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10 JUL 2018

Internet camufla publicidade, que enfeitiça crianças


O Tempo - 08/07/2018 - [gif]


Autor: Litza Mattos
Assunto: Indicadores


Empresas usam aplicativos e redes sociais para fisgar os pequenos consumidores, que podem acabar adoecendo

Aos 2 anos, a pequena Celina fica “ansiosa e nervosa se não consegue o que quer”, nas palavras de sua mãe, Renata Marani, 37. “Ela assiste a vídeos de pessoas testando brinquedos e abrindo ovos de chocolate e similares. Resultado: todo dia tem que ter uma surpresinha. Até chora se não tiver”, diz a mãe. Preocupada com essa necessidade precoce de consumo, Renata levou a filha ao terapeuta na semana passada.

Muito vulneráveis aos apelos publicitários, justamente por ainda estarem em fase de desenvolvimento do sistema cognitivo e, dessa forma, não serem capazes de distinguir o real do imaginário, crianças e adolescentes podem sofrer com uma série de problemas, conforme o tempo de exposição a esses conteúdos.

O consumismo é um deles, mas esse contato também pode desencadear transtornos como insegurança, obesidade, bulimia, erotização precoce, além de distorcer valores e estressar as famílias, como alertado por órgãos internacionais, entre eles a American Academy of Pediatrics e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2016 – do Comitê Gestor da Internet no Brasil, entrevistou 2.999 crianças e adolescentes de 11 a 17 anos, e, desse total, mais de 40% pediram aos pais algum produto após contato com publicidade ou propaganda na internet. 

O mesmo estudo revelou que 42% dos jovens usuários da rede tiveram contato com publicidade não apropriada para a sua idade, de acordo com seus pais ou responsáveis. E, embora a televisão continue sendo o principal meio de exposição à publicidade ou propaganda (80%), é cada vez maior o percentual de internautas que têm contato com conteúdos mercadológicos em plataformas de vídeo: 69%. Em 2013, o percentual era de 48%. Outros 62% ainda foram expostos a propagandas ou publicidade em redes sociais. O levantamento foi realizado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). As entrevistas aconteceram entre novembro de 2016 e junho de 2017 e investigaram comportamentos relacionados aos 12 meses anteriores.

De acordo com a advogada do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, Livia Cattaruzzi, a publicidade tem se sofisticado com a internet e as redes sociais. “Na década de 90 era na TV aberta. Hoje a publicidade se sofisticou. Está em diversos espaços: na internet, nos aplicativos, nos games, em pontos de venda, dentro das escolas, em espaços públicos, não é só em um ambiente”, analisa.

Para ela, todo esse estímulo tem levado à mercantilização infantil. “Infelizmente vivemos em uma sociedade em que o ter é mais importante do que o ser. O estímulo ao consumo é forte, e a criança é vista como importante nicho de mercado. Empresas querem convencê-los a ter desejo e a consumir produtos e serviços desde a mais tenra idade. A ideia é fidelizar desde cedo”, afirma.

Uma enquete realizada pelo portal O Tempo na última semana mobilizou, em três dias, 72 internautas. A maioria (88%) respondeu “sim” à pergunta: “Você acha que a internet e a TV estimulam seu filho a pedir presentes?”. Outros 7% responderam “não”, e 6%, “nunca percebi”.

Muitas vezes, diante de uma pirraça, os pais cedem. Estudo divulgado pelo Facebook mostrou que a criança exerce uma grande influência nos lares em relação à decisão de compra. A pesquisa revelou que 71% dos pais admitiram que os filhos influenciam no quanto eles gastam, e cerca de 69% disseram que compram mais produtos específicos para crianças do que seus pais compravam para eles próprios na mesma fase.

Na casa da contadora Thaísa Freitas, 30, não tem TV a cabo, o que limita muito a influência dos comerciais infantis. Mesmo assim, ela revela como tenta barrar a influência do consumismo nos filhos de 3 e 5 anos. “Eu e meu marido não somos muito fãs de TV. Aqui em casa só tem Netflix, e eles escolhem filmes que não têm propagandas. Sempre foi assim, desde que eles eram menores; antes tínhamos só DVD”, conta.

Até o tempo de uso do tablet está sendo diminuído. “O Theo, de 3 anos, estava ficando muito viciado, então desinstalei o YouTube normal e coloquei o Kids. Mesmo assim, de manhã eu não deixo ver filmes. Eles brincam juntos e à noite assistem a filmes. Eles não pedem brinquedos que estão na modinha, só quando veem no shopping”, diz.

Manual contra pressão

Peça que elas façam uma lista de desejos: As crianças mudam de ideia toda hora. Por isso, pedir para formalizar seus desejos as levará a pensar com carinho no que realmente querem e ponderar se alguns itens são importantes.

Não ceda às birras: É natural que as crianças tornem-se muito insistentes, e, muitas vezes, os pais são vencidos pelo cansaço. No entanto, dizer “não” tem grande valor, pois mostra que há limites e ensina a lidar com frustrações.

Faça o que você diz: Não adianta educar o filho para que ele entenda que não deve consumir por impulso e correr para o shopping quando estiver triste, em busca de compensação.

Faça tratos antes de sair de casa: Antes do passeio com a criança, esclareça a finalidade da saída; isso reduzirá a chance de ela pedir algo que não estava combinado.

Presentes em datas especiais: Demonstrar amor e carinho ou compensar ausências por meio de presentes estimula o consumismo. O ideal é que presentear seja um ato exclusivo de datas especiais, como Natal e aniversário.

Evite relacionar lazer com consumo: Se todas as vezes que a família tiver um tempo livre os passeios envolverem roteiros de compras, a criança associará diversão à aquisição de coisas.