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04 DEZ 2017

‘Fake news’ ameaçam eleições de 2018


O Tempo - 04/12/2017 - [gif]


Autor: Letícia Fontes
Assunto: Fake News

Disseminação de notícias falsas na internet avança, e especialistas se preocupam com impacto eleitoral

A menos de um ano das próximas eleições presidenciais, os brasileiros parecem ser um dos mais apreensivos com a disseminação das chamadas “fake news” (notícias falsas) na internet. Segundo uma pesquisa da rede BBC realizada em 18 países, oito em cada dez pessoas se mostraram preocupadas com a credibilidade do conteúdo que consomem nas redes sociais. No entanto, o receio parece não estar impedindo a difusão em larga escala dessas informações. Conforme um estudo da USP, cerca de 12 milhões de pessoas espalham notícias falsas sobre política no Brasil. Considerada a média de 200 seguidores de alcance para cada notícia postada por um difusor, as “fake news” podem atingir toda a população brasileira.

A disseminação de boatos na política não é um fenômeno novo, mas foi intensificada de forma preocupante a partir da combinação de uma sociedade civil extremamente polarizada e do papel crescente das redes sociais como fonte de informação jornalística. Nesse contexto, especialistas em comunicação, direito e áreas ligadas à tecnologia são unânimes ao apontar que as “fake news” podem ser decisivas na próxima disputa presidencial, com potencial de alcance maior que fontes de informações confiáveis.

Para o cientista político Pablo Ortellado, um dos coordenadores do levantamento – realizado no Brasil pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da USP, com base no monitoramento de 500 páginas digitais de conteúdo político falso ou distorcido no mês de junho –, o fato é que polarização não está nos deixando pensar. Em seu entendimento, as notícias falsas são compartilhadas porque confirmam posições apaixonadas que o leitor já tem.

“Boato é uma coisa antiga, mas o que tem de novo é a polarização em que estamos vivendo na sociedade. Essas notícias são muito mais um sintoma do que uma causa. As pessoas leem sites ou blogs que estão de acordo com seu pensamento político”, diz. “Estamos vivendo em uma bolha política. Não é uma tática de direita ou esquerda, é um lado tentando desqualificar o outro; virou parte da guerra política”, afirma.

Origem. O termo “fake news” ganhou expressão mundial após as últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos. O próprio presidente Donald Trump já usou bastante o Twitter para disseminar notícias não comprovadas. Antes de ser eleito, Trump chamou o aquecimento global de “boato criado pela China” e levantou a suspeita de que o então presidente Barack Obama não teria nascido nos EUA.

Apesar de relativamente recente, o fenômeno é ainda mais preocupante se considerada a quantidade de pessoas que se informam diariamente pelas redes sociais. Segundo o Instituto Reuters, em 2013, 47% dos brasileiros de grandes centros urbanos usavam as redes sociais como fonte de notícia. Em 2016, o índice saltou para 72%.

De acordo com o professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP em São Carlos, José Fernando Rodrigues Júnior, as notícias falsas viraram um grande negócio. “Além do interesse de manipular a opinião pública, as notícias falsas são criadas, na maioria absoluta das vezes, para a obtenção de lucro. A realidade é mais chata do que a ficção, por isso o sensacional tende a ser mais disseminado. Quanto mais visualizações do seu site, mais cliques e mais ganhos, os quais podem chegar a milhares de dólares”, diz.

Segundo a advogada Juliana Abrusio, especialista em direito digital que defendeu o senador Aécio Neves (PSDB-MG) durante a campanha presidencial de 2014 em uma ação por calúnia, difamação e injúria, a maior dificuldade em processos desse tipo está na eficiência das mentiras. Juliana conta que nas últimas eleições foi identificada uma rede de 66 pessoas que controlava robôs e perfis falsos contra o então candidato tucano.

“Tem aqueles que divulgam essas notícias por convicção política e os que são profissionais contratados. É possível identificar o autor fazendo a quebra do sigilo eletrônico, mas a maioria dos sites é hospedada fora do país. O processo leva em média seis meses ou mais para ter um desfecho, e, até lá, quem perde é a sociedade, que sai de um ambiente democrático. Não perde só o candidato, mas um conjunto de eleitores”, destaca advogada.

Gigantes da internet iniciam combate

Pressionados com a propagação do fenômeno, gigantes da internet como Google, Facebook e Twitter já discutem maneiras de punir aqueles que forem julgados como sites mentirosos – nos Estados Unidos, as empresas estão sendo investigadas depois da descoberta de que agentes russos supostamente pagaram para impulsionar anúncios e “fake news” nas redes e, consequentemente, desequilibraram o resultado a favor de Donald Trump.

O Google alega preocupação com o fato de que sua remuneração via ferramenta AdSense poderia estar ajudando a fomentar a multiplicação de notícias sensacionalistas. Por isso, assim que identificada a notícia falsa, a plataforma já cancela a remuneração e o site hospedeiro.

Já o Facebook passou a identificar sites que contêm grande número de anúncios e títulos “caça-cliques”, aplicando mecanismos de inteligência artificial para entender a dinâmica do veículo. A partir do diagnóstico, páginas “duvidosas” têm tido menos relevância na plataforma.


Exemplos

Santander. Em setembro, diversos sites noticiaram que o Santander teria perdido 20 mil clientes em dois dias graças ao cancelamento da exposição “Queermuseu”, em Porto Alegre (RS). No entanto, a Agência Lupa, especializada em fact-checking, identificou que o número de correntistas do banco está em alta desde 2016.

Impeachment. Três de cada cinco reportagens mais compartilhadas no Facebook por brasileiros na semana da votação do impeachment, na Câmara, eram falsas, segundo levantamento da USP. Mais de 200 mil pessoas foram alvo das “fake news” na época.

Desafio é não cercear liberdade

O Tribunal Superior Eleitoral quer formar um grupo para avaliar notícias falsas nas redes. Sem regras específicas sobre anúncios patrocinados, financiamento de candidatos por moedas digitais e uso de robôs para alavancar postagens, o desafio é estabelecer parâmetros de comportamento sem o risco de cercear a liberdade de expressão.

Para o professor Sérgio Amadeu, o problema está na inclusão do Exército, da Agência Brasileira de Inteligência e da Polícia Federal nas discussões: “Quem tem que julgar e detectar são as organizações da sociedade civil. Não podemos judicializar toda a campanha”.

Minientrevista
Sérgio Amadeu
Professor da UFABC e representante do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Até que ponto iniciativas como as do Google e as do Facebook para tentar coibir notícias falsas são benéficas? Não abriria brecha para possíveis censuras?

As “fake news” e a notícia exagerada são praticadas antes mesmo da internet, por isso a ideia de que você vai conseguir proibi-las não se sustenta. A notícia falsa é uma técnica de manipulação que se baseia em uma convicção. Falar que vão criar algoritmos para identificar notícias falsas é perigoso. Como você identifica uma notícia falsa? Isso tem que ser feito constantemente com a participação de todos. O que devemos ter é uma vigilância permanente. As pessoas precisam ter a consciência e o senso crítico de checar as informações em mais de uma fonte, mas saber também que campanhas eleitorais têm humor, exageros e mentiras. O debate não pode ser simplificado. Com o país divido, é preciso esclarecer a população.

Quais serão os principais desafios nas eleições?

A internet é cada vez mais organizada a partir dos algoritmos. Vamos viver em 2018 uma tentativa de enfrentamento da política do espetáculo e do escândalo. Os algoritmos tomam decisões que as pessoas não veem. A lei eleitoral proíbe que se tenha conteúdos pagos em portais, mas usa o termo “impulsionamento”. Com a compra de palavras-chave até mesmo pelo Google e com o impulsionamento de postagens no Facebook, cada vez mais o crescimento orgânico vai ficar prejudicado e terá destaque a visualização via monetização. O ideal é que fosse proibido o pagamento de postagens na disputa. É uma lei que privilegia o poder econômico.