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19 FEV 2018

ASSÉDIO VIRTUAL - 'Cyberbullying é questão de saúde pública'


Folha de Londrina - 17/02/2018 - [gif]


Autor: Lais Taine
Assunto: TIC Kids Online Brasil 2016

Hebiatra da Sociedade de Pediatria de São Paulo aborda os riscos, consequências e a busca por soluções mais contundentes contra violência nas redes

"Brincadeiras" ofensivas foram por muito tempo ignoradas por pais e responsáveis por crianças e adolescentes. Nos últimos anos, no entanto, o bullying passou a ser encarado de forma mais séria e hoje é considerado um problema real e frequente em todo o mundo. No entanto, com as novas plataformas de comunicação, a juventude passou a conviver com as agressões também no ambiente virtual. Tanto que o cyberbullying tornou-se problema de saúde pública e que pode trazer consequências graves para as vítimas.

Ansiedade, depressão e suicídio são alguns dos resultados da violência praticada entre crianças e adolescentes no ambiente virtual. Os sintomas nem sempre são percebidos pelos responsáveis, o que torna a agressão ainda mais perigosa. Falta de políticas públicas de combate ao problema e a ausência de debate nas escolas e na sociedade são agravantes.

Segundo a última pesquisa TIC Kids, de 2016, realizada pelo CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), mais de 80% da população brasileira entre 9 e 17 anos utilizam a rede. O número de jovens que navegam na rede mais de uma vez por dia foi de 21% em 2014 para 69% em 2016.

Para o hebiatra Benito Lourenço, do Departamento Científico de Adolescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o poder público também tem que atuar para proteger as crianças e os adolescentes. "A gente pode considerar que é uma questão de saúde pública, que exige uma atenção constante de quem atende adolescentes", destaca.

Por que os adolescentes são os mais atingidos pelo cyberbullying?
Eu resumiria em três características. Um padrão de consumo intenso; uma ausência de letramento digital pleno, eles dominam alguma coisa no sentido tecnológico, mas ainda não dominam todas as questões que envolvem as relações; e o mundo que a gente vive que é cada vez mais intolerante. Com isso nós temos uma conjuntura completa. O indivíduo não tem uma boa estrutura, uma rede de apoio de pais e professores presentes, uma educação nesse sentido.

Bullying e cyberbullying são considerados problemas de saúde pública?
São por conta da frequência que aparecem. A violência é uma pauta constante e crescente na adolescência. Hoje, as principais causas de morte de adolescentes são as violentas. Não é a maior parte dos adolescentes, mas os que sofrem, sofrem muito: transtornos de ansiedade, transtornos de depressão, a gente tem uma série de consequências negativas, problemas legais envolvidos com essa questão. A gente pode considerar que é uma questão de saúde pública, que exige uma atenção constante de quem atende adolescentes.

O cyberbullying, por estar em um ambiente em que as agressões são disseminadas praticamente sem controle, é mais perigoso que o bullying?
Ambos têm o seu perigo. Do ponto de vista legal, calúnia, difamação e injúria sempre foram crimes, tanto na vida real quanto na virtual. Isso está bem claro. Muitas vezes, o cyberbullying passa despercebido por quem acompanha o adolescente. Se eu fosse chamar de mais grave, seria apenas por isso. É mais grave na medida em que fica mais escondido e a gente às vezes não tem acesso àquilo que está acontecendo. Talvez eu chamaria de mais grave porque ainda está silencioso para um grupo de adolescentes que não têm como nem com quem dividir isso. Alguns jovens nem conhecem seus direitos, não sabem que aquilo pode ser punido, que ele tem direito a correr atrás de ressarcimento pelos danos que sofre.

Esse silêncio, junto com o anonimato proporcionado pela internet, acaba representando proteção ao agressor?
O anonimato é fictício, porque hoje existe tecnologia para se identificar qualquer tipo de fonte provedora desse tipo de informação. Mas realmente as pessoas acreditam que exista certo anonimato. É importante, porém, que a gente divulgue que não há anonimato, que dá para descobrir o autor. Uma vítima de cyberbullying pode acionar um sistema de proteção eventualmente criminal, policial, que tem como descobrir claramente de onde veio, qual foi fonte, qual foi o gerador.

A solução depende de conscientização ou de punição?
Primeiro, o problema tem que emergir, a gente tem que falar sobre isso. Como a gente falou muito sobre bullying, a gente agora começa a falar sobre cyberbullying. A primeira questão é a informação clara. Existe, está acontecendo, os pais têm que saber, os professores e a escola têm que conhecer.

Segundo, a intensificação. Isso a gente faz de uma maneira muito tímida. Falta conversa sobre discursos de intolerância, como acontecem, por que acontecem.

Terceiro ponto, pais atentos, que monitorem, que façam não uma vigilância no sentido proibitiva, mas que tenham uma presença constante com os adolescentes, dizendo: "estou aqui caso precise de mim", "estou aqui, não vou ficar toda hora te perguntando o que está acontecendo, como foi seu dia, que me mostre tudo, mas eu estou o tempo inteiro ao seu lado para o momento que você quiser dividir alguma coisa comigo".

O pai não pode ser 100% presente, nem 100% ausente, os dois extremos são problemáticos. O pai tem que estar suficientemente presente para receber essa informação. Estou falando de adolescentes mais velhos. Mas no caso de adolescentes mais novos, praticamente crianças que já têm perfil em rede social (embora não pudessem), deve haver uma monitorização parental mesmo, de vigilância, de compartilhar a senha, de ter acesso ao conteúdo que está sendo digitado.

Caso o crime aconteça, quem deve ser responsabilizado?
É difícil, como qualquer fenômeno da relação humana, achar um culpado. Não existe um culpado apenas. Caso aconteça, todos os envolvidos (educadores, pais) são corresponsáveis pelo caminho de atenuação desse problema. Então, não é hora de ficar olhando quem causou isso ou por que isso aconteceu. Todos são corresponsáveis por corrigir isso. É necessário conversar, procurar ajuda até em nível judiciário, vale a pena. Muitas injúrias e calúnias ocorrem nesse tipo de violência. A vítima merece ressarcimento. Todos têm a responsabilidade sobre a maneira que a gente ensina esses adolescentes, para que eles tenham maior capacidade de dialogar, de conviver com as diferenças, com aqueles que usam roupa diferente, participam de um grupo diferente. Esse é o papel principal que todos os educadores têm para com os adolescentes.

As leis atuais de combate a esse tipo de crime são eficientes?
São eficientes quando há procura. A grande questão é que os pais ainda ficam silenciosos mesmo quando sabem que o filho sofreu algum tipo de agressão. Às vezes não procuram ajuda na Justiça. Para quem procura, a gente tem visto resultados interessantes de responsabilização, principalmente quando adultos estão envolvidos. Obviamente, quando dois adolescentes de 12 anos se xingam na rede, não há muita coisa a fazer na questão financeira. Mas quando há um adulto envolvido - um exemplo clássico é a disponibilização de fotos íntimas de adolescentes - a gente tem uma jurisprudência de resultados bastante interessantes, em que o culpado foi penalizado, obrigado a indenizar a vítima ou por uma responsabilização criminal. A questão é procurar ajuda.

Além do agressor e da vítima, o cyberbullying só funciona se houver espectadores para a violência. Então o problema é uma questão coletiva também?
Vai depender um pouco da modalidade, do tipo de agressão, mas existem os replicadores de fotos. Não é foto dele, nem foto de um parceiro ou parceira dele, mas ele participa, então tem uma corresponsabilização. Por isso, se a discussão for feita no ambiente escolar, não tem que ser feita somente com quem cometeu e com quem sofreu. É uma pauta de aula. Todos devem conversar, porque existe uma plateia, muitas vezes omissa ou algumas vezes não. A plateia pode ajudar no sentido de dar força à vítima, mas muitas vezes é uma plateia omissa, principalmente nesses grupos abertos, de rede social.

Existem políticas públicas indicadas para combater o cyberbullying?
Ainda são muito tímidas. Isso ainda vem de algumas entidades, de algumas ONGs, entre pediatras e médicos de adolescentes. A Sociedade de Pediatria de São Paulo tem uma atenção a isso e alerta constantemente os médicos a ficarem atentos. A Sociedade Brasileira de Pediatria tem uma atuação firme. Foram o pediatras que inicialmente despertaram a atenção para esse problema, foram eles que começaram a ouvir isso dos adolescentes.