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04 OUT 2017

Um dos "pais da internet" quer melhorar a gestão de informações digitais


Agência FAPESP - 02/10/2017 - [gif]


Autor: Elton Alisson
Assunto: História da Internet

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – Depois de ter desenvolvido no início da década de 1970 juntamente com Vinton Cerf os Protocolos de Controle de Transmissão (TCP, na sigla em inglês) e de Internet (IP, na sigla em inglês) – que são a base da internet hoje –, o engenheiro e cientista da computação norte-americano Robert Khan pretende agora melhorar os níveis de segurança e garantir a integridade dos dados compartilhados na rede mundial de computadores por meio de um sistema de gestão de informações que começou a elaborar nos últimos 20 anos.

Denominado “Arquitetura de Objetos Digitais”, a proposta do sistema é realizar uma espécie de cadastro de informações disponíveis em formato digital – chamada de objetos digitais – e conferir a elas um identificador ou “número de série” exclusivo, de modo a assegurar sua localização e controlar o acesso e seu uso ao longo do tempo.

Dessa forma, o link para um texto publicado na internet – como este que você está lendo – não seria perdido com eventuais mudanças no endereço (URL) da publicação porque seu identificador estaria associado não a uma porta de um computador ou de um servidor, por exemplo, mas a um objeto digital. Com isso, o sistema seguiria sempre o objeto digital a que o link está vinculado, mesmo que em novo endereço.

Idealizado originalmente para gerenciar o acesso a publicações, como livros ou filmes disponíveis na internet, o sistema também pode ser usado para administrar a comunicação na Internet das Coisas (IoT) – rede de objetos físicos, como geladeiras e fogões, veículos e imóveis com tecnologia embarcada, além de sensores e conexão, capazes de coletar e transmitir dados –, indicou Khan.

Em visita ao Brasil no início de setembro para participar como palestrante do 2º Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Internet das Coisas, Khan participou no dia 14 de setembro de um encontro na FAPESP com pesquisadores e especialistas em internet no Brasil.

Durante o encontro, promovido pela Fundação em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o Comitê Gestor da Internet (CGI) e o Fórum Brasileiro de Internet das Coisas, Khan apresentou o projeto de Arquitetura para Objetos Digitais (DOA, na sigla em inglês) e discutiu de que maneira o sistema poderia ser uma solução para alguns dos principais desafios para viabilizar a IoT hoje.

“A Arquitetura de Objetos Digitais é uma extensão lógica da internet para gerenciar informações em formato digital”, disse Khan à Agência FAPESP. “Ela reduz as barreiras para a construção de sistemas de informação, permite que programas interajam diretamente com objetos digitais ou parte deles e permite a interoperabilidade de objetos digitais, incluindo os gerados por diferentes organizações, entre outras vantagens”, apontou.

Ele contou que o sistema começou a ser concebido no final da década de 1980, quando ele e Cerf perceberam a necessidade de desenvolver um método para gerenciar informações na internet. A rede mundial de computadores à época tinha sido projetada e implementada como uma plataforma de propósito geral para fornecer conectividade entre computadores, dispositivos e redes de todos os tipos, e um meio pelo qual qualquer aplicativo pode ser disponibilizado tanto publicamente como para uso de usuários autorizados.

Essa constatação levou-os a desenvolver a programação knowbot – a programação móvel no ambiente de rede.

Em um relatório publicado em março de 1998, eles descrevem os componentes básicos de um arquitetura aberta para um sistema de biblioteca digital e um plano para o seu desenvolvimento.

“Alguns componentes de gerenciamento de informação da programação knowbot – como o componente identificador das informações – foram a base para a Arquitetura de Objetos Digitais, explicou Khan.

Desenvolvimento paralelo à Web

O desenvolvimento da Arquitetura de Objetos Digitais aconteceu paralelamente à World Wide Web por Tim Berners-Lee, da Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN, na sigla em inglês).

Desde então, os dois sistemas têm sido amplamente utilizados. Contudo, a Web obteve uma aceitação mais rápida, embora seja focada principalmente na gestão de informações públicas, apresente segurança limitada e garanta o acesso apenas a curto prazo.

Já a Arquitetura de Objetos Digitais foi projetada para habilitar tanto informações públicas como privadas – ou uma combinação das duas – e para ser gerenciada em um ambiente de rede por períodos de tempo potencialmente muito longos, comparou Khan.

“Qualquer informação em formato digital pode ser gerenciada de forma segura pela Arquitetura de Objetos Digitais”, afirmou Khan.

A fim de garantir a segurança, o sistema é baseado em um regime de criptografia de chave pública (PKI, na sigla em inglês).

Por esse sistema, o criador de um objeto digital tem a possibilidade de restringir o acesso a pessoas ou máquinas conhecidas pelo sistema como usuários habilitados por seus respectivos identificadores.

Se, por exemplo, os registros médicos de pacientes de um hospital estiverem estruturados como um objeto digital, o acesso a essas informações confidenciais pode ser limitado a usuários autorizados, com base em seus identificadores e sua capacidade de responder com precisão a um desafio proposto pelo PKI.

Em alguns casos, o acesso pode significar permissão para obter uma entidade digital na sua totalidade. Em outros casos, o acesso pode significar permissão para executar operações específicas em toda ou parte da entidade digital.

“O sistema permite garantir a segurança integrada de um objeto digital por meio de chaves públicas”, afirmou Khan.

Internet das Coisas

A Internet das Coisas poderia ser gerenciada por meio de componentes de endereçamento e segurança da Arquitetura de Objetos Digitais, uma vez que os objetos físicos integrados em rede, que caracterizam a IoT, nada mais são que sistemas de informação, explicou Khan.

O sistema permitiria não só gerir esses sistemas de informação, como também torná-los interoperáveis, além de habilitar seus modos de operação, prever falhas e permitir que interajam, indicou.

“As ‘coisas’ da Internet das Coisas não são novas. Os primeiros protocolos de rede de computadores já permitiam que as ‘coisas’ – que na época eram computadores, programas ou dados compartilhados – fossem interoperáveis. Entretanto, grande parte do gerenciamento da interoperabilidade desses sistemas era feita manualmente”, afirmou.

O sistema desenvolvido por Khan foi recomendado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT-T) – a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para tecnologias da informação e comunicação – e poderia ser uma solução para um dos atuais problemas para o avanço da IoT hoje, apontou Gabriel Antônio Marão, presidente do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas: a interoperabilidade,

“Na internet atual, um dos problemas mais evidentes de falta de interoperabilidade pode ser constatado, por exemplo, quando se tenta abrir um formulário eletrônico em diferentes browsers [programas de navegação na Web, como o Internet Explorer e o Chrome]. Todo mundo já teve problema ao tentar preencher um formulário que só abre em um determinado browse e não funciona em outro”, exemplificou Marão, que participou do encontro na FAPESP.

“Se esse tipo de problema acontecer na Internet das Coisas corre-se o risco de as ‘coisas’ não se conectarem e nem interagirem como se pretende”, avaliou.

Já na avaliação de Demi Getschko, um dos pioneiros da internet no Brasil e conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o sistema proposto por Khan tem muito mais relação e utilidade para a preservação da integridade de documentos – como artigos científicos – integrados em bases de dados do que propriamente para a Internet das Coisas.

“Um problema é fazer com que uma geladeira ‘converse’ com um fogão, como pretende a Internet das Coisas, e outro problema é tentar descobrir qual a última versão de um artigo científico sobre biologia molecular, por exemplo, que você sabe o título e o autor, mas não sabe em que base de dados está”, disse Getschko, que também participou do encontro na FAPESP.

“Nesse sentido [de localização de documentos] a abordagem apresentada pelo Robert Khan é muito interessante e precisa ser olhada com atenção, inclusive porque tem um padrão de 20 anos já em operação, e é bastante sólida e adequada”, avaliou.