa uma quebra de paradigma e é o maior sinal da chegada da convergência digital ao nosso cotidiano.

- A geração mais jovem já funciona dentro dessa lógica da colaboração, do tempo real - diz. - E eu interajo com eles na rede social. Por exemplo, depois de apresentar na sala um programa de TV que deveria ser analisado, numa velha fita VHS, ela foi digitalizada, e a coloquei no meu perfil no site, o que contribuiu para um debate mais amplo.

Empresas que lidam diretamente com a internet também já perceberam o potencial da tendência. Só para citar um exemplo (há muitos outros), a Locaweb tem dois canais no Twitter.

Um dos canais da empresa, explica Victor Sebastian, seu diretor de marketing, é justamente o recurso final de suporte aos clientes.

- O que não foi resolvido através dos canais normais de atendimento (telefone, email, chat, wiki e fórum) vai para o Twitter - diz Victor.

A cantora Zélia Duncan ainda não movimenta seu Twitter, mas pretende fazê-lo, pois já percebeu seu poder.

- Já no MySpace sou eu que mexo, eu que decido quem entra, e há um critério musical/profissional - conta. - Foi por isso que consegui falar com o compositor francês Alex Beaupain, de quem fiz duas versões para o disco novo, que ouvi na trilha do filme "Les chansons d'amour", de sua autoria.

Ela revela que só a rede social permitiu o contato entre os dois artistas, já que os canais convencionais não ajudaram em nada.

- Através dos meios de sempre, ou seja, do contato entre escritórios, não tivemos resposta. Era quase desrespeitoso o jeito como a editora francesa respondia à Universal Music. Porém, quando falei de artista para artista, funcionou muito bem - comenta.

Zélia deixa bem claro para os fãs que seu MySpace é um espaço mais voltado para seu lado profissional.

- Eu já respondo a todos pelo meu site, não há motivo pra entupir o MySpace improdutivamente.

O advogado Ronaldo Lemos, presidente do iCommons, diz que o Orkut - xodó dos brasileiros conectados, dos quais 35 milhões têm perfis ativos lá - foi muito importante, pois ensinou a muita gente como botar conteúdo online (fotos, posts, vídeos....).

- E o papel das redes sociais continua a crescer e se tornar cada vez mais importante. Por exemplo, no ano que vem, por causa das eleições, essas redes vão ficar eletrizadas politicamente - diz Ronaldo, que usa várias delas e considera o Twitter uma rede social "ao vivo". - Será nossa primeira eleição a contar com essa e-massa crítica relevante, que não pode ser ignorada.

Não será surpresa se tivermos nossos primeiros candidatos eleitos (ou não!) por causa da mobilização de "muitos para muitos" feita através das redes sociais. O Congresso Nacional que se cuide.