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04 ABR 2017

Festina Lente


Link - 02/04/2017 - [gif]


Autor: Demi Getschko
Assunto: Lei Geral de Telecomunicações

“O reformador está sempre certo no que há de errado, mas muitas vezes está errado ao não ver o que já havia de certo”, diz G. K. Chesterton. É importante reformar, sempre evitando o risco de se jogar fora a criança com a água do banho.

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT) brasileira é de 1997. Em 20 anos muita coisa mudou e ela pode precisar de reforma e um projeto de lei tramita para isso, mas há conceitos a preservar, válidos e importantes. O tratamento que o Brasil deu à internet desde sua inserção é um exemplo luminoso de algo acertado e feito tempestivamente. O CGI foi instituído em 1995 e demarcou a forma correta de tratar a rede: uma representação multissetorial, sem regulação nem vínculo direto com a estrutura de telecomunicações. 

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É o entendimento consagrado na LGT: um serviço de “valor adicionado” que não se confunde com a estrutura de telecomunicações que lhe dá suporte. Deve haver pontos a atualizar na LGT, mas aquele “bebê” que hoje adolesce deve ser preservado: ele é parte da solução, não do problema. 

O Marco Civil consolidou o conceito e tornou-se legislação a receber incontáveis elogios de especialistas e da comunidade, um orientador de políticas nacionais para diversos países.

Desde 1995 muita água passou embaixo dessa ponte. O acesso à rede, que era então pela telefonia fixa, paulatinamente foi migrando para meios mais poderosos: banda larga em fios de cobre, sinais de rádio, fibra óptica. A telefonia fixa perdeu espaço como forma de acesso à internet nos grandes centros, enquanto a rede tornava-se poderosa ferramenta social.

Nos rincões, onde ainda se aguarda a chegada da infraestrutura, a evolução é bem mais lenta. Mudar radicalmente as obrigações de universalização pode, assim, revelar-se prematuro, levando-se em conta as redes associadas a concessão da telefonia fixa. 

Há ainda a previsão de mudanças no regime de concessão. Desde a privatização do sistema Telebrás convivem nas telecomunicações o regime público (concessão) e o privado (autorização). Os contratos de concessão previam duração inicial de 25 anos e é razoável esperar que alterações no regime sigam uma transição gradual. Num momento em que uma grande concessionária de telefonia fixa encontra-se em recuperação judicial, pode surgir um quadro delicado para o Governo, a quem cabe garantir a continuidade dos serviços. Novas metas de universalização e de investimentos para banda larga devem ser discutidas com participação e transparência, sob pena de seu impacto ficar restrito a áreas onde o retorno financeiro é imediato. 

Há também a polêmica revisão do conceito de “bens reversíveis”, que eram parte integrante do processo licitatório original e de cujo vultoso valor o projeto de lei abre mão. Finalmente, haveria a possibilidade de prorrogações infinitas nas outorgas de uso de radiofrequência, fundamentais para a telefonia celular, e de posições orbitais de satélite, usadas na televisão por assinatura.

Dada a complexidade dos tópicos, parece não aconselhável apressar conclusões: o equilíbrio de hoje entre tarifas e obrigações no regime de concessões não é facilmente transponível para o de autorizações, e corre-se risco de insegurança jurídica nos investimentos.

É oportuno relembrar um paradoxal adágio de que o imperador Augusto gostava: “festina lente”, “apressa-te devagar”.