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05 DEZ 2006

Icann rejeita o papel de 'dona' da web






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: Valor Econômico
Data: 05/12/2006
Assunto: ICANN São Paulo

Vinton Cerf está rouco. O incômodo na garganta, que ganhou força nos últimos dias, tem obrigado o cientista a limitar suas opiniões a poucas palavras, optando por um discurso mais introspectivo, bem a calhar para aquele que é considerado um dos "pais" da internet, criador do protocolo TCP/IP, o padrão que suporta a rede mundial.

Mas nesta semana Cerf não vem sendo poupado. Sabe que tem de falar, e muito, caso queira convencer entidades brasileiras e internacionais de que a Organização da Internet para Designação de Nomes e Números (Icann, na sigla em inglês) - onde é presidente do conselho - realmente está se transformando em um órgão mais flexível, e não uma instituição coordenada pelo governo americano. O tema será debatido até o próximo dia 8, em São Paulo, durante a 27ª reunião da Icann.

Um dos argumentos de Cerf se concentra no memorando assinado em setembro entre a Icann e o Departamento de Comércio dos EUA. O acordo estabelece que a entidade - que até então dava o direito de o departamento supervisionar e eventualmente bloquear mudanças mais significativas na estrutura coordenada pela organização - está sujeita a uma supervisão apenas em casos considerados de emergência. "Nossa flexibilização com o Departamento de Comércio já foi um avanço, uma mudança significativa", afirma Cerf.

Nas palavras de Paul Twomey, presidente e executivo-chefe da Icann, o acordo reflete "um importante passo de transição", algo que, no longo prazo, sinaliza para uma entidade efetivamente autônoma.

Vender uma imagem de independência é apenas uma das atribuições que têm exigido esforço retórico de Vinton Cerf, que fora da Icann responde pelo cargo de "evangelista-chefe" do Google.

Segundo o executivo, ainda há "muita confusão" quanto às reais atribuições da Icann. "É importante esclarecer que não operamos os serviços baseados na internet. Nosso trabalho ocupa um nível bem mais baixo, apenas técnico."

Cerf é endossado pelo presidente da entidade, que recorre aos correios na tentativa de esclarecer as atribuições da Icann. "Somos apenas os responsáveis por colocar o endereço no envelope e enviá-lo", diz Paul Twomey. "O que está dentro deste envelope e quais são seus objetivos não nos interessa."

Basicamente, a tentativa dos dirigentes da Icann é a de simplificar o papel da entidade, destacando o seu caráter operacional, e não de cunho político. Longe de polêmicas, Vinton Cerf afirma, inclusive, que a entidade não tem objetivos de expandir seu papel na rede mundial. "O que fazemos hoje já nos dá muito trabalho", diz o especialista, acrescentando que, no médio ou longo prazo, a chamada governança da internet talvez passe a exigir a criação de novas entidades mundiais que a represente.

A hipótese agrada ao secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Augusto Gadelha, que defende a criação de uma organização multilateral, que integre membros da sociedade, governo, entidades e empresas de vários países.

Outros dois caminhos para centralizar os temas globais da rede seriam a Organização das Nações Unidas (ONU) ou a União Internacional de Telecomunicações (UIT). O tema vem sendo discutido pelo Comitê Consultivo Governamental (GAC, na sigla em inglês), grupo criado dentro da própria Icann e que atualmente reúne representantes de mais de 80 países.

Rogério Santanna, secretário de tecnologia e logística do Ministério do Planejamento e um dos membros do GAC, diz que, por enquanto, o papel do grupo é apenas o de fazer recomendações. "Não temos poder para definir nada. Só fazemos propostas, que podem ser acatadas ou não pela Icann."

A falta de regras globais na rede, diz Santanna, tem resultado em situações desgastantes, como a ocorrida entre o Ministério Público e o Google - dono da comunidade virtual Orkut -, que entraram em conflito quanto à disponibilidade de informações de usuários. "É preciso saber para quem vamos nos queixar quando acontece um problema como esse", diz.

Sobre a atuação do Google no país, o evangelista Vinton Cerf preferiu não falar. "Desta vez, estou usando o chapéu da Icann", disse. E poupou a voz.