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25 SET 2006

China quer internet própria






Arquivo do Clipping 2006

Veículo: Fórum PCs
Data: 25/09/2006
Autora: Elis Monteiro
Assunto: Governança

A notícia veio da agência Reuters e pode vir a passar despercebida: a China decidiu criar uma nova internet. O motivo alegado é simples: a estrutura atual da rede mundial de computadores não estaria dando conta do número de usuários entrando na internet ao mesmo tempo, principalmente em países muito povoados. Só na China, atualmente são mais de 120 milhões de internautas, com um potencial de crescimento do tamanho de sua população de mais de 1,2 bilhão.

Os motivos políticos não custaram, claro, a aparecer: a internet estaria, segundo o governo chinês, muito "concentrada" nas mãos de empresas americanas. Assim, a China quer colocar-se no papel de "mãe" de uma segunda rede de protocolos IP chamada Cernet2 que, dentre outras novidades, será totalmente construída em cima de nova versão da rede de protocolos IPv6.

O IPV6 vem sendo defendido com unhas e dentes há alguns bons anos e dentre as características principais estão a possibilidade de um maior número de endereçamento, maior velocidade e capacidade superior de migração para dispositivos móveis, como celulares e PDAs, com suporte a transmissões em tempo real.

Há ainda outras qualidades: o IPV6 promete ser mais seguro - pela capacidade superior de autenticação e encriptação - e mais barato. Além disso, propiciaria uma transição mais suave para o novo mundo da Voz sobre IP (Voip).

É claro que, a princípio, seriam estas "qualidades" interessantes para uma grande parcela de usuários - quem não quer mais segurança, mais velocidade e mais flexibilidade de plataformas? Mas para as empresas de telecomunicações, bem, este é um outro papo.

Que também, aliás, já vem se arrastando há anos. A princípio, os Estados Unidos não teriam mostrado grande euforia em migrar para o mundo do IPV6. E, dizem as más línguas, a reboque o ICANN também não...

Bem, há alguns anos entrevistei um de nossos representantes no ICANN - o membro do Comitê Gestor da Internet Brasileira Demi Getschko. Perguntei se era verdadeiro o lobby que as operadoras estariam fazendo contra o IPV6.

A resposta de Demi, à época, foi esclarecedora: ainda não há necessidade de IPV6, mesmo que o governo da China tente usar isso como justificativa para a criação de uma nova internet:

- Na raiz do ICANN há "raízes de cola" do IPV6. O problema é que a expansão do IPV6 exige trocar toda a infra-estrutura, isso demora. Há linhas e roteadores rodando IPV4. Se você lança o IPV6 sem uma grande uniformização você cria ilhas que não se falam. Há um fenômeno que a internet sempre apresentou: a revigoração de coisas que parecem exauridas. O TCP/IP parecia exaurido em termos de alta velocidade quando se falava em fibra óptica, mas não só não ficou exaurido como rodou em alta velocidade. Eu tive uma reunião de emergência em 1997 porque estavam acabando os endereços IPV4. Daí apareceram proxys e ferramentas que permitiram usar um endereço e botar dez mil máquinas atrás daquilo - disse Demi.

A princípio, a Cernet2 seria para atender à demanda já latente por mais números IP. Mas o fim do IPV4 e do endereçamento atual já vem sendo discutido há muitos anos, em âmbito internacional, e até hoje não se chegou a conclusão alguma. Dentro do próprio ICANN - a entidade internacional que "controla" o endereçamento na internet - as discussões têm sido constantes.

O esgotamento do IPV4 não é o cerne da questão, é claro. Há de se considerar que a rede mundial de computadores que todos usamos hoje nasceu nos celeiros do governo americano - pior, do poderio militar americano -, num projeto da década de 70 chamado Arpanet que, migrando depois para o meio acadêmico, acabou descambando para o que a gente vê hoje - internet comercial, democrática (com algumas exceções, caso da China), mas ainda assim ligada ao governo americano e, claro, às empresas americanas.

Explica-se: até hoje, o ICANN continua sob o "domínio" do Departamento de Comércio Americano que, jurando neutralidade, agregou representantes de todos os países que da organização quiseram participar. O Brasil está lá, bem representado, participando de todas as discussões, inclusive aquelas que dizem respeito ao esgotamento ou não do IPV4.

Num primeiro momento, diz ainda a agência Reuters, a Cernet2 será testada em 25 universidades de 20 diferentes cidades chinesas e não se sabe ainda quando a massa da população terá acesso a ela. Não se discutiu ainda também o tamanho da influência que o governo chinês exercerá sobre a nova rede.

A "internet chinesa" é apenas a ponta do iceberg de uma revolução que pode vir a explodir a qualquer momento. Também é mais um argumento que os "conspiradores" podem usar a seu favor.

Quem nunca ouviu falar, por exemplo, que a Google Inc. estaria interessada na criação de uma nova rede mundial de computadores? Muita gente já caiu na história - recentemente, li uma reportagem na editoria de economia da revista "Times". Pode ser verídica? É claro que sim. Mas também pode não ser.

Segundo a reportagem, a gigante de Mountain View já havia contactado fabricantes para a compra de equipamentos e já estaria até "cabeando" algumas cidades para a criação de uma rede de backbones que começaria a expandir a tal nova rede mundial.

O primeiro passo, disse a reportagem, seria a compra de "cabos remanescentes da internet pré-bolha-pontocom", quando muitas empresas investiram pesado em cabeamento. Os cabos, chamados "dark fibre" - fibra óptica já instalada, aproveitável mas ociosa - estariam disponíveis desde o fim da era do "ouro virtual", à espera de alguém que lhes trouxesse novamente à vida.

Gosto destas teorias da conspiração e acho que a Google Inc. teria, sim, toda a capacidade do mundo - e dinheiro - para dar início a uma empreitada deste porte. Mas a empresa negou para a Times e negaria para qualquer um que fosse tentar desenterrar a história, mesmo que verdade fosse. A história não ficou só na "Times" - foi notícia na Cnet e gerou posts insuflados no Slashdot, dentre muitos outros importantes veículos de comunicação sobre tecnologia.

Seja como for - se através da China ou da Google - os sinais indicam que, muito em breve, poderemos ter de conviver com mais de uma rede. Do jeito que as coisas estão nessa, uma segunda até que não faria tão mal assim...