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09 SET 2006

Militantes e politicagem cercam papel da ICANN






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: Webinsider
Data: 09/09/2006
Autor: Silvio Meira
Assunto: Governança

Entrevista: Ivan Moura Campos, o brasileiro no comitê da instituição, comenta os erros e acertos, as dificuldades com o governo americano, a falta de internacionalização da entidade e os problemas com opositores.

Conforme publicado em agosto, Ivan Moura Campos, coordenador do Comitê Gestor da Internet/BR e diretor da Akwan, integra o comitê da ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e revela, em entrevista, um pouco do trabalho da corporação e das expectativas sobre a internet mundial.

- Ivan, como se poderia resumir a atuação da ICANN, em grandes linhas, desde que você entrou para a diretoria até agora?

A Icann ainda é, em muitos sentidos, uma startup, isto é, uma empresa ainda em processo de evolução e maturação. É um experimento ímpar, o de se fazer gestão participativa, internacional, na iniciativa privada, de um bem comum: o sistema de nomes de domínios, os endereços e os protocolos da Internet.

A trajetória destes quase dois anos foi também bastante típica de empresa jovem: estamos discutindo os limites de sua missão, estamos reformulando seu estatuto, foram feitos lançamentos de produtos (sete novos TLDs). Apesar de todas as incertezas e dificuldades, uma experiência absolutamente fascinante e enriquecedora.

- Desde sua criação em 1998, quais foram as principais realizações da Icann, ou seja, o que funcionou?

A Icann herdou uma situação de total monopólio de registro dos domínios genéricos por parte da (hoje) VeriSign. Desde então, e em grande medida pela introdução de um regime competitivo entre registradoras, o preço médio de um nome de domínio para o consumidor final caiu de US$50 para US$10 por ano.

Além disso, sete novos domínios genéricos foram selecionados e implementados: .pro, .aero, .museum, .biz, .info, .coop, e .name, criando alternativas para criação de novos nomes de domínios, tirando a concentração quase que absoluta sobre o .com. Foi também produzida, com ampla participação da comunidade, a chamada UDRP (Uniform Dispute Resolution Procedure), através da qual, com rapidez e baixo custo, resolvem-se extra-judicialmente disputas envolvendo nomes de domínios e marcas.

A UDRP diminuiu dramaticamente a prática de registro de nomes para posterior negociação, atividade anteriormente muito presente na internet. A Icann terá um futuro mais promissor quanto maior for o envolvimento e a participação bem-informada de pessoas de diferentes países em sua gestão.

- E o que deu errado?

Eu diria que ainda não deu tempo para se declarar que isto ou aquilo "deu errado". Prefiro falar em termos do que ainda não está funcionando bem. É preciso lembrar que a Icann foi criada para que se evoluísse de um regime com forte herança acadêmica, não comercial, comandada por um indivíduo apenas (Jon Postel).

Os interesses comerciais e financeiros presentes hoje são consideráveis, ninguém deveria esperar "céu de brigadeiro" nesta fase inicial. O maior desafio de curto prazo ainda não resolvido é a distorção advinda da dominação quase que absoluta da "agenda" por parte de cidadãos americanos, empresas americanas e o próprio governo dos Estados Unidos.

- Como assim?

Para começar, há um pequeno grupo de militantes, em torno de vinte e cinco, a maioria ou é professor universitário, funcionário de ONG de direitos civis ou advogado, todos cidadãos dos Estados Unidos. Dentre eles, vários participaram de um esforço concorrente à Icann, perderam a concorrência para "ser" Icann, até hoje não se conformaram com a derrota.

Não há nada que a Icann faça que eles considerem ao menos razoável, tudo é péssimo, e vêem conspiração em tudo. Aparentemente têm muito tempo à disposição, alguns deles têm na Icann o tópico de suas pesquisas, orientam teses de mestrado e doutorado, publicam livros sobre a Icann, etc. e, com isso, são um grupo de militantes articulados que consegue bastante atenção da mídia. Mas é só lá, raramente se vê este tipo de mobilização fora dos Estados Unidos.

- E o excesso de "presença" de empresas americanas? Que empresas?


O maior protagonista nesta vertente é a VeriSign. Ela tem o monopólio dos domínios .com, .net e .org -- este último ela perderá em poucos meses. A Icann é o único, digamos, obstáculo entre este monopólio e um clima de maior "laissez-faire".

Às vésperas de mais uma data de renovação do "Memorandum of Understanding" entre Icann e o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, que ocorrerá neste mês de setembro, a VeriSign tem um pedido pendente na Icann para modificação de seu contrato, para que ela, VeriSign, possa passar a oferecer um serviço de "lista de espera" por domínios. Este serviço poderá gerar receita adicional considerável para a empresa proponente, e os opositores da proposta alegam que estariam sendo varridos do mapa na oferta deste serviço (que alguns já oferecem, não necessariamente igual).

Há vários segmentos contra, vários a favor e, como sempre, caberá ao board tomar a decisão. A VeriSign está ativamente fazendo lobby no Senado americano, argumentando, dentre outras, que a Icann está ultrapassando o mandato para a qual foi criada, etc. Argumentação nada original ou surpreendente, diga-se de passagem. O problema é o tratamento "paroquial" da questão, no congresso americano, fazendo lobby sobre um assunto que, a rigor, é de escopo e interesse internacional.

- E o governo norte-americano?

Felizmente, até agora tem se mostrado suficientemente cauteloso e maduro, principalmente no Executivo, isto é, no Departamento de Comércio. No Legislativo, excetuando-se um ou outro pronunciamento deste ou daquele senador, não me parece que o governo dos Estados Unidos vá ?comprar? o discurso destes militantes domésticos, mesmo porque a batata quente ficaria nas mãos deles, governo americano, para produzir uma alternativa que não desagradasse a comunidade internacional.

Mesmo assim, não é confortável ver a Icann tendo que ir testemunhar no congresso americano, principalmente porque a razão principal da convocação é a barulheira produzida pelos tais vinte e cinco militantes mais uma empresa, todos norte-americanos. Em outras palavras, a Icann ainda não atingiu o grau de internacionalização que todos queremos.

- O que mais? Há mais algum problema relevante não resolvido?

O outro maior problema ainda não resolvido é o de "funding", isto é, ter um orçamento previsível, adequado em valor, e estável. A Icann nasceu órfã e, ainda no berçário, teve que "se virar" para conseguir viabilizar seu orçamento. Continua assim até hoje, e alguns dos "contribuintes", principalmente ccTLD managers da Europa, têm sido nada cooperativos nesta discussão.

Creio que teria sido mais justo, menos "morro acima", se um conjunto inicial de governos, ou o próprio governo americano (que concordou em instituir a Icann como uma ONG na Califórnia) tivesse provido um um capital inicial, que teria certamente evitado toda este círculo vicioso causado pelo orçamento insuficiente, que impõe contratar poucos funcionários, o que atrasa a análise de questões relevantes para os registries e registrars, que provoca instatisfações, que provoca resistência a contribuir para o orçamento, e assim vai.