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06 SET 2007

Inclusão digital posta em risco por decisão da Anatel






Veículo: Observatório de Direito à Comunicação
Data: 06/09/2007
Autor: Gustavo Gindre
Assunto: Inclusão Digital

Na coluna anterior, eu escrevi sobre os problemas da Consulta Pública 809, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). De lá para cá, conseguimos convocar a agência para se explicar aos membros do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), do qual faço parte.

O representante da Anatel, Maximiliano Salvadori, em conjunto com o conselheiro Plínio Aguiar (que faz parte do CGIbr), explicou que a tal consulta pública tinha um objetivo diferente e que não visava onerar as redes comunitárias e, especialmente, aquelas que se utilizam da tecnologia sem fio mesh (conjunto de roteadores interligados). Mas, o representante da Anatel também reconheceu que é necessário mudar o texto da proposta da Anatel, a fim de evitar qualquer risco de uma interpretação que terminasse onerando as redes sem fio. Agora, vamos acompanhar como ficará o texto final.

Na conversa com o representante da Anatel, nós solicitamos que, no futuro, a agência procure conversar com todos os agentes interessados (e não apenas com as grandes empresas do setor) antes de tomar qualquer medida. Assim, evita-se que tenhamos que brigar depois do prejuízo já realizado.

Licenças

Segundo a apresentação da Anatel, as redes sem fio localizadas em cidades com menos de 500 mil habitantes, e que visem interligar mais de um imóvel, terão que obter apenas uma única licença (portanto, pagar R$ 1.340,00), referente ao ponto de interconexão dessa rede com a Internet, independente da potência utilizada.

Nas cidades com mais de 500 mil habitantes, as redes sem fio terão que pagar uma licença (do ponto de interconexão) e mais uma licença para cada ponto cuja potência ultrapassar 400mW. Vale lembrar que os roteadores vendidos no mercado têm em torno de 150mW. Portanto, usando os roteadores padrão, não haveria necessidade de pagar nada além do ponto de interconexão.

Outorgas

Por sua vez, estas redes precisam de outorgas para funcionar. Caso a rede seja para uso próprio, basta adquirir uma outorga para o Serviço Limitado Privado (SLP), que custa cerca de R$ 300,00. Segundo entendimento recente do conselho da Anatel, se uma prefeitura disponibilizar gratuitamente uma rede para seus munícipes, ela ainda será entendida como sendo "para uso próprio" e, portanto, cabe a outorga de SLP.

Caso a rede seja para uso de terceiros (por exemplo, um serviço comercial), é necessário adquirir uma outorga do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que custa R$ 9 mil.

Ainda não está claro, contudo, onde encaixar uma rede feita por associações comunitárias e/ou ONGs, que seja sem fins lucrativos e que vise atender a terceiros (no caso, a comunidade). Caberá a outorga da SLP ou a de SCM?

Discriminação positiva

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) foi criada em um ambiente neo-liberal e de privatização do Sistema Telebrás. Portanto, ela acabou deixando pouco espaço para que o Estado (e também a sociedade civil organizada) possa atuar nos serviços de telecomunicações. Um dos princípios da LGT é a isonomia de todos os agentes econômicos. Na prática, contudo, isso representa tratar da mesma forma uma rede de uma grande operadora trasnacional (como a Telefonica de España e a Telmex, por exemplo) e uma rede comunitária. Existe pouco espaço para "discriminações positivas", como isenções de taxas e reserva de espectro para redes comunitárias. Caberia ao governo analisar como este cenário pode ser mudado e que tipo de instrumento deve ser utilizado, se um Decreto Presidencial ou projeto de lei. Infelizmente, passados quase cinco anos, este governo ainda não conseguiu produzir uma política de inclusão digital que vá além das iniciativas isoladas.

Espectro

Uma outra questão que surgiu na conversa com a Anatel, mas que não era objeto específico da tal Consulta Pública 809, é a racionalização do espectro eletromagnético.

No Brasil, ao contrário de vários outros países, um das melhores partes do espectro para que se faça redes sem fio (2400 - 2483,5 Mhz) está reservada em caráter primário para o Serviço Auxiliar de Radiodifusão, usado, por exemplo, para o link entre uma estação externa e sua respectiva emissora de televisão. Isso significa que a Anatel deve zelar para que nenhuma rede sem fio possa interferir no Serviço Auxiliar de Radiodifusão. Ou seja, as redes sem fio (em casos onde haja essa interferência) terminam perdendo um espaço valioso do espectro.

Como em outros países, o ideal seria retirar o Serviço Auxiliar de Radiodifusão desta parte do espectro. Mas, quem deseja brigar com os radiodifusores?

Essa situação remete para a necessidade que o Brasil tem de adotar novas modalidades de gestão do espectro, que estejam de acordo com o processo de digitalização. Precisamos avançar para além da gestão analógica do espectro, essencialmente a mesma desde os tempos de Marconi.