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25 JUN 2007

Estudo aponta dificuldades para a inclusão digital brasileira






Veículo: FNDC
Data: 25/06/2007
Assunto: Inclusão digital

Os resultados da privatização do Sistema Telebrás são um misto de êxitos e fracassos que se refletem na estrutura bastante desenvolvida (porém mal distribuída) de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no Brasil. Por aí começa a análise realizada pela Rede de Informações para o Terceiro Setor (RITS) para o relatório Global Information Society Watch 2007 - uma visão sobre as atuais condições no campo das TICs e seu impacto na vida das pessoas que vivem nos países em desenvolvimento. O estudo verifica que não falta boa vontade, mas políticas consistentes para a inclusão digital no País.

A contribuição brasileira para o relatório Global Information Society Watch 2007 (GISW) foi realizada por Carlos Afonso, pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Formação (NUPEF) da Rits, com a colaboração da professora Sonia Aguiar, também pesquisadora da Rede. O estudo mostra o contexto político e econômico determinantes para o atual estágio de universalização do acesso às telecomunicações, iniciando por uma análise da privatização do Sistema Telebrás e a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) nos moldes da Federal Communications Commission (FCC) dos Estados Unidos, às quais classificam como “um misto de êxitos e fracassos”, por uma série de motivos explicitados no decorrer do documento.

“O texto contém um acúmulo de trabalho investigativo sobre o tema que vem sendo realizado há vários anos, em decorrência da intensa participação da Rits nos temas das TICs para o desenvolvimento humano e, mais especificamente, nos processos da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação”, revela Afonso. Conforme o relatório, as maiores dificuldades da realidade brasileira em relação às TICs não são por falta de vontade, mas pela ausência da sociedade civil na formulação efetiva de políticas públicas de inclusão digital. “Apesar de o governo ter criado comitês setoriais para o desenvolvimento de uma estratégia nacional única, o que se vê é um rol de iniciativas paralelas de ministérios e empresas estatais”, descrevem os pesquisadores.

Investimento social

O ponto de partida para se pensar a questão é, na concepção da RITS, que os dispêndios de políticas públicas na promoção das TICs para o desenvolvimento humano não são custos, mas investimentos sociais. A pesquisa destaca a necessidade urgente de uma estratégia governamental com resultados significativos em curto prazo – como 2.400 municípios e até mesmo bairros de classe média excluídos da internet – por não serem atrativos economicamente para empresas de telecomunicações e de serviços de Internet, e a precariedade ou ausência de conectividade nas áreas rurais. O baixo índice de informatização das escolas públicas (algumas nem mesmo luz têm) reforça essa constatação.

O relatório aponta que, para avançar na inclusão digital, deve-se criar legislação adequada para evitar cartéis nas telecomunicações e transmissão de dados e assegurar a utilização de sistemas e padrões abertos, para reduzir a dependência de sistemas e softwares proprietários. Outro passo seria a promoção a curto prazo da adequação à lei e regulamentação do FUST, assim como a criação de um mecanismo de governança para o fundo.

O GISW é um estudo anual de monitoramento da sociedade da informação global com foco no desenvolvimento e expansão das TICs pelo mundo. A pesquisa tem por base relatórios sobre a situação das TICs em 22 países da África, Ásia, América Latina e Leste Europeu e constata que, indiferente das proporções territoriais e demográficas, há diversas similaridades entre esses países, que estão em desenvolvimento, em sua maioria, e onde se nota uma imensa exclusão digital. Em comum, estão também a rápida ascensão à sociedade da informação global, provocada por vários fatores interligados e, sobretudo, competitivos, e os custos que a liberalização pode trazer.

O estudo, segundo Afonso, “não é uma pesquisa acadêmica (ainda bem!), é uma tentativa de diagnóstico da situação atual para apontar caminhos para uma estratégia nacional”. Leia a seguir a entrevista do pesquisador ao e-Fórum:

• O que chama mais atenção no resultado desse estudo?

Carlos Afonso – O que mais chama a atenção é que o Brasil, infelizmente, não é diferente da imensa maioria dos países. Ao contrário de países como o Canadá, a Itália ou o Chile, mostra-se incapaz de montar uma coordenação efetiva, pluralista e multi-governos (municipais, estaduais e federal) para a alavancagem das TICs para o desenvolvimento humano no país. Não resolve apenas nomear pessoas (mesmo especialistas) e titulá-las com nomes pomposos. É preciso uma estrutura, é preciso mobilizar os vários setores especialistas para uma pesquisa multi-setorial que possa convergir para uma estratégia nacional abrangente e ao mesmo tempo unificadora de TICs para o desenvolvimento humano, e sobretudo é preciso lembrar, nas propostas orçamentárias, que tudo isso não é feito por cigarras e requer recursos até para a formulação de um programa consistente.

• Qual é o diferencial do Brasil, no que se refere às TICs?

Carlos Afonso – Não há diferenciais significativos, se lembrarmos que o país está entre as 10 maiores economias do planeta. Há exemplos importantes, que poderiam servir de referência (como nossa abordagem para a governança da Internet no país – reconhecida como uma das melhores mundialmente –, os avanços nos sistemas de e-governo a nível federal, e talvez a reorientação dada ao Programa GESAC pelo governo Lula).

De resto, nada que possa destacar-nos excepcionalmente. Isso é uma conseqüência de o tema ter sido tratado na prática (primeiro, durante FHC) como um problema acadêmico e de empreendedorismo, apenas. Foi quando se produziu o Programa Sociedade da Informação, que ficou quase todo no papel.

E depois, no governo Lula, tratado como algo pouco entendido e no qual não houve nenhum esforço de constituir uma equipe comum, estruturada para montar uma estratégia nacional em consulta com a sociedade, com a garantia de ser seguida. Ao contrário, a inclusão digital no país sofreu com brigas de egos entre pessoas com poder de decisão e com mudanças de orientação (uma hora era no Planejamento, outra hora na Casa Civil, outra hora no Ministério das Comunicações, e em cada mudança alguém decidia de cima para baixo o que deveria ser feito, mas quase nada foi feito até agora). A pergunta é: será que há tempo para mudar?

• Foi difícil o acesso aos dados?

Carlos Afonso – Os dados no Brasil são sempre difíceis. Faz-se, por exemplo, uma pesquisa sobre IDH, em 2000, e nunca mais (por mais que se critique o IDH como conceito com fragilidades, ele é uma referência importante). Para mim, um problema do próprio PNUD, que teria que ter brigado pela continuidade disso.

Entidades de planejamento dos estados e do governo federal têm muitos dados preciosos, mas não se dão ao trabalho de sintetizá-los para o acesso público (ou publicam dados atrasados em relação às informações que elas mesmas têm). É comum não ser possível encontrar uma informação pela navegação de um sítio web oficial e encontrá-la no mesmo sítio web via Google!

Só por iniciativa recente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), passamos a ter acesso a séries históricas regulares sobre as TICs no país com informações que antes tínhamos que buscar em sítios no exterior. E se o CGI.br não insistisse com o IBGE na inclusão de mais de 20 questões relacionadas às TICs (ou remunerasse o IBGE para que as incluísse), a última PNAD teria saído sem esses dados. E lembremos que os recursos do CGI.br não são recursos de governo.