NIC.br

Ir para o conteúdo
07 SET 2007

Gustavo Gindre direto de Genebra: Relato sobre IGF






Veículo: PSL Brasil
Data: 07/09/2007
Autor: Gustavo Gindre
Assunto: IGF

Genebra é uma lugar contraditório. Pode ser vista como uma cidade de apenas 500 mil habitantes, encravada nos alpes suíços, com alto padrão de vida, mas com poucas atrações disponíveis. Por outro lado, aqui estão as sedes da ONU, Organização Mundial de Comércio (OMC), Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), União Internacional de Telecomunicações (UIT), Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Internacional para Padronização (ISO), Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e Cruz Vermelha Internacional, entre outros.

Justamente na sede da ONU, entre os dias 3 e 5 de setembro, ocorreu a última reunião do Multistakeholder Advisory Group (MAG - grupo consultivo que envolve diferentes atores) antes da segunda edição do Internet Governance Forum (IGF), que acontecerá no Rio de Janeiro, em novembro de 2007. O MAG é formado exclusivamente por pessoas convidadas pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, e, infelizmente, sua composição é totalmente desbalanceada, com a majoritária presença do "sistema ICANN" (uma mescla dos interesses do governo norte-americano e de empresas privadas, ambos ligados ao business de registro de nomes de domínio e números IP) e de outros interesses privados (Nokia, por exemplo) que atuam em forte sintonia.

Eu e Carlos Afonso (da RITS) participamos desta reunião na condição de assessores especiais da co-presidência do MAG (atualmente ocupada pelo governo brasileiro), por sermos membros do Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Pela delegação brasileira estavam ainda o ministro Hadil Viana e o conselheiro Everton Lucero (Itamaraty), Alexandre Bicalho (Anatel), Augusto Gadelha (Ministério da Ciência e Tecnologia) e Hartmut Glaser (CGI.br).

Além dos aspectos políticos do IGF, a delegação brasileira tinha a incumbência de negociar os vários assuntos práticos (logística e segurança, por exemplo) da organização de um encontro da ONU que deve reunir mais de 2 mil pessoas de todo o mundo na Barra da Tijuca.

--------------------

O dia 3 de setembro foi reservado à uma sessão aberta, que serviu apenas para a marcação de posições. Talvez, justamente por isso, exceto pela presença da Associação para o Progresso das Comunicações (APC) e de nós, brasileiros, não havia mais ninguém representando a sociedade civil.

Nos dias 4 e 5 ocorreu a reunião fechada do MAG e se eu não tivesse esta credencial do governo brasileiro não poderia participar.

-------------------

Basicamente, o MAG se debruçou sobre três temas.

1) A batalha temática

O Brasil tem se esforçado para fazer do IGF do Rio de Janeiro uma espécie de "Athens plus". Ou seja, ampliar e aprofundar o debate realizado na primeira edição do IGF, realizado na cidade grega. Nesse sentido, uma importante conquista alcançada na reunião anterior do IGF foi a inclusão de um novo eixo temático (além dos já existentes "acess", "diversity", "openness", "security" e "capacity building"): "critical internet resources". Este novo eixo permite discutir temas centrais como a infra-estrutura física da Internet (as redes de transmissão de dados) e, principalmente, o sistema de registro de nomes e números. Já o "sistema ICANN" defendia a não inclusão destes assuntos na pauta do IGF. Cada eixo temático será composto por vários workshops (propostos pelos mais diferentes atores e com visões bem diferentes do mesmo tema) e por painéis centrais.

O principal debate desta reunião do MAG se deu justamente em torno da ementa do painel sobre "critical internet resources". A representação brasileira lutou quase solitariamente para incluir questões como custos de interconexão, infra-estrutura de telecomunicações, administração dos servidores-raiz e o registro de nomes e números. Do outro lado, uma legião de integrantes do "sistema ICANN". E não deixa de causar mal-estar a constatação de que (sob o manto do interessante conceito de "multistakeholder") as empresas privadas tem aqui o mesmo direito das delegações de países.

Ao final da discussão sobre "critical internet resources", o Brasil logrou uma importante vitória (talvez pelo fato de que, como organizador desta edição do IGF, o Brasil ocupa a posição de co-presidência do MAG), garantindo tanto a inclusão de todos estas questões polêmicas quanto um perfil de debatedores que contemple um amplo aspecto de posições. Já o "sistema ICANN" defendia que o painel se concentrasse na mera explicação e capacitação dos temas, como se o IGF fosse uma espécie de escola.

No eixo temático de "openness", o Brasil conseguiu incluir o necessário balanço entre "direitos dos cidadãos" e "direitos de propriedade intelectual", contra uma versão que pretendia condicionar o acesso ao conhecimento ao respeito à propriedade intelectual.

Embora não tão bem alocado (ficando no painel de "access") logramos também incluir o tema da "neutralidade das redes".

Agora, o grande debate se dará em torno dos nomes que serão convidados como painelistas de cada mesa. Serão estes nomes os responsáveis por espelhar os pontos de vista que aqui defendemos. A vantagem é que esta decisão será tomada exclusivamente pelos dois co-presidentes: o indiano Nitin Desai (escolhido pelo secretário-geral da ONU) e o brasileiro Hadil Viana (na condição de país organizador).

2) O caráter do IGF

A Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), realizada em Genebra/2003 e Tunis/2005, criou o IGF com um mandato de cinco anos. Após este período, o encontro terá que ser reavaliado. Portanto, é fundamental construir a legitimidade de um fórum internacional onde se possa debater o futuro da Internet. Caso contrário, ao final destes cinco anos, o "sistema ICANN" certamente proporá o fim do IGF.

Ao mesmo tempo, o caráter multistakeholder do IGF (que reúne governos, sociedade civil, iniciativa privada e academia) é a sua grande fortaleza e sua fragilidade. Como tomar decisões em um encontro com atores de natureza tão diferente? E, no longo prazo, para que serve um encontro que não delibera?

Para discutir a natureza do IGF e tentar encontrar respostas para estas questões, um dos painéis centrais do IGF se chamará "taking stock and the way forward". Esta foi uma proposta do Brasil, que contou com a oposição do "sistema ICANN" (que sempre lutou contra a própria existência do IGF), mas que foi aprovada como parte do programa oficial do IGF.

Para este ponto, o Brasil produziu um documento que defende a criação (conforme previsto no documento final da CMSI, a "Agenda de Tunis") de um bureau do IGF, de caráter executivo (portanto, que seja capaz de tomar decisões), que tenha critérios de representatividade regional e de gênero, que seja multistakeholder (governos, empresas privadas, sociedade civil e academia), que reflita a diversidade de opiniões existentes, que seja transparente (com a necessidade de cada ator prestar contas aos seus grupos de interesse e que torne pública as suas decisões), democrático e com rotatividade de membros. O documento provocou extrema polêmica (e a reação do "sistema ICANN", que deseja um IGF apenas para debates), mas a pretensão do Brasil é torná-lo uma espécie de agenda para o futuro do IGF.

3) A produção de um relatório final do IGF

A terceira questão em disputa foi decidir se o IGF produzirá ou não um relatório final. Neste caso, o Brasil conseguiu atrair a União Européia para a defesa explícita de que, se este IGF não chegará a produzir um documento final (que seja fruto de uma votação), deve pelo menos produzir um relatório que reflita as diversas posições existentes. Na lógica diplomata (feito de pequeníssimos avanços) este seria o primeiro passo para garantir que os próximos IGFs possam ter um mínimo de deliberação. Mais uma vez, e contando com a oposição do "sistema ICANN, o Brasil defendeu o conceito de "Athens plus", ou seja, ir além do que houve em Atenas 2006.

Este conceito é estratégico porque nos permitirá defender um "Rio plus", que faça com que, em um processo cumulativo, o IGF da Índia, em 2008, seja ainda mais conclusivo.

--------------------

O MAG é um espaço pouco democrático e, neste cenário, ficou claro que o Brasil foi o principal oponente dos interesses do "sistema ICANN". Sem os esforços da delegação brasileira (com destaque para o Itamaraty e a Anatel), o IGF teria se tornado apenas um espécie de academia brasileira de letras para a Internet mundial. Talvez não faltasse nem mesmo o chá das cinco...

Ao lado do Brasil, mas de forma muito tímida, estiveram a União Européia (por que tanta passividade?), a Rússia e a China. Estas duas últimas delegações defenderam posições contraditórias com a forma como gerem internamente a Internet em seus respectivos países e ficou claro que faziam oposição aos interesses norte-americanos.

Por fim, vale destacar a ausência quase absoluta dos representantes da sociedade civil organizada.

--------------------

Depois de Genebra, e com a aproximação do IGF Rio, resta o desafio de pautar o tema da governança da Internet (e consequentemente do IGF) no interior da socedade civil brasileira. E aprofundar o debate proposto pelo documento brasileiro (cuja tradução para o português vamos divulgar em breve).