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01 MAI 2012

Adeus ao animador as boas causas






ARede - 05/2012 - [ gif ]
Autor: Lia Riveiro Dias
Assunto: Membro do CGI.br

Athur Pereira Nunes deixa uma história exemplar de serviços prestados à causa pública, na área da tecnologia nacional, o sfteare e da internet.

COM MAIS DE 30 anos de atividade profissional, boa parte em cargos públicos ou em instituições setoriais de tecnologia da informação, Athur Pereira Nunes tinha tudo para retornar o serviço púbico, em 2003, com a cautela natural de quem sabia as dificuldades que teria ela frente. Mas assumiu a Subsecretaria de Política de Informática do hoje Ministério da ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no primeiro governo Lula, com o entusiasmo de um iniciante. Esse entusiasmo, casado com sua experiência, fez dele um líder natural dos que eram então responsáveis, em diversas áreas, pela implementação de políticas públicas na área de tecnologia da informação. E esse vigor o acompanhou até sua morte, no dia 16 de abril, no Rio de Janeiro, aos 65 anos.

Sergio Amadeu da Silveira, sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC, dirigia à época o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), ligado à Casa Civil. É dele o depoimento: “Uma pessoa com a experiência do Arthur foi fundamental para que tivéssemos sucesso em várias ações de implementação
do software livre no governo federal. Ele foi um grande mestre. Quando as coisas ficavam difíceis, ele nos dizia: vamos com calma que vamos avançar. E de fato avançamos. Muitas ações frutificaram e deixaram sinais positivos no governo até hoje”. Na opinião de Amadeu, Arthur, a quem conheceu quando chegou ao governo Lula, em 2003, era uma pessoa muito especial. “Foi o primeiro gestor público a destinar recursos ao desenvolvimento de projetos em software livre, em chamada feita pela Finep. O primeiro e o único, pois, de lá para cá, nada mais foi feito no âmbito federal para apoiar a inovação em software livre”, relata.

Representante do MCTI no Comitê Gestor de Internet (CGI), Arthur levou à frente, ao longo de 2003 e 2004, a proposta do novo sistema de governança da instituição, com eleição direta de seus representantes pelas entidades da sociedade civil, colocando fim à era em que os representantes eram indicados pelo governo. “Ele fez isso com muita competência, de tal forma que chegamos a uma situação onde havia os que eram a favor e os que não eram radicalmente contra”, relembra Demi Getschko, diretor-presidente do NIC.Br, o braço executivo do CGI. Pela nova formulação, o CGI passou a ter 21 componentes, com nove representantes do governo federal. “Somos uma entidade autônoma”, diz Getschko.

Sobre essa experiência, Arthur deu o seguinte depoimento ao site do CGI: “Conseguimos juntar diversas forças e construir um modelo que ainda hoje é mundialmente original na administração da rede. Eu sonho com um sistema decisório de eleições via internet no país inteiro. Você pode discutir as prioridades de orçamento de seu bairro, colocar em prática o orçamento participativo, decidir onde o governo vai gastar recursos, ouvir a população de uma maneira organizada, com uma lógica. Podemos fazer eleições para presidente, para o Parlamento.” Ele foi um dos representantes do país na Cúpula da Sociedade da Informação de Genebra, em 2003. Seus planos à frente da Subsecretaria de Política de Informática foram atropelados por uma doença circulatória que lhe provocou insuficiência renal e acabaria levando à sua morte. Arthur deixou Brasília, em 2004, mas continuou trabalhando no MCTI, no Rio de Janeiro, até abril de 2011, quando se transferiu para a Finep, como assessor da presidência.

Com a garra de sempre, enfrentou a doença, que lhe obrigava a três sessões semanais de diálise. O que não o impediu, em setembro de 2011, de viajar em férias por duas semanas a Paris, onde fez sua pós-graduação em administração pública pelo Institut International d’Administration Publique de Paris, depois de se formar em administração pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Transferiu as sessões de tratamento para a França, tudo localizado e combinado pela internet. “Só um dia tive de voltar da clínica de ambulância. Várias vezes consegui pegar até ônibus na volta da diálise”, me contou ele, animado. Gostou muito da viagem, até pelos desafios a serem vencidos. Recordou lugares, rememorou os tempos de estudante, encontrou amigos.

Era uma despedida. Entre as sessões de diálise e seu trabalho no MCTI, Arthur ainda encontrava tempo para se dedicar a projetos dos quais gostava. Integrou o juri do Prêmio ARede desde 2007. Sempre dentro do prazo, encaminhava sua planilha com as notas e as devidas justificativas. Fazia todos os trabalhos com a mesma seriedade e dedicação.

Arthur fez muito mais de que defender o software livre e ajudar a consolidar um modelo de governança na internet. Deixou uma extensa folha de serviços prestados às causas públicas. Começou a se envolver com a defesa da tecnologia nacional quando trabalhou, como analista de projetos, na Capre que, em 1979, seria sucedida pela Secretaria Especial de Informática (SEI). Transferido para a SEI, teve papel importante na articulação, junto ao Congresso Nacional, da Lei de Informática, aprovada em 1984 e que instituiu a Política Nacional de Informática. Depois, integrou a diretoria das entidades que representaram a indústria nacional de componentes e produtos de informática (Abicomp e Automática, sua sucessora) e foi diretor da Softex, entidade para o estímulo ao desenvolvimento do software nacional.

Foi, sobretudo, um militante da democracia em suas várias dimensões. Iniciou sua militância na luta contra a ditadura militar, que o levou a um exílio voluntário na França para evitar a prisão. E continuou a militar vida afora. Era um amigo querido e que deixa muita saudade.